Condição social é uma das causas da ‘exploração infantil’ em Tatuí­





“Os meninos são ajudantes de pedreiro, carregam tijolos e amassam massa; as meninas, às vezes, ficam para ajudar em casa, porque as mães trabalham”.

As situações citadas pela coordenadora de projetos do Lar Donato Flores, Ana Feltrin, foram apontadas por meninas que participaram de seminário na semana passada. No início do mês, a entidade desenvolveu a “Semana de Erradicação do Trabalho Infantil e Fomento à Aprendizagem”.

De acordo com ela, em Tatuí, a exploração infantil tem como uma das principais causas a condição financeira das famílias. “Nós não temos tantos problemas na cidade, mas é algo que não tem como, no momento, ser mudado”, comentou.

O assunto esteve em pauta entre os dias 2 e 6 deste mês, por conta de campanha lançada pelo MTPS (Ministério do Trabalho e Previdência Social). “Como nós temos ligação com o órgão (por causa do projeto de menor aprendiz), trabalhamos a questão diariamente”, contou a coordenadora.

Além de aprendizes, as meninas que integram a turma da educação para o mundo do trabalho (chamada de turma três) também desenvolveram atividades relacionadas. No total, 150 meninas atendidas pela instituição participaram.

Entre a segunda e quinta-feira, o seminário contemplou pesquisas sobre diversos períodos da história, iniciando com a Revolução Industrial. Na sexta, data de encerramento, o foco ficou com explicações sobre a Lei da Aprendizagem.

Somando-se ao evento, o Lar integrou um “pacto” celebrado pelo TRT (Tribunal Regional do Trabalho), da 15ª Região de Campinas. Ana e Ubirajara Interdonato Feltrin, que também integra a instituição, participaram de audiência promovida com a mesma finalidade do seminário local. “Eles fizeram lá, mais ou menos, o que nós fizemos aqui, só que em um dia”, disse Ana.

O evento também marcou a celebração de acordo entre todos os segmentos da sociedade de Campinas. Tatuí esteve representada no pacto pelo Donato Flores.

Segundo a coordenadora, o tratado registrou, ainda, compromisso com empresas. A meta é ampliar o número de vagas e possibilitar a capacitação de menores para que eles sejam contratados com todas as garantias previstas em lei.

A entidade mesclou conteúdos da semana de erradicação com as aulas ministradas para as alunas e as demais atividades culturais e esportivas. Na aula de português, por exemplo, as meninas pesquisaram sobre a obra “Os Sertões”, de Euclides da Cunha. O livro foi utilizado por mencionar a “Guerra dos Canudos”.

“Nessa batalha, os coronéis obrigavam as crianças a trabalhar. Então, as meninas fizeram uma ligação do tema também com a exploração infantil”, disse Ana.

Para a coordenadora de projetos, o seminário resultou em uma conscientização. Informadas, as frequentadoras da instituição têm condições de entender e diferenciar o que é trabalho, exploração ou uma obrigação.

“Antigamente, os pais queriam que as crianças fossem trabalhar porque achavam que isso era educação. Atualmente, nós sabemos que não, os jovens só podem trabalhar a partir dos 14 anos e como aprendizes”, destacou.

As abordagens ficaram por conta das próprias meninas, conforme detalhou Ubirajara Feltrin. Os debates sobre os assuntos aconteceram após oração geral ecumênica (o ato marca o início das atividades), com duração de dez minutos.

“Houve um ‘rodízio’ de meninas, de tal maneira que as que estão na faixa etária entre 14 e 18 anos fizeram as explicações para as demais”, contou Ubirajara.

Educador na oficina de rotinas administrativas, Marco Antonio Godoi Sperandio mediou os debates sobre a exploração infantil e o fomento à aprendizagem. Ele também definiu os tópicos de estudos e norteou as pesquisas.

“Nós construímos com elas (as meninas) todo um trabalho para falar sobre o que é o trabalho infantil proibido, todo conceito de valores e de trabalho”, disse.

A intenção era dar às meninas parâmetro para comparação da situação de crianças, no decorrer da história, com relação à atual via do menor aprendiz. Os estudos incluíram, ainda, discussões sobre diferenças entre auxílio em casa (dos pais) e do trabalho doméstico, que é considerado “proibido”.

A iniciativa da instituição é um complemento das ações de proteção aos menores desenvolvidas pelo Lar Donato Flores. A coordenadora de projetos ressaltou que, além de preparar as jovens para o mercado de trabalho, a instituição obtém, em parceria com empresas, colocação para as participantes.

“Ao invés de elas estarem na rua, estão aprendendo. Nós temos um serviço de convivência, para meninas até 14 anos. A partir daí, elas entram para formação para o mundo do trabalho, têm estudos e viram menores aprendizes”, disse.

Mais que cumprir cronograma, o educador que coordenou o seminário citou que o evento resultou em conhecimento para as participantes. Deu a elas ferramentas para identificar e buscar combate à exploração. O resultado do debate pode ser visto em vídeo no canal “TV Infolar”, no YouTube.