Vacinas vencidas, doses congeladas e o medo

Ricardo Agostinho Canteras
Ricardo Agostinho Canteras *

Duas manchetes tomaram conta dos noticiários na última semana: na primeira, ao menos 26 mil doses de vacinas contra a Covid-19 teriam sido aplicadas no Brasil fora do prazo de validade estabelecido pelo fabricante. Na segunda, milhares de doses da Janssen chegaram congeladas ao DF e, por isso, poderiam ter perdido a sua eficácia.

Falando sobre o caso da Janssen, estamos diante de um problema relacionado ao transporte passivo de medicamentos. Hoje a principal forma de garantir que a imunização seja feita com agilidade e segurança é o transporte passivo, aquele que envolve embalagens formadas por alguns elementos que bloqueiam a troca térmica e outros refrigerantes, como bolsas de gel.

Eles são os responsáveis por garantir que os imunizantes permaneçam na faixa de temperatura adequada, determinada pelos fabricantes.

Existem caixas específicas para serem utilizadas no inverno e caixas para manter a temperatura dos produtos no verão. Se não forem utilizados os equipamentos corretos, a temperatura externa interfere muito na interna e o que está armazenado pode congelar ou esquentar demais.

Levando em consideração as temperaturas bem baixas que têm sido registradas em São Paulo (de onde saem os imunizantes), tudo nos leva a crer que aí está a solução para essa charada.

A conclusão do que pode ter acontecido no caso das vacinas vencidas não foi assim tão fácil. Como profissional de logística farmacêutica, fui procurado para esclarecer como esse erro poderia ser evitado e aos poucos fomos observando cada desdobramento desse caso na mídia.

Na primeira conversa que tive com uma jornalista sobre essa questão, cheguei a comentar que me causava certa estranheza o fato de todos os municípios terem agido da mesma forma.

Mais do que isso, relembrei que antes da aplicação os profissionais da saúde têm como protocolo mostrar o verso da embalagem, onde estão expostas as informações de lote e validade. Então, como isso aconteceu?

Estamos ainda observando os posicionamentos municipais e estaduais – a grande maioria alega que não aplicou nenhuma dose vencida – e uma resposta para essa questão ainda não é concreta.

Mas, o que já podemos concluir é que estamos sim diante de um erro sério, muito provavelmente no sistema, na inserção de dados. O que vemos é um caso de erro humano, seja qual for a conclusão desse caso, e que poderia ser evitado. Eu explico.

Partindo do pressuposto que os imunizantes realmente foram aplicados com o prazo expirado, existem alguns tipos de controle de estoque para produtos de valor agregado para a saúde humana.

Em vacinas, o controle normalmente é feito pela validade. E existe tecnologia para que esse tipo de falha não ocorra. A melhor maneira de se proteger é por meio de sistema. Não ter nenhuma etapa de fracionamento manual.

Quando falamos em fracionamento é importante destacar que estamos nos referindo à atividade dentro do armazém, na hora de fazer a separação das vacinas conforme os pedidos.

O Ministério da Saúde emite um relatório solicitando que as unidades sejam fracionadas de acordo com a necessidade de cada estado. É nessa etapa que a proteção tem que ficar em sistema e ele já deveria impedir o fracionamento de frascos caso a validade estivesse muito próxima.

Já se a questão for na outra ponta, na hora de incluir no sistema do SUS as informações sobre as doses aplicadas, isso também não deveria ser feito sem o uso de tecnologias próprias.

O PNI tem um sistema que é alimentado com todos os dados das pessoas que tomam a vacina. Chamado SI-PNI, ele é obrigatório em todas as salas de imunização e deve computar no mínimo dez variáveis de cada pessoa. Entram aí o CPF, tipo e lote da vacina, validade, comorbidade, dentre outros.

Esses dados são armazenados e utilizados como base para toda a estratégia do PNI e para a determinação do percentual da população imunizada. Não é admissível que esses dados sejam incorretos.

É de se elogiar o quanto avançamos no quesito acesso à informação ao longo da pandemia. No início, para quem acompanhava os dados, a sensação era de voo cego, e hoje essa comunicação mais aberta foi o que permitiu, inclusive, que a imprensa cruzasse as variáveis e chegasse ao número de 26 mil doses vencidas.

Mas, ainda assim, quando nos deparamos com erros desse tipo, percebemos que já deveria ser possível uma transparência maior para a sociedade sobre como a situação seguirá nos próximos meses, em quais semanas os imunizantes serão recebidos, como será o processo.

E, mais do que isso, falta sistema e capacitação para que falhas básicas como as duas que comentamos ao longo deste artigo não aconteçam.

Passamos por um período de constante necessidade de informação e credibilização dos imunizantes e do PNI. E notícias como as da semana passada não contribuem, de forma alguma, para a tranquilidade da população.

* Diretor comercial e de operações da TEMP LOG