O cururu em Tatuí: de suspiros para cantoria

Entre as mais diversas manifestações genuinamente regionais – marcadas necessariamente pelas tradições “caipiras” -, encontra-se o cururu, cuja sobrevivência tem sido questionada há tempo, com razão, em virtude da ausência de eventos e suposta falta de interesse dos mais jovens.

De repente, contudo, a prática ganhou mais de um motivo para alento. Até então, o evento de resgate da “batalha de rimas” mais significativo havia sido o Festival de Cururu, promovido pelo Conservatório de Tatuí, sob iniciativa e organização do professor e artista plástico Jaime Pinheiro.

Com o estouro da pandemia de Covid-19, que implodiu a cultura no país, mais esse evento não pôde ter continuidade. Porém, agora, o cururu reaparece em seguida, figurando em várias programações culturais e até ganhando prêmio estadual.

Neste dia 7 de maio, o Espaço Cultural de Tradição e Raiz “Rancho da Viola de Tatuí” promoveu, gratuitamente, a mostra cultural “Um Grande Encontro Caipira”, no bairro Congonhal.

Na agenda do evento, além de cururu, apresentações de dança catira, com os Tropeirinhos do Rancho; recomenda das almas; berranteio; moda de viola, com as duplas Zé Rafael e Ariel e Ana Carolina e Larissa; e o cantor Wilson Sollo.

A mostra cultural, conforme divulgado, teve objetivo de “valorizar, dar continuidade e preservar a cultura caipira presente na história, nas memórias e nas lembranças do povo tatuiano”.

“Cada atração tem em sua existência uma carga simbólica imensurável e digna de celebração, já que contar a história e despertar o interesse na continuidade da cultura raiz é de suma importância para que a cultura não se perca no tempo”, acentuou a organização.

O espaço sedia eventos culturais desde 2005, todos sem fins lucrativos. Ele foi construído com materiais de demolição de casas antigas da cidade.

Antes, no dia 23 de abril, em celebração ao Dia de São Jorge e ao Dia da Cultura de Tradição Raiz, o Museu Histórico “Paulo Setúbal” promoveu o projeto “Revelando Tatuí”.

De acordo com o gestor do MHPS e diretor do Departamento Municipal de Cultura, Rogério Vianna, o evento foi “uma forma de valorizar a cultura raiz, como o cururu e a variação conhecida como ‘caninha verde’, bem como as tradições tropeiras e caipiras da Cidade Ternura”.

“Tatuí já tem, por sua formação, a tradição da Festa de São Jorge – inclusive, o hino da cidade já frisa essa questão. São Jorge é importante para nossa cidade, então, pensamos em valorizar a cultura caipira junto com essa celebração”, contou Vianna.

Diversas apresentações integraram o evento, todas com ênfase na cultura regional. Além disso, o gestor antecipou a intenção de se reviver os “canturiões do cururu”, que ainda “trazem no coração essa tradição, como forma de promover o contato e a revalorização dessa manifestação artística”.

Já neste dia 29 de abril, o maestro tatuiano Edson Beltrami e o cururueiro Rubens Vieira de Paulo, conhecido como Rubinho Véio, foram condecorados na Alesp (Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo).

Eles receberam o prêmio “Inezita Barroso”, entregue a personalidades como reconhecimento ao trabalho de incentivo à música caipira de raiz e à cultura regional interiorana.

O prêmio contempla artistas vinculados às expressões e está na quinta edição. Neste ano, a láurea foi concedida a 20 personalidades, de 70 concorrentes. Dez foram indicados por parlamentares e dez, pela sociedade civil.

Rubinho Véio esteve entre um dos 20 artistas premiados, enquanto o maestro Beltrami recebeu homenagem por todo o trabalho em prol da música e cultura caipira.

Finalmente, o motivo de maior satisfação a quem atua para manter e valorizar a cultura regional ocorreu por meio do Prêmio “Movimento das Cidades”, cuja cerimônia presencial junto aos vencedores aconteceu neste dia 6.

Entre quase 400 concorrentes, o projeto “Viva o Cururu de Tatuí”, de Rose Tureck, Thony Guedes e Maria Augusta de Abreu, foi um dos dez contemplados com premiação em dinheiro e mentoria profissional.

O trio estima colocar o projeto em prática ainda neste mês, iniciando-o em uma “escola-piloto”.

Os tatuianos são os desenvolvedores da iniciativa, que busca promover o “conhecimento e apreciação do cururu” para as novas gerações, além de abrir espaço para apresentações em locais urbanos.

O cururu, dentro da cultura musical brasileira, assume três significados distintos, eles explicam. Por exemplo, uma dança típica da região do Pantanal, no Mato Grosso do Sul. Cururu também é um típico ritmo da música caipira brasileira. Contudo, na região do Médio Tietê, da qual Tatuí faz parte, é o nome do “canto de improviso”, uma tradição histórica.

Na cultura regional, o cururu consiste em um duelo entre dois cantadores. Um “puxa o assunto” e o outro deve rebater, sempre no improviso. Há também o violeiro, que dita o ritmo da “batalha” – uma cultura antiga, que passou por bandeirantes e tropeiros.

“Uma das mais autênticas manifestações da cultura raiz”, como afirma Rose Tureck, a tradição enfrenta, atualmente, um grande problema: a falta de conhecimento e interesse das novas gerações, as quais, “se realmente não se interessarem, podem, indiretamente, contribuir com a morte do cururu na região”.

Segundo Rose, neste momento, há em Tatuí apenas dez cantadores, todos já idosos. Em Piracicaba, outra cidade conhecida por manter a tradição cururueira, apenas um.

“Por isso nos inscrevemos, precisamos acelerar esse processo de conhecimento e implementação do cururu nas cidades, pois, se os atuais cururueiros se forem, meu medo é que acabe de vez”, completa.

Guedes, que também partilha desse temor, ainda traz o exemplo do samba caipira de Quadra, que praticamente não existe mais. Segundo ele, “havia quatro irmãos que cantavam, mas, quando eles morreram, não sobrou ninguém, além de um familiar para continuar o trabalho, que pode desaparecer”.

Atualmente, o cururu sobrevive na zona rural da cidade. Para Guedes, isso se dá devido à diversificação da cultura e à falta de apoio, visibilidade e, principalmente, conhecimento. “Nossa ideia é retomar essa cultura na cidade, onde está o grande público. Na zona rural, eles continuam, têm um público fiel, mas precisam se apresentar na cidade”, completa.

Nesse sentido o projeto atuará. Em parceria com o Museu Histórico “Paulo Setúbal”, as secretarias da Educação e do Esporte, Cultura, Turismo e Lazer e os cururueiros, a iniciativa buscará atrair a atenção das “novas gerações” através do conhecimento.

Em um primeiro momento, o projeto contará com uma “escola-piloto”, onde os professores, de português (que trabalharão a criação das rimas) e história (que passarão toda a tradição) receberão uma cartilha, elaborada por Jaime Pinheiro sobre o tema.

A escola ainda não foi divulgada, mas o projeto será iniciado, no máximo, na segunda quinzena de maio. Após esse período, e a depender da aceitação do público em geral, deverá ser ampliado.

O prêmio “Movimento das Cidades” surgiu após um estudo realizado pela agência Virtù, em parceria com a organização CLP – Liderança Pública, contando com apoio do Grupo CCR e apresentação de Marcelo Tas, com o objetivo de encontrar “soluções concretas para desafios urgentes das cidades”.

Várias das iniciativas de resgate cultural, sem dúvida, acabaram viáveis graças ao incentivo garantido pela Lei Aldir Blanc, que teve por objetivo buscar minimizar um pouco das brutais perdas sofridas pelos artistas e pelo setor de eventos em razão da pandemia.

Essa contribuição, lamentavelmente, não deve ter continuidade. Portanto, mais uma vez, resta às administrações do estado e regionais a manutenção de incentivos ao movimento de revalorização da cultura regional, priorizando os efetivos artistas e entusiastas das tradições caipiras. Boa vontade e talento destes, como se observa, não faltam.