Da redação
Recente pesquisa feita por uma consultoria de investimentos revelou ao mercado que 78% das companhias brasileiras não tiveram acesso a nenhum tipo de crédito desde o início da pandemia. Nesse universo, foram ouvidas empresas com faturamento entre R$ 30 milhões e R$ 300 milhões. Para as pequenas, o cenário é o mesmo: segundo o Sebrae, cerca de 80% dos pequenos negócios não conseguiram nada com os bancos.
As dificuldades, segundo especialistas, vêm para todos. Mas atingem mais profundamente alguns setores, como turismo (hotéis, agências e aviação), varejo tradicional (lojas físicas como de vestuário e calçados), restaurantes lanchonetes e bares, indústria automotiva, de cosméticos e construção civil. E uma das maiores dificuldades, nesse momento, tem sido o acesso a recursos.
“Os bancos parecem não estar muito dispostos a dar crédito para empresários”, avalia Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, professor e tributarista, sócio do escritório de advocacia Natal & Manssur.
Um dos motivos que tem levado os bancos a não oferecer crédito atrativo é o receio de calote. Segundo a Federação Brasileira de Bancos (Febraban), haverá uma escalada de calotes de dívidas. As projeções apontam para inadimplência semelhante à ocorrida em 2008, quando chegou a 60%.
Para Caio Bartine, professor e advogado tributarista, sócio do escritório H.G Alves, as carências oferecidas tanto pelo poder público para o pagamento de tributos, quanto pelos bancos para o pagamento de empréstimos já existentes, não serão suficientes. “As postergações de 90 dias, em média, são insuficientes. As empresas já reduziram jornada, postergaram pagamentos, mas estão com pouquíssima ou nenhuma receita”, avalia.
Há algumas batalhas judiciais em curso, em que empresas têm solicitado mais prazo para pagamento de tributos, por exemplo. Mas os resultados dos julgamentos não têm sido favoráveis, na avaliação de Eduardo Natal.
Recorrer a investimentos internacionais também não é uma alternativa. “Os investimentos externos estão altamente dificultados, seja pela questão da crise sanitária mundial, seja pelo ambiente brasileiro. Não há intenção de se fazer investimento no Brasil”, alerta o advogado.
André Félix Ricotta de Oliveira aponta outro agravante: “Há casos parados na Justiça, em relação a questionamento de bens bloqueados indevidamente, por exemplo, que poderiam nesse momento ser um recurso a mais para as empresas. Mas ninguém decide nada em relação a isso”, aponta.
Nesta segunda-feira, 18, o presidente Jair Bolsonaro sancionou o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), com 85% dos recursos garantidos pela União.
No entanto, Bolsonaro vetou dois itens importantes: o que estabelecia carência de oito meses para início dos pagamentos e a prorrogação por mais 180 dias dos prazos para pagamento de parcelamentos da Receita Federal e da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional. O Congresso pode rever esses dois vetos, mas a medida já está valendo.
Futuro
A nova realidade econômica, não apenas no Brasil, mas no mundo, deverá se impor no pós-pandemia. Essa é a avaliação de Jorge Henrique Zaninetti, tributarista especialista em Direito Empresarial e em Transações Societárias Avançadas pela George Washington University.
“Batalhas judiciais serão travadas contra a união federal e os estados da federação, na medida em que certamente eles vão elevar a carga tributária. Haverá ainda uma disputa sobre as condições contratuais, incompatíveis com novo cenário econômico”.
Segundo ele, embates jurídicos devem afetar concessões de serviços públicos, financiamentos bancários, contratos com planos de saúde, financiamentos de longo prazo e condições de pagamento em geral.
Uma lição de casa importante, recomendada às empresas para o futuro em curto prazo, é rever seus custos. “Tem muita coisa que pode ser melhorada. As empresas precisam cuidar muito bem do seu fluxo de caixa, porque as crises têm sido cada vez menos espaçadas e há que se ter um preparo para reduzir essa fragilidade. É aprender na marra a ter mais eficiência”, elenca Eduardo Natal.
A mudança no portfólio é outro ponto. “O e-commerce vai ser algo irrefreável e as empresas precisam estar atentas a isso. As que ainda não têm devem começar a oferecer seus bens e serviços por meio de plataformas digitais”, recomenda Caio Bartine.
Uma reforma tributária também é bem-vinda, na visão de André Félix. “Diminuir incidência dos tributos sobre a atividade empresarial já era necessária antes da crise, agora se torna mais urgente”.
Fontes
André Félix Ricotta de Oliveira, doutor e mestre em direto tributário; Caio Bartine, advogado, procurador-chefe da Procuradoria Nacional de Justiça do Conselho Federal Parlamentar; Eduardo Gonzaga Oliveira de Natal, sócio do escritório Natal & Manssur; Jorge Henrique Zaninetti, membro da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF e do Instituto dos Advogados de São Paulo – IASP.