(Cont.) Voltando ao Michael Jackson e sua Disney particular, o garoto Jordan Chandler, um dos vários menores que frequentaram aquele parque de diversões exclusivo,afirmou que ele, Michael, “mais parecia uma vaca”, aludindo às manchas de vitiligo espalhadas pelas regiões íntimas do cantor. Isso tudo dito em juízo e publicado. Por outro lado, Jackson permitia e estimulava que a imprensa divulgasse, com sensacionalismo, sua obsessão por câmaras hiperbáricas, nas quaiscostumava se fechar de corpo inteiro para absorção completa de oxigênio puro.Fora o uso de máscaras e luvas –que, segundo ele, teriam o condão de evitar contato com bactérias e vírus de todas as espécies, petrificando-o para a eternidade com aquela aparência de quando era o pequenoastro afro-light, o mais novinho do famoso conjunto Jackson Five. Sobre Michael, aliás, o sarcástico e irreverente jornalista Paulo Francis, de língua solta e ferina, disse que deveriam deixar o cantor em paz: “Michael não quer ser homem nem mulher, nem negro nem branco – ele só quer ser bonita”. Causou, como se diz na gíria de hoje.
Em um golpe de mestre, Michael casou-se com Lisa, filha de Elvis e Priscilla Presley. Com suas núpcias, conseguiu abocanhar ainda maiores espaços na mídia, ao mesmo tempo em que tentava dissipar a imagem de sedutor de meninos vulneráveis, trazida à baila após sucessivas acusações de que ele foi réu na Justiça americana. Livrou-se, e seu LP “Thriller” acabou vendendomais de 47 milhões de cópias, perto de quatro vezes a população de Cuba. O compositor Manuel de Falla (1876-1946), autor do balé “O Amor Feiticeiro” (“El Amor Brujo”), que viveu muito antes de Michael, só aceitava refeições em restaurantes se os pratos viessem cobertos com gaze para protegê-lo dos germes, e andava pelas ruas com um lenço ou máscara cirúrgica cobrindo o nariz. E como existem anedotas sobre músicos! Seriam listas intermináveis! Parece que as preferências dos piadistas – todos, claro, músicos – recaem sobre todas as modalidades, sejam cantores, pianistas ou instrumentistas de orquestra, embora haja certa preferência sobre canto, violino, viola, trompa e contrabaixo, piadistas mas incansáveis trabalhadores da música.
(Uma loja de objetos antigos e exóticos expunha exemplares dos mais variados tipos de cérebros em potes de formol, todos com as procedências devidamente certificadas. Em um deles, o rótulo dizia: cérebro do Einstein, U$ 5.000. Em outro, um trazia a estampa: cérebro de cantor, U$ 50 mil. Espantado, o freguês chamou o atendente e perguntou-lhe o porquê de um cérebro de ninguém menos do que Einstein, autor da Teoria da Relatividade, valer cinco mil dólares, enquanto o do cantor desconhecido,absurdos 50 mil. Responde o lojista: é que o do cantor nunca foi usado. (Lembre-se leitor, que, assim como no filme “Ensaio de Orquestra”, do Felini, os músicos, irreverentes,fazem troças entre si, não existe o maldito “politicamente correto” na classe). Todos brincam, todos contam e repetem as piadas e todos riem. Eu sei várias sobre o contrabaixo, minha especialidade nos tempos de orquestra. E aqui vai uma: qual a diferença entre o contrabaixo e o caixão? É que neste último o defunto fica dentro – querendo dizer que o instrumentista mal se move. São tantas anedotas, de tantas especialidades, que caberiam em enormeslivros).
O cantor e pianista pop inglês Elton John, quando não é lembrado por um de seus inúmeros sucessos, é imediatamente associado à sua monumental coleção de óculos: enormes, minúsculos, em forma de pera ou coração, amarelos, azuis, ao lado de seus sapatos plataforma, à maneira das “drag queens”, ou com balangandãs que remetem à nossa Carmen Miranda. Todos os objetos do Elton John são disputadíssimos em leilões, a maioria deles surrupiados por serviçais de hotéis, em busca de um troco a mais e tomados por certa cleptomania fetichista de fã.
Em outro leilão, o conde Spencer, irmão da Lady Di, arrematou por 24 mil libras, para lá de R$ 100 mil, o manuscrito da partitura de “Candle in the Wind”, de Elton John, canção escrita originalmente para Marilyn Monroe, depois dedicada à sua amiga Lady Di, entoada como uma espécie de réquiem na cerimônia funeral da princesa. Agora, vamos e venhamos, não é só na chamada música pop que a necessidade de aparecer ou promover a própria imagem que o artista, às vezes, lança mão dos expedientes mais esdrúxulos: a violoncelista norte-americana Charlotte Moorman tirou a parte de cima de sua veste de gala no palco, e executou algumas suítes para violoncelo solo de Bach daquele jeito mesmo, topless. Com seu “happening”, virou capa de revista e tema de livro, conquistando uma extensa agenda em teatros menores de costa a costa dos EUA – tempos depois,devidamente trajada, “comme il faut”, “feita a fama e deitada na cama”, diz o vulgo. Claro que não chegou a galgar mais do que poucos degraus da escadaria das estrelas, mas logrou cavar seu lugar ao sol.
Há momentos em que excentricidade se confunde com superstição. É o caso do Roberto Carlos, que proíbe o marrom, exigindo as cores azul ou rosa. O especialista em música antiga Jordi Savall obriga sua produção a reservar quartos no andar térreo dos hotéis, sabe-se lá se por medo ou fidelidade estética – já que seu conjunto, o Hespérion XX dedica-se à música de séculos passados em instrumentos originais – da época em que ainda não se sonhava, claro, com a invenção do elevador. (Continua).