Neandertais e Sapiens





Há duas raças de seres humanos, como se os Neandertais não tivessem sido sobrepostos pelos Homo Sapiens e ainda estivessem perambulando pelo planeta, particularmente exercendo cargos políticos – ou, no momento, tentando exercê-los.

Assim pode-se ter a impressão quando, principalmente em época eleitoral, muitos cidadãos comentam e julgam os políticos como se eles fossem de outra espécie, geneticamente comprometida pela degeneração moral.

Ocorre que, por mais indigesto que seja, por mais que a hipocrisia do politicamente correto queira encobrir, a verdade é que a classe política é, sim, formada por pessoas idênticas a todos nós. São Homo Sapiens, com suas virtudes e defeitos.

Talvez, outra raça de seres humanos – virtual, literalmente – seja essa que, nas redes sociais, dispensa a educação, o conhecimento histórico, o bom-senso, a responsabilidade, o compromisso com a verdade e, acima de tudo, com a humanidade, para apontar, julgar e sentenciar tudo e todos conforme lhe convém – sempre com mão de ferro impiedosa e boca de fossa sem fundo.

“Ninguém presta, tirando aqueles que fazem parte da minha turminha, do meu time, da minha religião, do meu partido…”. “Quem não está comigo, está ‘contra migo!’ (para usar a língua falada e escrita no respectivo meio de comunicação digital).”

Amigos – virtuais e de verdade –, todos esses candidatos – todos mesmo, eleitos e não eleitos, posteriormente – propõem-se a representar a população e, ganhe quem ganhar, o farão fidedignamente, pelo menos quanto, justamente, às virtudes e aos defeitos de todos nós.

Não existe alguém tão diferente, seja para pior ou melhor. Neste sentido, a corrupção tem sido grande foco nestas eleições. Justifica-se, claro, em grande parte pelo cenário nacional, com a queda de uma presidente eleita democraticamente e cujo mandato foi interrompido por ilegalidades.

Correto, a despeito de quem defende a tese de golpe. Não obstante, é oportuno pensar que a corrupção só é possível porque o Homo Sapien é “sujeito” a ela. E não somente os políticos, mas todos nós – claro, uns mais, outros menos.

Daí a importância de existirem leis e, naturalmente, o cumprimento a elas, de tal forma que os eternos instintos menos admiráveis do ser humano sejam freados pelo receio das punições. Seria um aprimoramento do tal Estado Democrático de Direito, que sustenta a democracia.

Por outro lado, aceitar o bobo discurso de que todo político é desonesto, ou mesmo sair às ruas fazendo baderna sem qualquer objetivo claro, não vai contribuir em nada com o amadurecimento social e político – até humano – tão necessário ao desenvolvimento do país, dos Estados, das cidades.

Enxergar os políticos como se enxerga qualquer cidadão, por certo, ajuda a identificar os mais confiáveis ao exercício dos cargos a que se propõem – ou, no mínimo, os menos inconfiáveis.

Reflitamos por um simples exemplo (hipotético) de ação praticada por um não político. Imagine que você teve um problema com o telefone e acionou a operadora que lhe presta o serviço.

Claro, depois de uma série de perguntas com o objetivo de levá-lo a crer que ela não tem nada a ver com o problema (uma espécie de corrupção da empresa, que assim orienta os funcionários a complicarem a vida dos clientes, para poupar a visita do técnico), fica agendada a avaliação do caso por algum profissional.

Chega o dia da visita e, se ela acontece conforme o programado (possível corrupção de agenda e, portanto, desrespeito ao cliente), o tal profissional sobe no poste com evidente má-vontade e nenhuma capacidade de interação social com você, que paga o salário dele (corrupção de educação e profissionalismo).

Depois de alguns grunhidos – que bem podem lembrar a extinta língua corrente dos Neandertais – , o técnico desce e informa o veredito: ele não pode fazer nada (corrupção do compromisso e do contrato de trabalho, pelos quais se espera que o trabalhador, simplesmente, trabalhe).

Você insiste, insiste muito, e o fulano responde algo quase compreensível, que tem tudo a ver com o que antes já lhe fora dito pelo atendente da operadora: o problema não é com ela, cujos serviços estão ótimos! O problema é com você!

Mas, você ainda tenta uma “tréplica” com o “colaborador” da operadora. Aponta que, já ciente dos métodos da empresa, você já havia buscado um profissional do ramo, justamente para conferir a parte que lhe cabe, para o correto recebimento do serviço de telefonia… De nada adianta: o problema é você (corrupção de nervos… Os seus nervos!).

Concluindo: esse cidadão não apenas é um eleitor que, certamente, terá preguiça de avaliar com atenção os candidatos; ele próprio poderia ser um candidato e, eventualmente, eleito para vereador, prefeito, deputado, senador… Quem sabe, até, para presidente.

Sem especulação, certeza é que, indiscriminadamente, todos os que ocupam esses cargos representam perfeitamente a população como um todo – daí porque a existência de políticos (também e não somente) corruptos. A questão mais importante, portanto, é identificar aqueles que melhor representam você!

É muito preocupante, por derradeiro, o resultado de enquete promovida pelo jornal O Progresso ao longo desta semana. Ela aponta que perto de 30% dos eleitores tatuianos pretendem votar nulo, em branco ou nem se dar ao trabalho de comparecer ao pleito. Resta esperar que isso não se concretize.

Quanto ao “colaborador” da operadora, enquanto ele recolhe a escada, ouve do colega o questionamento acerca de quem seriam seus candidatos preferidos.

Depois de erguer um pouco as calças, que quase caem do barrigão quando a dupla joga a escada sobre o carro da empresa, ele responde que não vai votar. “Vou aproveitar o dia pra dar uma chegada na Praia Grande. Esses políticos não merecem o meu voto!”, sentencia.

Gente, tenham condições de também ir à Praia Grande com o nosso colaborador da corrupção, ou mesmo para a Riviera Francesa – tanto faz -, deixem para outro dia. Votem.

Como há pessoas honestas e trabalhadoras, também há políticos bem intencionados e esforçados, que assumem os problemas, buscam soluções e, com boa vontade, pelo menos tentam fazer o melhor e não decepcioná-lo. Não há somente candidatos Neandertais: há Homo Sapiens, e esses merecem nosso voto.