Duzentos anos depois…

José Renato Nalini *

A celebração dos 200 anos da independência do Brasil deve servir para uma atenta reflexão. Há um século, o governo brasileiro promoveu uma estupenda exposição mundial, à qual se agregaram inúmeros países amigos. Centenas de milhares de visitantes estrangeiros estiveram na capital federal, o Rio de Janeiro, para celebrar com os brasileiros a ruptura com os laços portugueses.

Na verdade, os laços se mantiveram. Pedro I era filho de João VI, irmão de Miguel, que disputava o reino português. Tanto que nosso primeiro Imperador, “defensor perpétuo” do Brasil, pouco depois voltou a Portugal para defender, isto sim, o trono para sua filha Maria da Glória.

A História conta que João VI, ao deixar esta Pátria que amava, recomendara a seu filho Pedro que, detectasse o risco de alguém se apoderar da coroa, não deixasse de colocá-la sobre sua fronte. Todos os alunos de meu tempo se recordam da frase: “antes que algum aventureiro lance mão dela…”.

O brado do Ipiranga quis afastar a tirania do Congresso luso. A partir de 7 de setembro de 1822, o Reino já não seria unido. Brasil caminharia com as próprias pernas e forças.

Hoje, a noção de independência é outra. O que restou da “soberania”, o poder incontrastável, inalienável, incondicionado, absoluto, que era ensinado nas aulas de Teoria Geral do Estado? O que existe é uma consistente interdependência. Nenhuma nação se basta a si mesma. Este planeta é cada vez mais frágil e mais interligado.

E não é só isso. Chuva ácida não respeita fronteiras, assim como as poderosas organizações criminosas. Tráfico de drogas, de armas e de pessoas, não tomam conhecimento da “soberania nacional”, hoje invocada apenas para rompantes impulsivos destinados a emocionar parte das massas. Por outro lado – que seria o aspecto menos negativo da contemporaneidade – os grandes conglomerados como Google, Microsoft, Amazon, AliBaba e outros – são muito mais poderosos do que a imensa maioria das nações. Como falar em “independência”, à luz dos velhos ensinamentos?

O que interessa hoje é garantir ao Brasil a paz de que ele necessita para erradicar a miséria, um objetivo de desenvolvimento sustentável que deve motivar todas as pessoas de bem. Fortalecer a fraternidade, banir o ódio e a violência, ter presente que os humanos têm apenas algumas décadas para fazer valer a sua breve passagem sobre a Terra. O planeta existiu muito tempo antes de nós. Partiremos e ele continuará a existir – se deixarem – e não sentirá falta de nós. O que vale é o sentimento de coesão, pois todos precisamos uns dos outros. Sozinhos, de nada somos capazes.

* Reitor da Uniregistral, docente da pós-graduação da Uninove e presidente da Academia Paulista de Letras – 2021-2022.