Se homicídios cessassem, tribunal levaria três anos para julgar casos

Carlos Eduardo Pozzi trabalha com perspectiva de 52 julgamentos (foto: Cristiano Mota)

Caso Tatuí não tivesse mais nenhum homicídio ou tentativas de homicídio, ainda assim, o Tribunal do Júri da comarca não pararia de trabalhar. As sessões de julgamento teriam de continuar por, pelo menos, mais três anos.

Este é o cálculo apresentado pelo primeiro promotor de Justiça Carlos Eduardo Pozzi. O membro do Ministério Público divulgou dados de levantamento ao jornal O Progresso no dia 18 de janeiro.

Na data, ele também tinha divulgado a pauta do júri para fevereiro e o mês seguinte, conforme reportagem publicada na edição do dia 28.

Pozzi conversou com o bissemanário por entender que a publicidade do resultado dos processos criminais tem a função de, além da repressão na pena em si, prevenir os crimes.

De acordo com o promotor, ao tomar conhecimento do resultado dos crimes praticados, especialmente no caso de condenação, ao autor espera-se, em caráter pedagógico, que não mais reincida.

Além disso, o promotor apontou que, ao saber do resultado, a população também toma consciência de que, se alguém praticar o mesmo fato, receberá a mesma reprimenda, gerando o que a doutrina penal chama de “prevenção geral” – preceito expresso no artigo 59 do Código Penal Brasileiro.

O levantamento é realizado pelo promotor para controle de todos os processos e inquéritos que estão em tramitação em Tatuí. “Faço esse acompanhamento para que eu tenha uma ideia mais ampla do júri”, argumentou.

Pozzi contou que, a partir da análise de dados, é possível verificar como está a violência da cidade. O promotor destacou que, em comparação com as comarcas vizinhas, Tatuí tem “números impressionantes”.

“Eles (os jurados dos outros municípios) não têm tantos plenários quanto Tatuí. Quando eu digo a quantidade de juris que eu faço, causa um espanto”, ressaltou.

Para o promotor, Tatuí é considerada uma cidade violenta, com causas ainda a serem compreendidas e díspares. Uma delas é o intenso movimento do tráfico de entorpecentes, apontado como bastante difuso. “Não existe um ponto, um bairro em especial. E, obviamente, o tráfico traz uma violência inerente”.

Pozzi afirmou que a própria topografia da cidade, a ocupação demográfica e questões urbanísticas contribuem para a existência de focos de criminalidade. Há, ainda, as políticas públicas, que, por vezes, implicam em falta de perspectiva dos jovens da periferia, que acabam delinquindo.

“Temos a questão da intolerância, a questão da drogadição, do alcoolismo que leva bastante à violência, as brigas de bar nas quais acaba nascendo o desejo de uma pessoa se vingar de outra”, observou o promotor.

O resultado desemboca nos registros de ocorrência. “O plantão policial de Tatuí é movimentado. Os delegados, em conversa, falam que Tatuí precisava do dobro do efetivo da polícia para poder dar vazão à procura”, emendou.

Segundo o promotor, o número de ocorrências também influiu na elevação de Tatuí à comarca de entrância final. Pozzi explicou que o Tribunal de Justiça do Estado utiliza, como critério para mobilizar o aparelhamento da Justiça, além do número de eleitores, dados do movimento forense.

Por conta da elevação, a Justiça tatuiana recebeu mais um juiz, auxiliar, e ganhou um sexto promotor. Pozzi atua exclusivamente como representante do MP, o órgão de acusação, no Tribunal do Júri da comarca. Mas, é o único membro do MP designado para atuar nos julgamentos.

Até o dia 18, ele havia contabilizado 28 processos de júri em andamento. São ações que podem ou não irem para o júri. “Alguns, pode ser que a intenção de matar não seja reconhecida. Aí, são desclassificados para lesão corporal ou o crime da lei Maria da Penha (de violência doméstica)”, explicou.

O promotor também somou 24 inquéritos policiais em andamento de crimes dolosos contra a vida (incluindo homicídios e tentativas de homicídios). As investigações não incluíram o primeiro assassinato do ano, ocorrido no dia 1o deste mês e que vitimou José Roberto Martimiano, de 43 anos.

O homem, que já tinha passagens pela polícia, com registro de prisões, sendo três delas por estupro, foi morto a facadas. Ele estava em liberdade havia 15 dias.

Sem contar esse crime, a perspectiva do promotor é de que haja 52 julgamentos. Até março, o tribunal deverá julgar cinco crimes que estão pautados em plenário. Outros quatro aguardam pauta (a definição da data de realização).

São crimes nos quais as defesas ainda estão se manifestando, ouvindo testemunhas em plenário, ou aguardando o réu ser intimado para se pronunciar. Juntando com os cinco já pautados, o número de julgamentos sobe para nove.

Na contagem do promotor, até maio deste ano, os processos devem ser pautados e poderão ir a julgamento em plenário. Entretanto, o volume de trabalho deve aumentar. Isso porque há 11 decisões em pronúncia, que é quando o juiz prolata uma sentença, avaliando se o caso vai a julgamento ou não.

Outros 14 processos já estão confirmados pelo TJ, com perspectiva de serem julgados ainda neste ano. “Então, nós temos 23 processos para serem julgados no tribunal, cinco já têm data, outros 18 estão para serem marcados”.

Com os 11 já pronunciados, o número de processos a irem a julgamento sobe para 34. Pozzi informou que, quando há pronúncia, é muito improvável que o TJ altera a decisão do juiz de primeira instância, por conta da prova.

O júri em Tatuí acontece de fevereiro a novembro. Em dezembro, o tribunal não se reúne por conta do recesso e porque os juízes também fazem as correições nos cartórios. Já em janeiro, os trabalhos são retomados somente após o dia 20, quando termina a suspensão dos prazos do Judiciário.

Na cidade, em geral, os jurados se reúnem duas vezes por mês. No mês que vem, farão uma terceira sessão devido ao número de processos (cinco até o momento). “Digo que, se nós não tivéssemos mais nenhum homicídio em Tatuí, nós teríamos processos para trabalhar ainda por mais três anos”, destacou Pozzi.

Caso o TJ confirme para julgamento os processos que ainda estão em trâmite, o prazo sobe para quatro anos. “É bastante tempo. Isso mostra como Tatuí é uma cidade com uma violência bastante aflorada, o que chama mais ainda a responsabilidade da população no momento em que vai julgar”, ressaltou.

Padrão de comportamento

Segundo o promotor, a decisão do tribunal tem a função de “ditar um padrão de comportamento”. A questão envolve a postura dos jurados que, mesmo com prova robusta, podem absolver o réu por “n” circunstâncias.

Pozzi explicou que, por ter comportamento diferente do europeu (considerado mais racional), o povo latino é mais emocional. Essa característica é explorada no Tribunal do Júri pela defesa dos réus, que, por meio da retórica, usa argumentos “ad terrorem”, lançados para impressionar os jurados.

Segundo o promotor, esses argumentos deixam os jurados “praticamente com dó de condenarem os réus”. As alegações vão desde a situação carcerária do país (que é precária), passando pelo estigma que a condenação pode provocar no réu, até ao sofrimento que ele vai ter se ir para a cadeia. Com isso, “a defesa consegue desfocar que o réu matou alguém”.

Pozzi lembrou que, no Brasil, não há pena de morte e nem prisão perpétua. O sistema é progressivo, sendo que uma pequena parte da pena é em regime fechado.

Se a pessoa for primária, cumpre dois quintos de um crime hediondo. Se o crime não for hediondo, precisa de apenas um sexto para ir ao semiaberto. “Quer dizer, a maior parte da pena é em liberdade, quando a vítima de homicídio não existirá mais”, disse o promotor.

Segundo ele, a família da pessoa encarcerada a receberá no futuro. Durante o cumprimento da pena, poderá visitá-la. Após cumprimento de parte da pena, o réu terá livramento condicional em prisão domiciliar e só voltará à prisão se reincidir.

Quando a defesa chama a atenção dos jurados para argumentos que acabam invertendo a condição, o promotor explicou que ela acaba por convencer os jurados a não condenar o réu.

Dessa forma, a acusação tem dois trabalhos: o primeiro, mostrar que o réu praticou o crime e exibir a prova; o segundo, o debate, quando o promotor tenta convencer os jurados de que o acusado merece a pena.

“Isso não é automático. Não existe esse raciocínio matemático: se praticou o crime, logo, receberá a pena. No Tribunal do Júri, não. O jurado pode absolver por clemência, misericórdia e piedade”, concluiu o promotor.