O mau presidente





Sugestão de leitura para Donald Trump

“The Bad President” (ROSEN, PRITCHETT & BARRET. NY: Workman Publishing, 2006), infelizmente sem tradução para o português, é uma análise da gestão George Bush que traz séria advertência na capa: “Cuidado! Pode vir com doloroso humor político”. Isso, apesar de ser um texto cuidadosamente escrito, baseado em fatos, com todas as devidas fontes ao final. No Brasil, algo similar poderia ter sido escrito pelo irreverente Stanislaw Ponte Preta (heterônimo de Sérgio Porto), autor de “Febeapá – O Festival de Besteira que Assola o País”, sobre alguns de nossos ex-dirigentes.

No livro, avisam os autores logo na introdução, as citações são documentadas fielmente, cautela para quem vai mexer com peixe graúdo. Após cada parte anedótica, vem a crítica: “A triste verdade”. Citam, ao final, organizações reputáveis, entidades de pesquisa, registros governamentais e decisões judiciais. Explicam também que não acham a gestão Bush assunto para rir. Por isso mesmo, teriam escrito este livro de humor sobre o assunto. Pensam eles que o desmascaramento de homens e mulheres no poder, coisa fácil de ser feita, é um “prêmio de consolação” em uma democracia, um afago, ao menos.

Bush era tão alucinado que pensava que poderia prender estrangeiros nacionalizados ou mesmo americanos natos sem processo judicial, inclusive mantendo pessoas incomunicáveis, se necessário. A conhecida juíza Sandra Day advertiu que “a história e o senso comum nos ensinam que um sistema desses – o ‘estilo Bush’ – carrega o potencial de ser um meio de opressão” (cautelosa, como convém a uma magistrada da Suprema Corte americana).

Meses antes da invasão do Iraque, o chefe das Forças Armadas disse ao secretário da Defesa Rumsfeld que estimava que o controle daquele país necessitaria entre 300 mil e 400 mil homens. Rumsfeld, que não tinha experiência alguma sobre guerra no solo, disse que era um “chute” e achava 140 mil suficientes. Foram necessários oito anos de guerra, mesmo com o apoio de homens do Reino Unido, Austrália e Polônia. Mas já em maio de 2003 – oito anos antes do fim da guerra e a apenas dois meses e meio de iniciada -, Bush, a bordo do porta-aviões USS Abraham Lincoln, discursou, blefando para a tripulação, os americanos e o mundo. Declarou que a guerra havia terminado, e que os EUA teriam saído vitoriosos (uma faixa enorme atrás dizia “Missão Cumprida”). Apesar de toda essa verborragia ufanista, o conflito só terminou muitos anos depois.

A Suprema Corte americana denunciou violação das leis americanas e da Convenção de Genebra. O juiz John Steven cita violações à dignidade humana e submissão de prisioneiros a tratamento sádico, cruel e degradante, a exemplo dos surreais abusos e torturas na prisão de Abu Ghraib, sob as vistas grossas do secretário da Defesa Donald Rumsfeld.

Bush tinha visões de que era um predestinado, uma bênção divina para o mundo. Seriam alucinações ou golpe de marketing? (Vale ler também “The Bush Dyslexicon”). Durante sua primeira corrida para a presidência, disse ao pastor evangélico James Robinson, para que ecoasse pelo país, “eu sinto que Deus me quer candidato à presidência. Eu não poderia explicar, mas eu sinto que meu país vai precisar de mim. Eu sei que não será fácil para mim e minha família, mas simplesmente Deus quer que eu siga”. “God’s greatest gift”, diz-se nos EUA das pessoas prepotentes e soberbas que se acham “o maior presente de Deus”.

Sentindo-se onipotente pelas mãos divinas, no começo de 2002 Bush determinou à Agência Nacional de Segurança (NSA) que se embrenhasse em espionagens mesmo sem mandado judicial, de telefonemas entre americanos e estrangeiros naturalizados ou residentes. Não havia resquício de legalidade nessa ordem, mas como o presidente dos EUA detém até o poder unilateral de decisão sobre uma guerra, e Bush se sentia abençoado, esqueceu-se – e depois se complicou – do Fisa (Ato da Inteligência para Vigilância de Estrangeiros, de 1978), que aprova, em raros casos, a espionagem doméstica em nome da segurança nacional. O fato ficou de ser julgado pela Suprema Corte, que anos depois condenou a atitude de Bush – mas não o puniu.

Assim, aos trancos e barrancos, aos gritos e asneiras, na truculência e ao arrepio da ordem e das leis americanas e acordos internacionais, Bush, alvo de anedotas e medos, governou os EUA.

Seu clone (piorado ao quadrado), Donald Trump, vai governar a maior nação do planeta com ideias radicais, protecionistas, xenófobas e muito mais truculentas do que seu colega republicano, com o apoio da extrema direita e grupos racistas inspirados em tempos medievais, como o Ku Klux Klan. Pensa em coisas mirabolantes como um muro colossal, no controle dos cidadãos, e terá, para esses sonhos alucinados, a maioria branca a apoiar. Alvos serão os latinos, negros e os de fé islâmica que até hoje têm convivido em paz dentro dos EUA. E mesmo as mulheres.

O problema é que terá, para seus delírios de poder, mais armas do que Bush e muito mais determinação e convicção, brincando com o mundo. Voluntarioso e acima de tudo e todos, leva nas mãos o totem sagrado para os americanos: segurança. Mas não ouve além de seu próprio ego (“Trump ignora ‘briefings’ da Segurança Nacional”. “Estadão”, 25/11/2016, A13). Qualquer movimento brusco dele pode significar um golpe na economia mundial e na paz. Deveria ler “Bad President”. A tristeza é que a ele não caberá um livro no mesmo tom anedótico que os de Bush.