Quantos de nós somos judeus por ascendência?

O “Jornal Ciência” publicou pesquisa sobre a origem dos sobrenomes oriundos da Espanha, e, como de fato se sabe, tanto entre espanhóis quanto portugueses esses são provenientes, muitas vezes, de judeus sefardi (ou sefarditas). Os espanhóis adotaram novos nomes a fim de permanecerem no país, escapando à perseguição aos judeus empreendida pelos chamados “reis católicos”, Isabel de Castela e Fernando de Aragão. Casados no final do século 15, passaram a reinar com mão de ferro. Os mouros já haviam sido expulsos desde 1492, com a conquista de Granada, e, mesmo que meio camuflada, sua perseguição foi levada a cabo pela Monarquia Católica de Espanha, cujo lema não muito suave era “Yl jugo y las flechas” – a opressão pela força, trocando em miúdos.

Em Portugal o povo judeu foi perseguido, e novos sobrenomes também foram incorporados, com vistas a esconder a ascendência judaica. Eram muitas vezes toponímias (nomes de lugares) e outras tantas nomes de árvores e arbustos, como Carvalho, Pinheiro, Abrunho, ou ainda acidentes geográficos, como Monteverde e Ribeiro. Eram também “novos cristãos”.

Os sobrenomes espanhóis, muitos deles bem conhecidos no Brasil, têm frequentemente ascendência judaica, como Orosco, Pacheco, Tavares, Sotelo, Mata, Lucas, Álvares e Aguiar. O escritor, pesquisador e jornalista Pere Bonnínen, em seu livro “Sangue Judeu – Espanhóis e a Ascensão do Antissemitismo Hebraico Cristão” (trad. livre para “Sangre Judía – Españoles y Ascenso de Hebrea Antisemitismo Cristiano”), listou um grande números de sobrenomes, cuja conta fecha em 2.100. Atualmente, os espanhóis de ascendência judaica encontram-se em maior número no México (ele fala em 674 mil) e na Argentina (178 mil). No passado, a predominância, no Brasil, é dos sobrenomes portugueses de antecedência judaica, e estima-se que os “marranos”, ou cristãos-novos, eram coisa de 10 mil a 15 mil, bastante alto para a época. Grande número deles já havia sido “cristianizado” à revelia pelo rei Dom Manuel I, “pai da Inquisição”, por decreto de 1496.

Segundo a pesquisadora e genealogista Anita Novinsky, da USP, os portugueses detidos por “crime de judaísmo” listados no “Livro dos Culpados”, do século 18, eram em número de 1.819 – apenas nesse documento oficial -, sendo os mais comuns Rodrigues, Nunes, Henriques, Mendes, Correia, Lopes, Costa, Cardoso, Silva e Fonseca, nessa ordem. O pesquisador paulistano Paulo Valadares, responsável pela organização do livro “Dicionário Sefaradi de Sobrenomes”, destaca nada menos de 14 mil sefaradis vindos dos países da Península Ibérica, no Brasil.

Há coisa de 20 anos ou pouco mais procurou-me na Escola Municipal de Música, que eu dirigia em São Paulo, uma senhora de nome Geysa Dourado (meu último sobrenome!), que se apresentou como pesquisadora de uma universidade americana. Ela era especialista em genealogia, e ficou mais interessada na conversa do que eu – ou quem sabe fui eu o mais curioso. Com seu português desenvolto mas carregado de sotaque americano, disse-me que nosso sobrenome era de origem sefardita, e que vinha de uma tradução do hebraico de certo “peixinho dourado”, cujo original não me lembro. E, mais ainda, o ramo “Dourado” surgiu da separação de “Peixinho”, outro sobrenome não incomum em Portugal, como Jorge Peixinho, compositor falecido em 1995, tido como grande maestro e virtuose no piano. Era uma novidade para mim, nunca havia imaginado isso.

O Dourado do meu sobrenome está ligado à regiões do Porto e Rio Douro, e encontra também seu ramo espanhol, onde se chama Dorado. De Portugal, o sobrenome veio para o Brasil com o navegador e bandeirante Mateus Nunes Dourado, que se assentou na área de garimpos de Jacobina e Morro do Chapéu. Seu filho José da Silva Dourado, também garimpeiro, enriqueceu adquirindo numerosas propriedades na Bahia, notadamente na Chapada Diamantina, no centro do Estado, nas bacias dos rios Jacuípe, Paraguaçu e Rio das Contas. De lá, a numerosa família se distribuiu por Minas, região sul e até o exterior, caso da pesquisadora Geise Dourado, dos EUA.

O pesquisador Moacyr Costa Ferreira disse que o uso do sobrenome, nome de família que segue o de batismo, deve seu início por decreto imposto pelo imperador chinês Fushi, em 2850 a.C., passando a ser o primeiro registro histórico do emprego de nomes compostos. Passou-se a usar um nome de geração e um prenome. O nome de família, extraído das 438 palavras do poema “Po-Chia-Hsing”, era seguido por um nome de geração e um prenome (que fica, ao contrário dos nossos, no final). O hábito de se juntar ao nome alguma alcunha também fez generalizar o uso do sobrenome. Nos países europeus, o costume demorou. Na Itália, por exemplo, era comum o uso de toponímia (nomes de lugares) para identificar a origem da pessoa: Giovanni da Palestrina, Gasparo da Salò, Leonardo da Vinci, Francesca da Rimini, por exemplo, bem serviam para identificar de onde o cidadão veio.

A genealogia é uma ciência complexa, a ela cabe estudar a origem e o traçado de cada sobrenome, mas há também muitos leigos que querem saber sobre sua própria origem e de seus antepassados. Na Internet há sítios que ajudam você a encontrar seus antepassados e montar sua própria árvore genealógica. Uma boa chave é pesquisar “origem nome…”, e pode ser que você já comece a encontrar ali sua história. E você poderá se surpreender com o que vai encontrar. Se o seu sobrenome tem palavras em espanhol ou português, sua origem pode ser do hebraico, vindo dos sefaradi.