A missão do secretário de imprensa

“Não temos conhecimento da data precisa em que o escritor Autran Dourado, o decano dos secretários, foi designado por Juscelino Kubitschek para ocupar a função de secretário de Imprensa”, diz a apresentação que abre os textos de “No Planalto, Com a Imprensa”¹, caixa com dois volumes. Meu pai foi o pioneiro e desde a posse teve o papel de escriba e porta-voz voz de JK. Foi efetivado em 1958 no cargo criado para ele.

Na posse, em 1956, JK, sob ameaças, levou a tiracolo o marechal Lott. A estreia de meu pai, então com 30 anos de idade, foi o discurso inaugural, escrito a quatro mãos com o poeta Augusto Frederico Schmidt. Colocou no bolso do presidente, para ser lido durante a fala, um papelzinho com uma frase de inspiração bíblica: “Deus poupou-me o sentimento do medo”. Passou a imagem de um JK firme e preparado contra ameaças golpistas ou rebeliões que viriam, como Aragarças e Jacareanga.

Um infarto manteve o presidente oculto, em sigilo. Meu pai, à distância dos ávidos jornalistas, “vestiu-se” de JK, saudou de longe o nervoso batalhão da imprensa e subiu no helicóptero, no terraço do Palácio do Catete. Encenação para dizer que o presidente estava bem².

Nascido em Monte Santo de Minas, meu pai desde logo entregou-se à literatura. Aos 19 anos já tinha publicado um livro, e seguiram-se mais de 30, traduzidos para vários idiomas. Foi laureado com o prêmio Camões, em Portugal, o Goethe, alemão, e o Machado de Assis, da ABL. Antes de JK, formou-se em direito pela UFMG, foi jornalista e conhecia o jogo político: fora taquígrafo da Assembleia Legislativa de Minas Gerais. Segue adiante um panorama geral dos principais titulares do cargo.

Nos sete meses da gestão Jânio Quadros (1961), um respeitado jornalista, escritor e depois acadêmico da ABL, o piauiense Carlos Castello Branco, acompanhou um presidente teimoso e duro de lidar, um professor de português dado a caretas, bilhetes e mesóclises. “No Planalto” não deixa de saudar de Raul Rÿff, jornalista, político e escritor, que sucedeu meu pai e adiante Castellinho como assessor de Imprensa (mandato de Goulart), após a renúncia de Jânio, lá ficando até o golpe de 1964. Na gestão Rÿff o cargo de secretário de imprensa foi oficializado no quadro da Presidência, período que descreveu em “O Fazendeiro Jango no Governo”³.

Na ditadura, mereceu destaque o jornalista e advogado Carlos Chagas, de longa e importante estrada na imprensa. Aos 32 anos, novo mas experiente, foi secretário de imprensa do Costa e Silva por meros quatro meses e seis dias (1969). Equilibrou-se em momentos de tensão junto a um dos mais duros comandantes do regime de exceção; depois, continuou escritor e foi respeitado comentarista de rádio e TV.

Carkos Fehlberg, médico, cedo abraçou o jornalismo. Foi encarregado de ocupar, em 1969, o cargo rebatizado porta-voz durante o governo mais cruel e violento dos chamados “anos de chumbo”: Garrastazu Medici. Aceitou porque o presidente anunciara uma suposta vontade de promover a distensão política para enfim devolver o país à democracia. Fehlberg, antes de dar o aceite, consultou pessoas de sua confiança, como o arcebispo dom Vicente Scherer, que viu nele uma brecha dentro do governo. Mas a anunciada distensão nunca aconteceu – pelo contrário, só houve recrudescimento.

Com o Gal. Figueiredo, que prometera uma abertura “gradual, lenta e segura” assumiu em 1981 Carlos Átila, diplomata de carreira e formado em ciência jurídicas que havia trabalhado com João Goulart, carregando por isso,  segundo ele, “a pecha de comunista”. Contudo, assumiu a missão como parte da estratégia palaciana numa época em que os militares já tinham dificuldade de  estancar o processo  de democratização em curso.

O jornalista Antonio Britto Filho, precoce na carreira e formado pela UFRGS, acompanhou Tancredo desde sua eleição até a internação e morte, antes da posse (21/04/1985). O sucessor de Tancredo, José Sarney, conhecido como escritor, teve três secretários pouco expressivos. FHC teve um ou dois, mas sua formação e habilidade de escrever, falar e improvisar em três idiomas já lhe bastava.

Dilma, ressalte-se Villanova, acadêmico e jornalista; a seguir, André Singer, cientista social e jornalista, mestre,  doutor e livre-docente em ciências políticas pela USP, e, também com Lula, Ricardo Kotscho, jornalista desde os 19 anos, advogado formado pela UFMG e laureado quatro vezes com o disputado Prêmio Esso.

O atual titular do cargo, general de divisão Otávio Rêgo Barros, sem experiência em jornalismo e menos ainda em oratória, foi assessor do comandante do Exército, Villas-Boas. Estático e monocórdico, melhor serve à leitura de uma ordem do dia do que à missão política. Não compôs o texto para o discurso de abertura de Bolsonaro na ONU: passou o bastão ao Gal. Augusto Heleno, do GSI, o ministro Ernesto Araújo e o assessor Filipe Martins, deixando nas mãos de Eduardo Bolsonaro as linhas-mestras paternas.

Ressaltei neste artigo que na ditadura tivemos gente capacitada como Fehlberg e Átila como porta-vozes, sem adentrar aspectos político-partidários – do PSD de JK ao PSL de Bolsonaro. Fiz uma digressão sobre as qualificações para um “métier” de tamanha importância. O recente discurso presidencial na ONU estiolou-se, com prejuízos diplomáticos e comerciais para o país.

¹DUARTE, Jorge, GOMES, Mário, SINGER, André e VILLANOVA, Carlos. Brasília: Massangana, 2010. ²DOURADO, Autran. “Gaiola Aberta”. Rio: Rocco, 2000. ³RYFF, Raul. RJ: Avenir, 1979.