O caipira e o agronegociante

Mouzar Benedito *

Gosto muito de gente que produz alimentos, desde quem planta o que nós consumidos até a cozinheira do boteco, que fica feliz em fazer uma comida saborosa para os clientes.

Nos últimos tempos, tenho me espantado com o pessoal do agronegócio. Não só não plantam comida consumida por nós, como têm raiva de quem produz. Pra eles, não todos, claro, mas boa parte, só vale a pena produzir coisas que podem exportar e lucrar muito mais.

Na minha terra, Nova Resende, no Sul de Minas, o café é o principal produto agrícola, há muito tempo. Tanto que no século 19 teve o nome de Santa Rita dos Cafezais.

O município fica inteiro acima de 1.100 metros de altitude, e o clima é ótimo para o café. Mas a cafeicultura convivia com a produção de gêneros alimentícios. Nos próprios cafezais, entre as ruas mais largas de pés de café, plantavam também milho, feijão e batata.

Roceiro só comprava na cidade algumas coisas como sal, macarrão, essas coisas…

De uns tempos para cá, a importância do café foi crescendo, e as outras culturas foram sendo desprezadas. Com café de boa qualidade, muito valorizado, a cafeicultura tomou conta do município.

Felizmente, alguns conterrâneos ainda produzem outras coisas. Não vou lá há uns anos, mas sei que numa feira-livre que funciona na praça central vende-se de tudo.

Volto um pouco no tempo, pra contar uma coisa.

O meu pai era barbeiro; e a barbearia funcionava como um centro social, ficava cheia de homens quase o tempo todo. Iam lá não só pra cortar o cabelo e fazer barba, mas para conversar, se atualizar, porque lá se conversava de tudo.

Meu pai morreu em 1974, e pouco tempo antes eu estava lá, na barbearia, ouvindo as conversas de todo mundo; e chegou um velho roceiro, um caipira legítimo, do jeito que eu gosto.

Na conversa, contou que em seu pequeno sítio, naquele ano, plantou um alqueire de feijão, um de arroz e um de milho. Um homem bem mais jovem, já com espírito dos agronegociantes de hoje, ficou bravo com ele. Até espantei.

Ele disse ao velho caipira: “Você é burro mesmo! Pra que ficar plantando essas porcarias? Tem que plantar café, que dá lucro de verdade”.

Calmamente o velho respondeu: “Mas se a gente não plantar essas coisas, o que é que o povo vai comer?”.

Gostei da consciência e sabedoria dele. Um bom caipira tem disso…

* Escritor, geógrafo e contador de causos.

Livros do Mouzar Benedito pelas editoras Boitempo, Limiar e Terra Redonda.

https://www.terraredondaeditora.com.br/product-page/o-voo-da-canoa

https://www.editoralimiar.com.br/product-page/dois-livros-com-desconto-especial

https://www.boitempoeditorial.com.br/busca/Mouzar+Benedito