Henrique Autran Dourado
Galileo Galilei (1564-1642) criou um mecanismo bem simples para medir a temperatura, e demorou quase um século para que surgisse um aparelho mais preciso, o termômetro de álcool, patenteado pelo francês Ferchault de Réaumur em 1731. (Um primeiro termômetro a ar, bem mais precário, já tinha sido criado por um médico italiano, Sanctorius, em 1612). Mais adiante, o alemão Daniel Fahrenheit (1686-1736) fixou como parâmetro para medição um “zero” arbitrado em -17,77°C. Depois, o sueco Anders Celsius (1701-1744) organizou sistemas de medição baseados nas teorias de Ferdinand II, duque de Toscana, estabelecidos na escala compreendida entre as temperaturas de congelamento -0ºC, baseada em Robert Hooke – e de ebulição da água (100ºC). O termômetro a mercúrio, bem mais preciso, foi criado pelo polonês D. G. Fahrenheit, em 1715. Muitos acreditam que os primeiros medidores de precisão foram idealizados por Van Helmont e R. Bacon, e aperfeiçoados pelo alemão Heinrich Geissler (1814-1879). A escala em Fahrenheit (ºF) é adotada nos EUA e Inglaterra, e em Celsius (ºC) nos demais países, genericamente falando.
Hoje, cidadãos de qualquer lugar do mundo podem saber a temperatura e previsões para sua cidade e todas as outras do planeta para o dia seguinte ou duas semanas, utilizando um app ou site de um simples smartphone ou computador. Telejornais exibem mapas eletrônicos com imagens feitas por satélites, apresentadas e cuidadosamente explicadas por moças bonitas como Maria Julia Coutinho (Maju), que após alguns anos, de tão popular, alçou voo mais alto em sua carreira, como âncora de noticiário. Apesar de certas imagens e mapas digitais parecerem congelados, nuvens, massas de ar quente e correntes polares se movem, lembrando que a previsão meteorológica não é um cálculo exato, mas uma análise de tendências de dados que podem se alterar de um dia para outro: massas de ar quente, de ar frio, alta ou baixa pressão daqui e dacolá, mudanças de direção do vento – as forças da natureza são como o que escreveu aquele velho alemão sobre sua filosofia: a única coisa que não muda nelas é que elas mudarão sempre.
Em cinco dias de junho de 2021, ao menos 34 pessoas morreram na região de Vancouver, no oeste do Canadá. Mas não do frio glacial que vem à nossa mente quando se fala de um país ao norte dos EUA, temperado e gélido por tradição, com seus pinhos, plátanos e “maples” salpicados ou recobertos de branco. É o segundo maior país do mundo em área, e seus 38 milhões de habitantes concentram-se em algumas regiões e cidades. A temperatura em Vancouver na semana passada chegou a inéditos 49,5ºC, números bem próximos daqueles registrados em algumas regiões do noroeste dos EUA, como a vizinha Seattle (WA), distante da cidade canadense apenas 2h30 de carro. Lá, mora meu filho Lucas, que em 30/06 reportou 41º dentro de casa, e forrou com plástico a caçamba de seu carro à guisa de piscina. No cômputo geral, a alta temperatura canadense bateu recordes históricos já na década finda em 2019. John Horgan, da British Columbia, alertou: “Crise climática não é ficção”. O porquê já sabemos, desde o derretimento das calotas polares, atualmente seis vezes mais rápido do que nos anos 90, até a displicência de autoridades de países como o Brasil. Uma grande maioria infelizmente é levada a ignorar, não dar importância ao “óbvio ululante”, da mesma forma que acontece com a poluição do ar, intimamente ligada às condições climáticas, apesar dos esforços dirigidos à produção de veículos elétricos e às energias eólica e solar, tendo na contramão os magnatas dos combustíveis fósseis, do carvão e outros poluentes.
E o frio, onde entra? perguntaria o leitor. Nos trópicos e por aqui no Brasil, tivemos 17ºC em Salvador, capital do sol, 8,7ºC no Rio (da música “Rio, 40 Graus”!), 5ºC em São Paulo e até -7,5ºC em cidades de Santa Catarina. Geada e neve? Talvez diversão para turistas, nem tanto para moradores, especialmente os de rua, ou os que trabalham com a lavoura. Falta chuva, e em breve teremos os já preconizados apagões.
É impossível falar disso tudo sem evocar o aquecimento global e a devastação de florestas – principalmente da Amazônia, da qual somos parte majoritária ao lado de outros oito países. Queimadas, devastações, extração ilegal de madeira, e quando não o esquema das “boiadas”, desleixo e descaso das autoridades para com organizações nacionais e internacionais, a virulência e o escárnio com que se tripudia sobre entidades autônomas que lutam de maneira efetiva pela defesa do meio ambiente e até ativistas como a adolescente Greta Thunberg. Discursos já não convencem, haja vista que no mais das vezes reduzem a pó qualquer práxis, por mais tímida que seja, se e quando acontece. A população começa a vislumbrar um turbilhão de mentiras que acobertam a realidade, e as notícias falsas plantadas por militantes informais com lastro em bastidores conhecidos fazem do real falso, e da mentira realidade, restando ao povo acreditar ou desacreditar, se um vento o induzir assim ou assado, como fosse biruta de aeroporto.
“A verdura sem par dessas matas”, citada por Olavo Bilac no Hino à Bandeira, “Quando o verde dos teus olhos / se espalhar na plantação”, do Luiz Gonzaga, “Verde que te quiero verde / verdes ventos, verdes ramas”, do Federico García Lorca, assim como outras tantas poesias, serão como disse o nosso grande mineiro Carlos Drummond sobre sua cidade, Itabira? “Apenas uma fotografia na parede. Mas como dói”.