Olimpí­adas e desafios





As Olimpíadas foram inspiradas pelos deuses gregos. Competição integrativa, o antípoda das guerras, as destrutivas. O potencial físico dos diversos povos, gerados em ambientes diversos, uns frios, outros quentes, sociedades democráticas, plutocráticas, abertas e fechadas, livres ou opressas. A vitória era a demonstração da saúde social, política e econômica da sociedade daqueles que a representavam. 

Consciente disso, Hitler tentou comprovar sua tese de superioridade dos loiros, a quem, unicamente, estava destinada a terra. Um grande homem, vindo de lá onde surgiu a vida, um negro, foi a demonstração vexatória da inanidade de sua tese.

Os conflitos mundiais chafurdaram em sangue a humanidade. Fizeram a história do século 20 composta de intervalos entre as guerras, em que, mesmo sem os confrontos físicos, tencionavam-se os povos. Não foram só mortos e feridos; fome, abandono, separação de famílias, noites frias ao luar, intelectuais, literatos e poetas que deixaram de revelar o íntimo da alma humana e se tornaram enfermeiros de guerra, cuidando do íntimo massacrado dos corpos e vendo os olhares macilentos de jovens moribundos.

Já na guerra da secessão americana, o grande poeta da vida, Walt Withman, feito um desses cuidadores dos enfermos, noticia a tétrica visão de um amontoado de órgãos humanos, resultado de amputações, no canto de um hospital militar.

Durante a efervescência de sangue das greves não foram realizadas olimpíadas. Os jogos foram de canhoneiras, trincheiras povoadas de ratos e bactérias, aviões militares, bombardeios atômicos e tudo o que sabemos sobre esses interregnos negros da civilização. As medalhas foram de metal vil e rubro.

Entre as guerras tradicionais e o terrorismo do Al e da Al Qaeda a distinção é do grau de irracionalidade. Foi menor na primeira hipótese, conflitos oficiais entre estados, declarações formais de deflagração, composição de gabinetes em torno da busca dos armistícios e da paz duradoura, negociações diplomáticas, delimitação conhecidas dos “fronts”, algum respeito à população civil, às mulheres, crianças e idosos. Exceção foram as decisões do fuhrer, que tinham força de lei. Um grupo de jovens juristas compulsoriamente servindo à SS tentou, em desespero de causa, blindar parte dos judeus destinados ao holocausto mediante recurso à “interpretação das normas jurídicas”. Indagaram ao satânico autor do memorando se os destinatários seriam todos os judeus, mas com exceção das mulheres e crianças, e receberam um rotundo “Não, são todos”.

Sob esse aspecto, o terror é mais maligno e severo. Tem como objeto a população civil. E, para acentuar o paroxismo, que se encontra em atividades lúdicas ou de lazer: corrupção do homem, felicidade contrária ao ascetismo do Alcorão pré-humano e às profecias de Jheová.

Dissemine-se a tristeza entre os homens. Essa a mensagem repulsiva do terror. Ataque-se os desprotegidos, por exemplo, uma reunião pública atropelada por um gigantesco caminhão. Pouco importa aos morcegos hematófagos ou vampiros o sangue alheio e seu significado. A alma, o espírito, nada tem a ver com o corpo, um cartesianismo deturpado. Vai-se para outro mundo, onde há 11 virgens esperando àqueles que se encarregaram da divina missão de matar seus semelhantes na terra. A seletividade em favor do mal no paraíso e na eternidade.

Não se pode suspender as Olimpíadas. Mas polícias do mundo inteiro devem preservá-las. Compreendemos o colega Alexandre de Morais, ministro da Justiça, ao cumprir sua função de Rivotril. Mas não podemos confiar. O terror aparece como insetos emergem das catacumbas sombrias na escuridão da madrugada. Isso, se não quisermos trilhar o idealismo daqueles jovens juristas utópicos, saídos das faculdades germânicas, que consideraram seus conhecimentos capazes de amainar a fúria do demônio da segunda guerra mundial.

* Advogado e poeta. Autor do livro “Universo Invisível”.