Robôs e Inteligência Artificial

Henrique Autran Dourado

Quando o escritor russo-americano de ficção científica Isaac Asimov lançou “Eu, Robô”, em 1950, sucesso por décadas, não se imaginava que o objeto de paixão da vida do autor fosse seduzi-lo tanto. Até onde essas engenhocas cheias de fios, circuitos, diodos, transístores e, na época, válvulas sem fim, poderiam ir? Conseguiriam raciocinar por si algum dia? Asimov tinha paixão especial por robôs: além do título já citado escreveu mais quatro, formando uma série. Eram máquinas dóceis submetidas ao homem. Fora a visão humanista de Asimov, aquelas foram épocas de terríveis e sombrias visões do futuro, como “Mil Novecentos e Oitenta e Quatro”, romance distópico (utopia negativa) de George Orwell, e o mais recente “Alphaville” (1965), do cineasta Jean-Luc Godard. O mundo temia que essas engenhocas começassem a pensar e fazer-desfazer por si, criassem iniciativa própria e, de roldão, dominassem seu criador, o homem, e o mundo inteiro. Cruzes!

Nossos sonhos giravam em torno de simpáticas máquinas como os robôs da série de desenhos animados “Os Jetsons” – dóceis, servis, mas com uma pitada de opinião para tornar os filmecos mais divertidos. Ah, perguntaríamos, quem dera tivéssemos ao menos um desses escravos, e o mundo liberto de vez de toda sorte de escravidão e exploração do homem pelo homem! (Como se sabe, máquinas não sentem. Bem… Ao menos até hoje). Aprende-se robótica nas escolas, constroem-se protótipos de robôs, uns complexos, outros apenas para jogar um futebol diferente, meio enlatado. Na universidade, meu filho juntou-se a um grupo de colegas e chegou a disputar campeonatos, um novo esporte que demandava tutano, diria minha avó, cérebro para preparar aqueles “gadgets”. Ora, se as máquinas são boas, por que temê-las? Podem trabalhar por nós, não é o que sonhamos? Labutarmos cada vez menos? (Meu pai dizia: “a preguiça é a mãe da invenção”. E eu, cada vez mais, acredito nisso).

Mas o mundo foi rodando, o tempo passando e maquinarias de cada vez menor tamanho começaram a se tornar mais necessárias para o pensar eletrônico. Os computadores reais dos tempos de Isaac Asimov ocupavam uma sala inteira, décadas depois não precisariam mais do que o espaço de uma agendinha eletrônica, e hoje… Quem diria, hein? cabe tudo e do resto muito mais um tanto em nossos celulares!).

Hoje, uma coisa chamada Inteligência Artificial (Artificial Intelligence, em inglês, ou AI) lança nova sombra sobre o mundo, o terrível medo de que forças anônimas – ou quem sabe até muito bem identificadas! – venham a nos dominar executando manobras complexas em supervelocidade. De um lado, alunos sonham com a IA nos seus trabalhos escolares, os acadêmicos nas pesquisas científicas, e em toda “mão de obra cerebral” – está criado o neologismo? -, com uma rapidez nunca dantes vista. De outro, e a Receita Federal? E as guerras? O que intriga é: se alguém tem o poder de programar o funcionamento da IA, então há quem tenha o controle nas mãos, ou, indo bem longe, a rigor poderão com ela deter o poder sobre o mundo.

Dia desses uma amiga propôs aos seus pares da rede social que cada um desse o nome de um livro, apenas um. Propus “Dom Casmurro”, de Machado de Assis, e em segundos o que existia na Internet sobre ele era espremido em exíguo espaço, algumas linhas. Dentro dos parâmetros dados, a geringonça mostrou a data da primeira edição, 1899, a editora, Garnier, e uma série de informações sobre aquele momento no conjunto da obra do autor. Corri para conferir algumas coisas, mas até ali tudo estava certo. Em três segundos! Pensei: será possível catalogar um número astronômico de obras para grandes bibliotecas ou universidades em curto espaço de tempo! (Arregalei os olhos, ri e lembrei-me de um episódio divertido de uns 20 anos atrás, na casa de uma amiga produtora artística. Nós, do estúdio dela no andar de baixo, ouvimos a velha senhora chamá-la e perguntar quando ela tinha saído e retornado do supermercado, pois entregaram pacotes na porta. Ouviu não, mãe, fiz as compras pela internet, eles só vieram entregar! Pronto. Bastou para a velha senhora passar mal e esbravejar onde estamos, será isto o demônio, aonde vamos chegar?)

Após pensar nas vantagens do uso dessa parafernália tecnológica, Chat GPT e afins, diverti-me vendo montagens fotográficas de celebridades onde elas nunca estiveram, obras impossíveis de Da Vinci e Picasso e até rabiscos de composições bem medíocres. Na arte e no amor, nossos escudo e broquel, não há chance para IA no final.

Luz amarela. Em um ensaio para a revista Economist de 28 de abril, o renomado filósofo e historiador israelita Yuval Noah Harari explica o porquê da necessidade de um freio para desarmar as IA na esfera pública. Aqui e ali, vê-se um alerta para o surgimento de inicialmente pequenas calamidades. Lembremos depois as eleições de 2022, as poderosas fake news, os bots, algoritmos manipuláveis; pensemos os estelionatos cibernéticos em massa e, pior de tudo, o avanço indomável das guerras. Se brincadeira, nesta nova 4ª revolução industrial, ou cibernética, a IA já não teria mais graça alguma. Da 3ª revolução, a da robótica, informática e eletrônica, saltaremos a uma outra, a da velocidade descontrolada, cálculos exponencialíssimos com pilotos desconhecidos. Do “Alpha Soissante”, do velho “Alphaville” de Godard do início, e lembrando “Fahrenheit 451”, obra-prima de Ray Bradbury, devemos lutar contra esse “novo mundo”, onde não haveria lugar para amor, arte e sentimentos. E venceremos!