Conservatório de Tatuí: perspectivas

Henrique Autran Dourado *

Tendo sido diretor do Conservatório por dez anos, hoje observo alguns desentendimentos ou mal-entendidos sob ótica privilegiada. Achei por bem opinar pela primeira vez após três anos e meio, pois vejo um cenário ainda obscuro. Durante 30 anos dirigi três das melhores escolas de música do país: a Municipal de São Paulo, a Cantareira (superior) e o Conservatório de Tatuí. Considero-me apto a opinar.

Fala-se em certo contraponto a um ensino “antiquado” em Tatuí (pano de fundo para a cena financeira, comoveremos), e exclusivamente da música, só ela. Na minha coluna (“Modernidade e eternidade”) da semana passada neste jornal abordei, entre diversas coisas,a “modernidade”em arte, fechando o texto com Drummond: “E como ficou chato ser moderno, agora quero ser eterno”.

Lecionei em Tatuí entre 1984 e 1987, duas vezes por semana, daí conhecer o Conservatório razoavelmente bem antes de assumir a direção, em 2008. Em algumas das melhores orquestras do mundo alunos tocam junto com seus professores, a exemplo da Sinfônica de Praga e da Filarmônica de Berlim. Nas melhores daquelas escolas, dado o altíssimo nível dos alunos, há orquestras de estudantes ainda melhores do que muitas profissionais. Prescindem do trabalho com os professores, sistema que encontrei no Conservatório, sua marca d’água.

Aqui, alunos ensaiam e se apresentam ao lado de professores, trabalham o repertório mais difícil, com solos e passagens intricadas, preparam repertório – por exemplo, sinfonias de Brahms, Beethoven e Mahler. Na capital há várias orquestras onde alunos adiantados podem ter essa prática, incluindo grupos já profissionais, do Centro à Grande São Paulo. Sendo Tatuí uma cidade cem vezes menor (apenas 1% da população da capital!), não há outra opção para esse aprendizado. Em certo momento, o aluno adiantado enfrentará as opções de mudar-se para São Paulo, permanecer amador ou desistir.

(Minha formação se deu no Rio e nos EUA, um ano na Berklee e, depois, com bolsa de uma das “três grandes”, New England, bacharelei-me. Em 2009, convidado pelo “International Visitors Leadership Program” do US Dept. of State, estive em 27 instituições de música americanas conhecendo seus diretores, currículos,alunos e estruturas. Não me falta experiência para saber o que é “moderno”, senão os tradicionais sistemas de ensino do mundo.)

Voltando a Tatuí, com entreveros políticos evitáveis e pontos de vista divergentes – explícitos ou não – entre a Secretaria de Cultura (Secec), a Sustenidos, OS que gere o Conservatório, e professores, muito veladamente, nada contribui para um ambiente saudável – como bem ilustra a recente entrevista do maestro da Sinfônica, Edson Beltrami, demitido no dia 1º. Em reunião na Secec com o prefeito de Tatuí, Prof. Miguel, e o presidente da Câmara Municipal, Antonio Marcos (O Progresso de Tatuí de 5/12, pág. 6), o titular da Cultura, Sá Leitão, propôs que fosse criado um Conselho Curador local, mas a diretora da OS mostrou-se refratária à ideia. Talvez a assista certa razão, porque a Sustenidos já tem um Conselho Consultivo, um Conselho Fiscal e um Conselho Administrativo, além da Assembleia Geral, esta última com plenos poderes para até demitir diretores!

Direção e órgãos colegiados do Conservatório funcionam em São Paulo, e a lei das OS, 846/98, não menciona a modalidade“Conselho Curador”. Portanto, ausentes as prerrogativas, a que serviria em Tatuí esse novo órgão sem respaldo de qualquer diploma legal, se a Sustenidos já tem quatro colegiados em SP?E mais: o corpo diretivo da OS propõe 75% do tempo de trabalho para o Guri e 25% para Tatuí (pág. 105 da PTO). Não fosse só isso,a mesma OS ainda assumiu o Theatro Municipal de São Paulo, organismo enorme, complexo e turbulento que conhecemos bem.

Na reunião,a Secec informouquehá2.174 alunos em Tatuí (pág. 6 do jornal), mas a Proposta Técnica e Orçamentária da OS gestora prevê um número bastante inferior (pág. 23): 1.700 estudantes, incluindo os do Polo de São José do Rio Pardo;por conseguinte,a cota discente de Tatuí ficaria em cerca de 1.400.A proposta da OS é explícita(pág. 24 da PTO): “redução das 496 vagas”.

A Proposta também deixa claro o viés financeiro de tais reduções: “…percebemos que não há outra forma de equilibrar receitas e despesas a não ser realizar o ajuste sugerido”. Isto nos leva ao projeto do governo (663/21)para a Lei do Orçamento Anual (LOA) 2022,em tramitação na Alesp.O montante proposto pelo governador para o Conservatório, de R$ 26.599.037,00,será submetido à votação plenária após 23.810 (grifo) propostas genéricas de emendas parlamentares. Há outras formas de “engordar” o orçamento, mesmo que seja aprovado o valor proposto, além de alguma emenda à LOA:o Crédito Suplementar -transferência entre secretarias por ato do governador -, ou internamente à Secec, este em valores diminutos haja vista o baixo orçamento da pasta. Mesmo aprovados os 26,6 mi propostos, o orçamento ainda ficará muito aquém da LOA de 2008, ano em que aqui cheguei: R$ 22,25 milhões nominais – que, corrigidos pelo IPCA até janeiro de 2021, equivaleriam hoje a R$ 45,40 mi; somando-se a inflação deste ano, acima de 10%, chega-se a 50 milhões, quase o dobro!

Ao leitor pode parecer um tanto confuso, e mesmo eu, com toda a minha experiência,ainda tenho dúvidas sobre as perspectivas que só o futuro poderá dirimir. Ah, um aviso: aposentado pelo INSS e pelo estado, não almejo cargo algum em órgão qualquer, nem sou candidato a nada.

 

* Professor aposentado da USP e ex-diretor do CDMCC.