Imposto de Renda, The Taxman e Al Capone

Henrique Autran Dourado

Estudiosos creditam o primeiro Imposto de Renda aos egípcios, ao taxarem propriedades e riquezas em geral (BREASTED, JH. 1906: Ancient Records of Egypt. LDN: UCP, 1906). Em Roma, na época da República, a alíquota em tempos de paz era de 1%; durante as guerras, coisa de 3%. Variavam também com as propriedades e o valor das terras, em escala crescente do imposto a ser pago. Na China, por volta do ano 10, o imperador Wang Mang, da dinastia Xin, instituiu um tributo de 10% sobre o que arrecadavam os trabalhadores. O bastante para em três anos cair o regime, voltar a dinastia Han e retornar a política anterior. Uma das primeiras taxações documentadas de que se tem registro foi introduzida por Henry II, em 1188, para captar recursos para a terceira Cruzada (papa Gregório III). Os cidadãos da Inglaterra e Gales eram taxados em 10% de sua renda e propriedades móveis. Em 1641, Portugal implantou a chamada “décima”. O Brasil foi o 33º país a introduzir o Imposto de Renda, em 1924, vindo de uma experiência que abalou o Império, o “Quinto”, no final do século 18, quando a Coroa Portuguesa cobrava 1/5 de todo o ouro, diamante e prata encontrados no país. A “derrama”, dia da cobrança, vazou para os rebelados: chamavam-na “o dia do meu batizado”. Portugal derrubou com força bruta o movimento chamado Inconfidência Mineira, tendo Minas como palco da rebelião.

O modelo do atual Imposto de Renda vem da Grã-Bretanha de 1799. O tributo foi criado por sugestão do Duque de Beeke, mais tarde Dean de Bristol. O primeiro-ministro Prim the Younger introduziu o IR progressivo com uma faixa de 10% sobre rendimentos acima de 200 libras e até mais altas, sobre rendas acima de 5.500 libras. A oposição ao primeiro-ministro era implacável contra o IR, afirmava que deveria existir apenas em tempos de guerra e extinguiu populistamente todos os impostos em 1816; o chanceler de Exchequer mandou queimar a céu aberto os registros de valores pagos, mas espertamente ordenou guardar cópias no porão.

Em “Estórias Curtas Britânicas e Americanas”, junto a contos de Dickens, DH Lawrence, Poe e Hemingway, Mark Twain (1835-1910) publicou um texto fabuloso, “The Income Tax Man” (O Homem do Imposto de Renda). Conta ele que certo dia um cidadão recebeu a visita de um estranho cobrador de impostos. Percebendo a ardileza do visitante, o cidadão logo mostrou-lhe quantos exemplares vendera de apenas um livro, “Inocentes no Estrangeiro”: 95 mil exemplares. Ato contínuo, o cobrador fez um cálculo: “cabem ao governo $ 300 mil de impostos, e você me deve a metade, $ 150 mil – isso, sem falar no imposto-padrão”. Além da exploração oficial, era visível uma grande vigarice a se desenrolar pela frente. Mas o cidadão era daquele tipo vivaldino: começou a calcular as deduções, como danos em acidentes, incêndio, perdas em imóveis e animais, e por aí vai. Após esse malabarismo, mostrou ao cobrador que devia apenas $ 35 mil depois de tudo. Uma queda de braço e tanto!

Em 1966, os Beatles, na ritmada “Taxman” (Homem dos Impostos), em tudo lembravam o conto de Twain: “Deixe-me dizê-lo como vai ser / há um pra você e 19 pra mim / porque eu sou o homem do imposto / sim, sou o homem do imposto / Se cinco por cento parecem pouco / agradeça-me por não levar tudo”. A guitarra, ácida e rasgada ao fundo, bem cria o ambiente do confisco, que se torna sarcástico ao cercar por todos os lados: “Se você dirige um carro / vou taxar a rua / se tentar sentar-se / vou taxar seu banco / se fizer muito frio / vou taxar o aquecimento / se você der uns passos / vou taxar seus pés”.

Na Inglaterra os impostos são bastante salgados, e quanto mais visíveis os cidadãos, como os “fab four” de Liverpool, mais vulneráveis. Os tabloides sensacionalistas exibem escândalos e fortunas das estrelas, o que deixa a turma do HMRC (a quem cabe o IR) ávida por cobranças estratosféricas. Raul Seixas conta a história da prisão do maior gangster americano por sonegar: “Hei, Al Capone, vê se te emenda / já sabem do teu furo, nego / no Imposto de Renda / Hei Al Capone, vê se te orienta / assim dessa maneira / Chicago não se aguenta”. A ironia dos Beatles e de Seixas é divertida, mas na hora um “coté” é cruel: fazer as contas, não deixar escapar nada e evitar ser pego de calças curtas.

Faz algumas décadas, a nossa Receita Federal batizou, não sem certa ironia, seu novo supercomputador com o nome de T. Rex, o violento “dino” pré-histórico: milhões de cálculos por segundo. (Provavelmente a máquina já foi trocada e aprimorada algumas vezes até o ponto de bala de hoje). Quanto mais longe a informática for, mais velozes, simultâneos os cálculos – e assustadoras as cifras. Sonegar deixou de ser – se é que já foi – um bom negócio. E, ah, o T. Rex também é fabuloso para multar e não precisa de maior espaço físico para crescer, agora pode involuir (girar para dentro) para abrigar sua expansão.

Entra aí a Inteligência Artificial (AI), iceberg cuja ponta apenas ensaia aparecer – qual o dedo do Joãozinho na fábula da bruxa -, capaz de imenso número de cálculos simultâneos. Não sou dado a profecias, mesmo porque no caso o futuro é óbvio. Com a ajuda da Internet G5, a IA, em pouco tempo, registrará, da ponta em que compramos uma Coca-Cola à máquina na ponta distante, o valor e outros dados, fora o trajeto do caminhoneiro, o distribuidor, a fábrica e todos os que, de alguma forma, pondo as mãos naquele produto, geraram algum consumo, alguma renda, algum capital.