Patrulha da Paz encoraja as denunciantes

Divulgação do programa aumenta número de queixas de violência doméstica em Tatuí

Cildete Saroba, GCM Júlio de Daniele, Elaine Leite de Camargo Miranda, GCM Érica Vieira, Willian Alexandre Silva e o inspetor Marcos Arruda (foto: Fábio Morgado Rotta)
Da reportagem

O número de vítimas de violência doméstica atendidas em Tatuí pelo programa Patrulha da Paz, mantido pela Guarda Civil Municipal (GCM) em parceria com o Núcleo de Justiça Restaurativa (JR), por meio de convênio com a prefeitura, cresceu mais de quatro vezes em um ano.

De acordo com levantamento da GCM, no primeiro semestre do ano passado, o cadastro das vítimas socorridas pelo serviço, especializado no atendimento e na proteção das vítimas de violência doméstica, contava com 31 casos e 23 prisões efetuadas; já no mesmo período deste ano, o número chegou a 43, com 25 encarceramentos. Atualmente, 302 pessoas são assistidas pelo programa.

O levantamento também destaca os dados dos últimos dois anos: no segundo semestre de 2020, foram 45 cadastros de pessoas assistidas, 53 ocorrências de violência doméstica e 8 prisões; já em 2021, foram 128 pessoas cadastradas, 76 ocorrências e 52 prisões efetuadas.

Além de mulheres que sofreram agressões ou se sentem ameaçadas pelos companheiros em relacionamentos heterossexuais, também estão cadastradas crianças vítimas de abuso, idosos vítimas de violência física no âmbito doméstico e casais homossexuais.

O crescimento dos atendimentos pelo programa, em um ano, corresponde a um salto de 313%. Contudo, o comandante da GCM, Vanderlei dos Passos, ressaltou que o índice não representa aumento de casos de violência.

Para ele, a partir do surgimento do programa Patrulha da Paz, as vítimas de violência doméstica foram encorajadas a denunciar os agressores sobre casos que, muitas vezes, já vinham acontecendo.

“Com a Patrulha da Paz, temos um cadastro e, consequentemente, há mais casos sendo acompanhados. Isso não quer dizer que houve aumento da violência; pelo contrário, mostra que aumentou o acompanhamento das vítimas”, afirmou Passos.

Segundo o balanço, nas ocorrências em que o agressor não estava mais no local, a vítima é encaminhada para a elaboração de um boletim de ocorrência na GCM e na Justiça Restaurativa (JR).

Passos pontuou que a Patrulha da Paz conta com rondas específicas, além de suporte aos programas sociais já existentes no Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), na Justiça Restaurativa, na Polícia Civil, no CMDM (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher), no Caps (Centro de Atenção Psicossocial) e no Cras (Centro de Referência da Assistência Social).

A equipe da Patrulha da Paz começou trabalhando com quatro viaturas próprias, mantidas através do Poder Judiciário, que, a cada três meses, faz uma doação para a manutenção delas.

Conforme o comandante, todas as famílias cadastradas no programa estão recebendo visitas de viaturas do programa e são assistidas por uma equipe especializada, por meio da JR.

Com o programa, a partir das notificações de violência junto ao Judiciário e da emissão das medidas protetivas, é feito um cadastro da vítima e do agressor, e os guardas que atuam na patrulha passam a fiscalizar eventuais descumprimentos das ordens expedidas.

Entre as principais medidas protetivas urgentes estabelecidas pela Lei Maria da Penha, estão o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima e as proibições de contato e aproximação entre vítima e agressor.

Na vila Angélica, por exemplo, ocorreu uma ocorrência doméstica na qual o neto chegou “agressivo” e pedindo dinheiro. Agrediu a vítima, a avó, com golpes de facão. Ela acionou a GCM, foi socorrida e o indiciado ficou à disposição da justiça.

Já no bairro Jardim Manoel de Abreu, uma vítima acionou a GCM através do “Botão do Pânico”, em razão do ex-marido tê-la agredido e quebrado a mobília da residência. A viatura da Patrulha da Paz foi ao local, onde localizou o agressor e o levou preso por violência doméstica. A mulher foi levada à unidade de pronto atendimento (UPA), onde passou pelos primeiros socorros.

A O Progresso de Tatuí, a guarda civil municipal Érica Vieira contou sobre o surgimento do “Botão do Pânico”. Enquanto estudava na Faculdade de Tecnologia de Tatuí (Fatec), ela trabalhou na elaboração da ferramenta, que também faz parte do atendimento especializado às vítimas de violência doméstica e que auxilia as vítimas atendidas pelo programa.

“O Botão do Pânico foi desenvolvido com o propósito de atender uma demanda da GCM, de pessoas que tivessem a necessidade de usá-lo de maneira rápida”, explicou Érica. Somente neste mês, o dispositivo foi acionado 40 vezes. No primeiro semestre deste ano, o total chegou a 250 acionamentos.

A ferramenta é instalada no celular da vítima e, caso o agressor não mantenha a distância mínima garantida pela Lei Maria da Penha ou a pessoa se sinta ameaçada, ela pode acionar a GCM pelo aparelho móvel.

Para usar o aplicativo, a interessada deve fazer cadastro a partir de atendimento na Justiça Restaurativa. A GCM é responsável pela instalação do aplicativo no dispositivo da vítima e, com isso, a Patrulha da Paz passa a receber as eventuais chamadas de emergência.

O Botão de Pânico gera automaticamente uma ocorrência de risco à integridade física, direcionada ao centro de operações da GCM. O atendimento é priorizado e a corporação utiliza as coordenadas geográficas da pessoa (entre outros dados do cadastro) para encaminhar a equipe policial mais próxima.

“A vítima aperta o botão e, de imediato, aciona a GCM. Como os agentes já têm todos os dados em mãos, a viatura chega muito mais rápido no local da ocorrência, o que facilita muito o trabalho da Patrulha e dá mais segurança à vítima”, explicou a guarda civil.

O programa foi lançado em fevereiro de 2020, contudo, devido à pandemia, o início do cadastro das vítimas atrasou e a GCM precisou replanejar as ações junto com a JR, começando o trabalho em junho de 2020.

Entre as principais medidas protetivas urgentes estabelecidas pela Lei Maria da Penha, estão o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima e as proibições de contato e aproximação entre vítima e agressor.

De acordo com Érica, grande parte das mulheres que sofrem violência doméstica entra em depressão. “O trabalho de acompanhamento da vítima é fundamental, já que o ocorrido influencia a família, principalmente os filhos, caso haja. É uma tarefa delicada e que requer parcimônia”, destacou a guarda civil.

Segundo Érica, a característica de atendimento à mulher mudou e a violência doméstica, também. Antigamente, a figura da mulher é que imperava. “Hoje, há idosos e homossexuais que também sofrem violência e são atendidos pelo programa”, mencionou.

Antes da iniciativa, as pessoas que mais precisavam de ajuda acabavam não sendo atendidas. “Elas iam para a casa desoladas e impotentes”, frisou.

Para a secretaria municipal dos Direitos Humanos, Família e Cidadania, Elaine Leite de Camargo Miranda, é importante existir políticas públicas em favor do cidadão, “garantindo o respeito a seus direitos”.

Ela também defende que o papel da GCM “é fundamental ao dar atenção especial às pessoas em situação de vulnerabilidade, visando a uma sociedade justa, igualitária, inclusiva, solidária e intercultural”.

O inspetor da GCM e coordenador da Patrulha da Paz, Marcos Arruda, destacou o papel da UPA, que atua em parceria com o programa. “Ela nos dá o respaldo médico quando levamos as vítimas e os agressores para exames e internações. Lá, são elaborados laudos que explicam detalhadamente caso a caso”, apontou Arruda.

Para o juiz da Vara de Infância e Juventude e do Juizado Especial Cível e Criminal, Marcelo Nalesso Salmaso, a JR é “uma mudança de paradigmas de convivência social, que envolve toda a sociedade para a superação do antigo paradigma que diz respeito ao individualismo, consumismo e exclusão”.

“Isso fomenta a guerra de todos contra todos para a construção da convivência que foca nas relações, nas diretrizes das necessidades, da reparação de danos, da tolerância, do diálogo e da construção de responsabilidades individuais e, ao mesmo tempo, de corresponsabilidades coletivas”, enfatizou Salmaso.

A JR, conforme seu programa, “deve envolver todos os setores da sociedade, como uma anfitriã, que recebe todos da comunidade para que, cada qual com sua visão de mundo e com a sua história, almeje caminhos de convivência que sejam razoáveis de forma integral e que não exclua ninguém”.

“O juiz, por exemplo, faz parte da comunidade em que atua e, ao estar na proposta da Justiça Restaurativa, ele não está na sua função jurisdicional comum e, sim, passa a ser um gestor de um projeto em parceria com os demais setores da sociedade”, acrescentou Salmaso.

“Temos o Poder Executivo, o Judiciário, o Legislativo, a sociedade civil organizada, a Polícia Militar, autoridades civis, todos juntos dialogando e alinhando em prol do bem comum, e isso é de grande importância para fortificar as ações do programa”, frisou o juiz.

O Núcleo de Justiça Restaurativa promoveu capacitação para todos os guardas municipais (mais de 150 homens e mulheres) com um curso de qualificação que abordou os temas “Justiça Restaurativa”, “cultura de paz” e “violência doméstica”.

Salmaso pontuou que a violência doméstica sempre existiu em razão da cultura patriarcal e machista. “Antigamente, isso era algo abafado, que ficava escondido dos holofotes. Agora, as mulheres estão se empoderando, não toleram mais esta ideia e estão se encorajando para denunciar as questões envolvendo violência”, salientou.

Segundo Salmaso, o resultado da Patrulha da Paz tem sido excelente, tanto na questão da proteção efetiva à mulher vítima de violência doméstica quanto na amplificação da boa imagem e da legitimidade da GCM junto à sociedade.

“A atuação tem sido muito efetiva, e o programa precisa ser cada vez mais fortalecido”, defendeu o juiz. Para ele, quanto mais pessoas estiverem no efetivo, mais eficazes serão os trabalhos.

As denúncias podem ser feitas na Central de Atendimento à Mulher, pelo ligue 180. Em Tatuí, há a Rede de Apoio à Mulher Vítima de Violência: Delegacia de Defesa da Mulher, situada na praça da Bandeira, 53, centro, telefone (15) 3305-6619; Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), situado na rua 13 de Fevereiro, 396, centro, telefone (15) 3259-0704; Núcleo da Justiça Restaurativa, situado na praça Paulo Setúbal, 71, centro, telefones (15) 3305-1530 e (15) 99629-8316; e a Patrulha da Paz, da Guarda Civil Municipal, situada na rua Chiquinha Rodrigues, 991, vila Doutor Laurindo, telefones (15) 3251-2849 ou 199/153.

Lançamento de publicação

Nesta segunda-feira, a partir das 19h, o editor do jornal O Progresso de Tatuí, Ivan Camargo, abre a Semana Paulo Setúbal com o lançamento de livro que leva o nome do dispositivo de suporte às mulheres vítimas de violência doméstica, “Botão do Pânico” (reportagem nesta edição).

A publicação consiste em uma serie de contos de humor, tendo como história principal uma ocorrência de agressão ficcional, porém, baseada em fatos reais, observados a partir do surgimento da pandemia de Covid-19.

O evento acontecerá no Museu Histórico “Paulo Setúbal” e terá toda a renda dos exemplares comercializados revertida para o programa Patrulha da Paz.