Superstições, crendices e ditos populares – II

No artigo anterior falamos de passar debaixo da escada, gatos pretos, poderes do sal, dos malefícios de se comer manga com leite e manga com ovo – “pode dar febre tifoide”, dizem. Não desdenhe: faz parte da nossa cultura, das superstições universais ou mais localizadas, como as celtas, as portuguesas levadas pelos mouros, as de origem africana e, claro, as genuinamente brasileiras – “que ninguém sabe o que seja”, diria Cecília Meireles. Pois são as indígenas: brasileiríssimas (afinal, “o que é do homem o bicho não come”). E tentar entendê-las é “procurar chifre em cabeça de cavalo”.

Temos os amuletos, e para os que conhecem o interior logo vem à mente a ferradura, que barra o azar e o mau-olhado, diz o populacho. Mas não a compre em uma loja, ela tem de ser achada, caída do casco de um animal, caso contrário será apenas uma peça de ferro que vira “macumba pra turista” (como diria Mário de Andrade), coisa para fazer um troco nas vendinhas. A tradição da ferradura diz que ela deve ser pendurada em um só prego no meio, do lado de dentro da casa e acima da altura do dono. (Os céticos dizem “se ferradura desse certo burro não puxava carroça”).

Além da ferradura, há a figa contra o mau-olhado, esculpida tendo o polegar entre os dedos indicador e médio da mão direita fechada. Carregadas pelo dono, de madeira, osso, pedra ou ouro são da boa sorte, e guardadas atraem dinheiro. Costuma-se pendurá-las em um cordão no pescoço, às vezes no pulso, para criar corpo-fechado ao seu dono – só não recomendo testá-la. Na falta de uma figa, pode-se mostrá-la com a própria mão – o que, obviamente, só deve funcionar se a pessoa visada também acreditar nisso. Caso contrário, será como “tirar leite de vaca morta”.

O espelho é outro amuleto universal. O historiador Câmara Cascudo (1898-1986), em seu “Dicionário do Folclore Brasileiro”, lembra a astrologia, a ornamentação mágica e o poder que tem aquele quadro mágico de vidro contra “forças adversas”, pois seu lado brilhante é impenetrável, o olhar não atravessa – aliás, deve ser por isso que “Narciso acha feio o que não é espelho”, pois não vê o mundo do outro lado. Mas há precauções: o estudioso Moacyr Costa Ferreira lembra que a tradição manda cobri-lo na primeira semana de luto. À frente do espelho deve-se guardar silêncio, e se dá de ele quebrar assim sem mais indica a morte próxima do dono da casa. Às mulheres, pede que nunca amamentem na frente de um espelho, pois a criança começará a falar tarde!

De curioso, a gente vai se lembrando de tantas e descobrindo sua origem! Abraço de tamanduá é uma delas. Tal “mamífero desdentado” (do tupi “tamandu’a”), que se encontra em quase toda a América Latina, possui garras fortes nas patas dianteiras, de grande serventia para abrir formigueiros, onde fica seu principal alimento. Mas consta que, ao andar com as patas anteriores levantadas, como um bípede, ele está esperando sua presa. Ao vê-la, um abraço! Com as garras, joga o bicho no chão, mata-o e espera vir o seu verdadeiro repasto, as formigas que vão devorar a carniça. O abraço do tamanduá é uma espécie de “beijo do Judas”, uma saudação de traidor, um voo de urubu. Prefiro o “abraço de urso”, que aperta, deixa o amigo sem ar mas não mata.

A (o) jurema, do tupi “yu”, (espinho), + “rema” (em que vasa), é uma árvore da família das leguminosas cuja casca possui poderes alucinógenos. Era usada pelos pajés para fazer uma infusão branca a que atribuíam poderes afrodisíacos – mas ingerida em grande quantidade pode matar. “A ema gemeu / no canto do jurema / será que é o nosso amor, ó morena / que vai se acabar” (Jackson do Pandeiro). Seria por causa do sonho desfeito, do erotismo onírico que a casca enfeitiçou que a árvore envenenaria o amor moreno?

O Brasil é rico em alho. Ele afasta bruxos e bruxarias (quem viu “O Caçador de Vampiros”, filme de Polanski com a divina Sharon Tate, depois assassinada por uma seita macabra?) É um bulbo da família das aliáceas migrado de Portugal, afasta a mandinga e o mau-olhado. Planta-se por cá pelos seus poderes medicinais, além de tempero e alimento, sem falar na lenda. Não só os vampiros do filme, o alho afasta também a mula sem cabeça, o caipora, o lobisomem. Ótimo para dar gosto especial aos bons pratos, tem suas virtudes contra inflamações e gripes. Cuidado: o cheiro forte ao se morder um dente de alho afasta pretensão amorosa – salvo se a parte desejada também der sua dentada. Paulo Maluf disse que à noite colocava dois dentes de alho em um copo d’água e o bebia pela manhã. Se, além de remédio, alimento ou proteção contra o mau agouro, no caso do político dá impressão de ter funcionado bem por muito tempo. Pelo sim, pelo não, “mais vale um burro vivo do que um doutor morto”.

Cascudo, em sua “Antologia do Folclore Brasileiro”, fala das tradições vindas de Portugal. Conservamos várias delas, como as que falam sobre dentes de crianças. Os dentinhos de leite que caem, jogados no telhado enquanto se diz “Mourão, Mourão, leva este podre e devolve o meu são”, têm o poder de fazer nascerem dentes fortes. Já no Norte-Nordeste, quem primeiro ver um dentinho despontando na gengiva de um bebê deve dá-lo um agrado branco e resistente, para a dentição do pequeno crescer forte e alva. Entre os índios, o colar de dentes diz muito: “queres conhecer um homem, olhe com atenção para seu colar”, porque o guerreiro usa o adorno como galardão e insígnia, tal qual os militares. E quanto mais bonitos, mais sorte trazem. (Cont.).