Estamos vivendo um tempo em que muitos de nós, operadores do direito, não imaginaríamos: um clamor popular pelo retorno da ditadura militar no Brasil.
Tem-se ouvido frases como: “naquele tempo não havia corrupção”, “as crianças aprendiam na escola conceitos de moral e cívica”, “cantava-se o Hino Nacional”, “governos democráticos promovem uma grande desordem, afetando instituições como a família”, dentre outras.
Os argumentos são os mais variados possíveis, sendo que alguns deles beiram o absurdo. Outros podem ser justificáveis pela insatisfação da (des)ordem política ou mesmo pela falta de conhecimento da perspectiva histórica, que remonta períodos nos quais houve uma alternância entre ditadura e democracia. O fato é que hoje em dia parece ter sido incutida uma visão romântica da ditadura na mente dos brasileiros que pedem uma intervenção militar.
Tendo em vista esse clamor intervencionista, afinal de contas, o que é mesmo democracia?
De acordo com Touraine (1996), democracia não pode se separar da ideia de povo, do viver em sociedade, garantias de que as liberdades sejam resguardadas de forma a proteger a grande maioria da população – e não a minoria política.
No mesmo rumo, Giovanni Sartori utiliza uma definição pautada na negativa, asseverando que “democracia é um sistema no qual ninguém pode escolher a si mesmo, ninguém pode investir a si mesmo com o poder de governar e, por conseguinte, ninguém pode arrogar-se um poder incondicional e ilimitado”.
Assim, democracia é a não-ditadura, o não-totalitarismo, a não-autocracia.
No governo democrático, as liberdades de pensamento devem ser ampliadas. Tanto as liberdades quanto as garantias individuais não podem ser limitadas pelo poderio autoritário, mesmo que latente.
Politicamente, a ressalva que se coloca é que, enquanto ideias autoritárias devem ser repelidas, também os ideais conservadores não podem se sobrepor aos do povo.
Uma das diferenças entre as constituições de um período ditatorial e de um período democrático é que, no primeiro, o presidente detém poder soberano sobre os seus atos, já no período democrático, seus atos são supervisionados pelos demais poderes, já que a democracia requer o equilíbrio entre os poderes.
O povo é responsável pela implementação de um regime político, das suas escolhas e de suas características. E esse mesmo povo, muitas vezes, sequer sabe que é o titular legítimo da soberania democrática e que deve exercê-la da melhor forma possível, beneficiando-se de suas escolhas.
Do exposto, conclui-se que o clamor popular por intervenção militar no Brasil, com respeito a quem a defenda, é o maior “tiro no pé” que o povo pode atribuir-se a si mesmo, pois, inevitavelmente, vem acompanhada da perda das garantias e liberdades tão arduamente conquistadas.
Porém, “a democracia não protege nenhum poder dos indivíduos de controlar seu próprio destino”, ou seja, cada um ainda tem a sua liberdade de escolha e ela deve ser respeitada sem qualquer imposição ou arbitrariedades.
Assim, enquanto mantemos conosco essas liberdades, vamos dar um grande viva a elas. Viva aos direitos conquistados: direito a um julgamento justo, aos direitos sociais, de não ser torturado, à liberdade de expressão, de pensamento, de religião, de associação à propriedade, à liberdade de imprensa, ao devido processo legal, à integridade física, à privacidade, ao voto, enfim, direito à vida em sua plenitude.
Por fim, embora um caminho ainda muito longo deva ser traçado, um viva à Constituição de 1988 e a seus 30 anos de conquistas!
* Advogadas