Henrique Autran Dourado
O Reino Unido divulgou, por meio de seu Banco Central (Bank of England), que as cédulas de dinheiro circulantes deverão ser trocadas por novas em agências bancárias: uma espécie de papel feito de um polímero do tipo que já foi adotado no Brasil. O prazo para troca é bastante curto, após o que cédulas de maior valor, de 20 e 50 libras, perderão a validade, somente podendo ser trocadas em bancos e agências de correios centrais. As de 20 libras trazem a efígie do ícone do liberalismo econômico, o escocês Adam Smith (1723-1790), enquanto as de 50 estampam outros grandes nomes do Reino, Boulton & Watt, dois engenheiros que criaram a firma de equipamentos para a Marinha e motores a vapor, ainda no século 18. O número de cédulas a serem substituídas ultrapassa 360 milhões, cujo valor total, hoje, é de seis dezenas de bilhões de reais.
Como já era de se esperar, as cédulas com a efígie da rainha Elizabeth II também serão substituídas, mas em respeito ao luto oficial somente após certo período será feito o anúncio da data de troca da figura da monarca pela do rei Charles III, o que inclui selos para correspondências, estampas oficiais e afins. Atualmente, levam o rosto da rainha as notas de 5, 10, 20 e 50 libras, sendo que as de 20 e 50 existem tanto em papel quanto em polímero.
Elizabeth II reinou por sete décadas, daí seu rosto mostrar-se estampado em quase tudo. Há 4,5 bilhões de cédulas com seu perfil, significando 80 bilhões de libras esterlinas, que se espalham até em países do Commonwealth britânico, como Nova Zelândia e Canadá. O perfil do rei Charles III estará no dinheiro em circulação, processo que demorará ao menos dois anos. O jornal Bloomberg News, da Nova Zelândia, azeda a afoiteza do reino, no que se refere ao seu país: “muitos anos se passarão até que precisemos introduzir moedas exibindo o rei Charles III, tempo suficiente para que as cédulas de 20 libras tenham se exaurido”. E há, por dizer assim, outros “britanicismos” exóticos: “enquanto o perfil da rainha vira para a direita nas moedas, o de Charles tornará para a esquerda”. E a razão é simples, continua o Bloomberg: diz a tradição que “retratos, quando um novo monarca assume o trono, terão sua direção alterada”.
Trocar cédulas e moedas é cerimonial britânico, nação que o faz por motivos de sucessão no trono. O Brasil começou com o Real Português (R), conhecido como Réis, que vigorou por todo o período colonial, até 1833. Com o país independente, daí até 1842, com Pedro II, o Real Brasileiro (Rs), também Réis – a segunda mais longeva moeda brasileira, perdendo apenas para a cifra colonial, 303 anos – o Réis só deixou de existir após um século, em 1942, em pleno Estado Novo, dando lugar ao Cruzeiro (Cr$). A sobrevida de notas e moedas passou a ficar cada vez mais breve. Veio o golpe militar, e pela mão de Castello Branco, em 1964, o governo suprimiu os centavos, maneira de explorar o fator psicológico (mudança política, dinheiro mais seguro etc.), mas a experiência durou apenas dois anos. Em 1967, apenas três depois, ainda sob um inconstante Castello Branco, uma suposta “salvação da Pátria”, o Cruzeiro Novo (NCr$). Com Garrastazu Médici, da linha mais dura, em 1970 ressurge um Cruzeiro diferente, com uma inflação já galopante: 110%. Em 1984, J. B. Figueiredo faz a sua experiência, retirando outra vez os centavos – jogada efêmera, murchou depois de um ano.
“Devolvida a rapadura” aos civis, como se dizia, quem segurou o abacaxi foi José Sarney, em 1986, com o Cruzado (Cz$), cortando os centavos sob uma inflação a galope rápido. Dois anos depois, em 1989, em uma tentativa desesperada de segurar o foguetório dos preços, Sarney traz o Cruzado Novo (NCz$), de vida ainda mais efêmera, só um ano. Pouco mais de dois meses depois de assumir a Presidência, em 1990, Fernando Collor traz de volta o antigo Cruzeiro (Cr$), só que em paridade de valor com o Cruzado Novo. Mesmo sob a empáfia de falso “Caçador de Marajás”, a nova moeda do jovem presidente durou apenas três anos. Depois do tombo de Collor, Itamar Franco, em 1993, começou a preparar a grande revolução monetária, com o Cruzeiro Real (CR$), antecipando a mudança espetacular que aconteceria a seguir: em 1994, após a URV como transição – um sistema híbrido variável -, em 1º de julho, por intermédio de dois diplomas legais (leis 8.880 e 9.069) finalmente surge o Real (BRL), que há 28 anos, após 13 vezes na história, é a moeda atual.
O economista canadense John Kenneth Galbraith (1908-2006) foi um grande estudioso do dinheiro, desde a origem ao capital até os tempos mais modernos. A moeda – em metal, papel ou outro – tem longa história, desde quando se trocava cabras por um cavalo – a troca, base de tudo! -, passando pelo uso do ouro e da prata, metais raros e, claro, de valor proporcional à sua pureza e peso. O Brasil não chegou ao desespero da hiperinflação do período entreguerras da República de Weimar, na Alemanha, que aconteceu entre 1921 e 1923. No final de 1922, a taxa anual chegou a um apavorante bilhão por cento, e foram cunhadas moedas de 5 milhões de marcos, cédulas feitas papel de parede! Caricaturas da época mostravam carrinhos de mão com pilhas de dinheiro para comprar um maço de cigarros.
A história do dinheiro de Galbraith está na série “A Era da Incerteza” (“The Age of Uncertainty”), uma produção fabulosa disponível na versão integral ou em capítulos no Youtube. Recomendo assistir, trata-se de diversão prazerosa e uma aula inesquecível.