Pode parecer que não, mas a violência doméstica ainda acontece em tal gravidade que, a despeito de todos os organismos já disponíveis para denúncias, defesa e até acolhimento, segue carregando um estigma profundo, levando significativa parte das vítimas a sequer admitir o problema.
Modesto exemplo disto pode ser observado a partir de enquete realizada pelo jornal O Progresso de Tatuí na semana passada, que apresentou como tema o serviço prestado pela Patrulha da Paz, especializada no atendimento às mulheres, crianças e idosos submetidos a agressões domésticas.
Com o programa, a partir das notificações de violência junto ao Judiciário e da emissão das medidas protetivas, é feito um cadastro da vítima e do agressor, e guardas passam a fiscalizar eventuais descumprimentos das ordens expedidas.
Entre as principais medidas protetivas urgentes estabelecidas pela Lei Maria da Penha, estão o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima e as proibições de contato e aproximação entre ambos.
Conforme informado pelo prefeito Miguel Lopes Cardoso Júnior na abertura da Semana Paulo Setúbal, durante lançamento do livro “Botão do Pânico” – que aborda o assunto em seus contos de ficção -, há no momento, em Tatuí, 313 mulheres atendidas por esse programa social.
Não obstante, na pesquisa virtual, “nenhum” participante indicou ter necessitado acionar a Patrulha da Paz para alguma ocorrência em casa. Em toda a história do portal de notícias do jornal, nunca houve resultado igual – permitindo-se especular quanto ainda é preciso avançar contra o próprio “medo de reconhecer” a violência.
Este drama, tão real quanto enraizado, não passa despercebido pelos agentes sociais e autoridades – em Tatuí, começando pelo próprio juiz Marcelo Nalesso Salmaso, cujo pronunciamento, na mesma cerimônia da Semana Paulo Setúbal, evidenciou o tamanho do desafio.
Salmaso lembra que a violência doméstica sempre existiu, considerando-se, entre outras razões, a cultura patriarcal e machista. “Antigamente, isso era algo abafado, que ficava escondido dos holofotes”, observou.
“Agora, as mulheres estão se empoderando, não toleram mais esta ideia e estão se encorajando para denunciar as questões envolvendo violência”, acrescentou o magistrado, responsável pela articulação da Patrulha da Paz e referência continental como liderança da chamada Justiça Restaurativa (reportagem nesta edição).
Também por esse aspecto, a concretização de uma Casa da Mulher em Tatuí é de absoluta importância e pertinência. Nesta semana, inclusive, o jornal publicou notícia dando conta da aprovação, pela Câmara, de perto de R$ 1 milhão para a futura unidade local – a ser uma das primeiras do estado de São Paulo.
Na verdade, por conta de uma questão técnica do painel de votações do Legislativo, que apresentou o número desse projeto (“41/22”) e, posteriormente, apagou-o, a reportagem acabou considerando a aprovação pelos vereadores, o que deve acontecer somente nesta próxima semana.
De qualquer maneira, importa é que os recursos para a construção e manutenção da Casa da Mulher de Tatuí têm expectativa de serem aprovados por unanimidade.
O projeto 41/22 tem autoria do Poder Executivo e dispõe sobre a abertura de crédito adicional especial, no valor de R$ 976.231,13. O recurso é oriundo de convênio firmado em 5 de março, no Palácio dos Bandeirantes, em São Paulo, pelo prefeito Cardoso Júnior.
O programa consiste em uma parceria de várias secretarias estaduais com a Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU). O local da Casa da Mulher será próximo à Delegacia de Polícia Civil, ao lado da rua Roque Geovane Adão Bertin.
Desenvolvido pela CDHU, o espaço contará com salão principal e palco destinado a conferências e cursos em geral, salas de atendimento, brinquedoteca, área de gastronomia, sanitários e depósito para manutenção e limpeza.
Entre os serviços previstos, estão: atendimento psicológico, social e jurídico, realizado por equipe multidisciplinar, além de ações de apoio ao empreendedorismo, trabalho e renda – tudo com uma equipe multidisciplinar.
De acordo com a justificativa do projeto, “a Casa da Mulher permitirá o acolhimento, suporte jurídico e psicológico, qualificação e acessibilidade, além de promover encorajamento e capacitação para geração de emprego e renda, sendo um importante equipamento social para um programa de atendimento às mulheres vítimas de quaisquer violências ou abusos”.
A implantação de uma Casa da Mulher em Tatuí era um pedido recorrente no Poder Legislativo. Nos últimos anos, Eduardo Dade Sallum (PT) e Antonio Marcos de Abreu (PSDB) foram alguns dos parlamentares que apresentaram documentos à prefeitura com este intuito.
Em abril do ano passado, Sallum endereçou requerimento ao Ministério Público de Tatuí pedindo informações sobre o número de casos de violência doméstica e abuso sexual que ensejaram a propositura de ações penais nos anos de 2020 e 2021.
Conforme resposta da promotora de Justiça Izabela Angélica Queiroz Fonseca, entre outras tantas diversas ocorrências, foram registrados 102 crimes de violência doméstica no ano passado e 60 nos primeiros sete meses de 2022.
Sallum ainda apresentou dados da Secretaria de Segurança Pública, do estado de São Paulo, os quais mostravam crescimento no número de casos de violência doméstica de 2019 a 2021, com aumento expressivo durante o período pandêmico.
Segundo ele, “quando uma mulher com um dos olhos roxos denuncia o agressor pela primeira vez, caso ocorra uma detenção em flagrante, ele seria solto em audiência de custódia”.
Após a segunda denúncia, de acordo com Sallum, “a mulher voltaria com um braço quebrado e, na terceira, a vítima retornaria em um caixão”. “Sabe por que isso? Porque Tatuí não tem uma Casa de Acolhimento às mulheres vítimas de violência doméstica. É algo garantido pela legislação do estado de São Paulo”, apontou, na ocasião.
“Enquanto não tivermos uma casa de abrigo para tirar a mulher do ambiente do agressor dela, não vai adiantar de nada!”, reiterou Sallum.
Por isso tudo, Tatuí deve apoio total à Justiça Restaurativa, à Patrulha da Paz e à Casa da Mulher, até porque “nenhuma agressão” pode resultar em “nada”. Pelo contrário, para “tudo” isso e muito mais, existe e deve prevalecer a “Justiça!”.