Por Clóvis Francisco Constantino, presidente da Sociedade Brasileira de Pediatria
Comemorado em 12 de outubro, o Dia das Crianças é uma data oportuna para reflexão a respeito do que é oferecido pela sociedade em termos de qualidade de vida aos pequenos “que estão por vir à luz”. Esta é a reflexão do médico Clóvis Francisco Constantino, presidente da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria), no artigo “SOS 12 de Outubro, Por que álcool e gravidez não combinam”. Para ele, um dos principais alertas é o consumo de álcool durante a gravidez.
O médico argumenta que é preciso “zelar pelo bem-estar das próximas gerações” e destaca dados da SBP. A entidade considera imperioso informar às futuras mamães sobre a SAF (Síndrome Alcoólica Fetal. Trata-se de doença grave e irreversível que compromete o desenvolvimento cerebral de bebês, provoca anomalias congênitas, como problemas cardíacos e fenda do palato, entre outros problemas de saúde.
A SAF é provocada pelo consumo de álcool durante a gestação. No Brasil, de acordo com o Ministério da Saúde, a prevalência estimada é de 1 caso para cada 1.000 nascidos vivos. “Contudo, o número certamente é bem maior em virtude da subnotificação consequente do desconhecimento sobre a doença entre médicos, profissionais de saúde e população, da dificuldade de diagnóstico e ainda do crescimento do consumo de bebidas alcóolicas entre as mulheres”, alerta Constantino.
Segundo ele, estudos internacionais apontam que a prevalência é maior em populações vulneráveis socioeconomicamente. O médico acrescenta que “esse achado científico é corroborado, em território nacional, por pesquisa de meados de 2014, com 2.000 puérperas do Hospital Municipal Maternidade-Escola de Vila Nova Cachoeirinha”. Segundo o estudo, 33% das acompanhadas ingeriam bebida alcoólica, mesmo esperando um bebê. O mais grave é que 22% das entrevistadas consumiram álcool até o dia de dar à luz.
Constantino diz que, embora as gestantes escutem à exaustão que não se deve ingerir bebidas alcoólicas durante a gravidez, de médicos, familiares, amigos e conhecidos, a recomendação, no entanto, costuma ser vaga. Além disso, muitas vezes o pedido não responde às perguntas feitas pelas futuras mamães que não sabem o motivo, os riscos e os efeitos no bebê.
“O espectro de desordens fetais alcoólicas, do inglês Fetal Alcohol Spectrum Disordes, FASD, está sempre à espreita de crianças expostas à bebida no útero. Elas podem ter atrasos de memória, fala, audição e atenção, dificuldades na aprendizagem escolar, especialmente em matemática, e no relacionamento interpessoal”, destaca o presidente da SBP.
Segundo ele, quando crescem, os bebês filhos de mães que consomem álcool durante a gravidez correm o risco de se tornarem adultos com problemas de saúde mental e de comportamento. Como consequência, podem desrespeitar leis, consumir drogas e demonstrar dificuldades com o emprego, conduta sexual inadequada e dependência física e emocional.
“A situação se agrava ao entrar em cena a Síndrome Alcoólica Fetal, SAF, a mais séria das desordens do espectro FASD”, alerta o especialista. De acordo com ele, crianças portadoras da SAF completa manifestam não apenas alterações comportamentais, como também físicas desde o nascimento – mais de 400 já foram listadas, mas as principais delas são a microcefalia, isto é, cabeça e crânio pequenos, e as dismórficas faciais típicas, como olhos pequenos, lábio superior fino e fissuras palpebrais curtas.
Além disso, os bebês com a síndrome tendem a crescer de forma lenta dentro do útero e a apresentar, já nascidos, baixo peso relativo à altura, deformidades nas articulações, problemas no coração, nos rins e nos ossos. Estima-se que para cada indivíduo com a SAF completa, existam ao menos 10 com outras desordens em todo o mundo. Isso corresponde de 1% a 3% da população geral.
Embora essas alterações variem de pessoa para pessoa e dependam da quantidade de álcool ingerido ao longo da gravidez, Constantino diz que é preciso salientar que não há nível seguro de consumo; adotar abstinência total é a única maneira de prevenir as doenças.
“O conteúdo de qualquer ‘copinho’ inocente pode atravessar a proteção da placenta e diminuir a quantidade de oxigênio enviada ao feto, prejudicando o desenvolvimento cerebral e a formação óssea”, enfatiza.
Por colocarem em risco o aleitamento materno, bebidas também são desaconselhadas depois do nascimento. O álcool é transferido para o leite entre 30 e 60 minutos após a ingestão, e pode alterar o cheiro e o sabor, levando o bebê a recusar o alimento, e reduzir sua produção, pois inibe a fabricação do hormônio prolactina, responsável por ela.
Sintomas como sonolência, sudorese, sono profundo, fraqueza e, por conseguinte, ganho anormal de peso, diminuição do crescimento linear e outros riscos rondam os pequenos.
Ainda sobre a questão, o médico diz que os dados brasileiros sobre o problema são “localizados e insuficientes”. Conforme ele, estimativas mundiais indicam que uma em cada 13 mulheres que bebem durante a gestação darão à luz um bebê com FASD, o que resulta no nascimento 630.000 portadores de desordens fetais alcoólicas todos os anos ao redor do globo.
“Importante frisar que essas crianças podem sim viver com mais qualidade se submetidos, o mais cedo possível, a um bom acompanhamento com obstetras, pediatras, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, psicólogos, psiquiatras e outros profissionais; entretanto, como estamos falando de doenças sem cura ou tratamento exato, o melhor caminho sempre será evitá-las antes que surjam”, alerta.
O médico menciona, ainda, que a moderação é uma palavra que deve sempre permanecer no radar das gestantes e da sociedade. “Quando de gestação, zero álcool”, destaca.
Para discutir a questão, traz dados do levantamento realizado pelo Centro de Informações sobre Saúde e Álcool (CISA), com informações do DATASUS 2021. Segundo Constantino, o consumo abusivo de bebidas alcoólicas, caracterizado pela ingestão de quatro ou mais doses, cresceu 4,25% entre as brasileiras na última década. “Investigar as razões por trás do aumento é urgente. Vidas de mães e filhos, afinal, estão em jogo”, afirma.
Para alertar sobre a questão, e em razão do Dia das Crianças, a SBP realiza durante todo o mês de outubro uma série de ações de conscientização em sua campanha permanente #gravidezsemálcool. A iniciativa recebe apoio da SPSP (Sociedade de Pediatria de São Paulo), do IOMP (Instituto Olinto Marques de Paulo, Associação Médica Brasileira e da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia), consistindo em divulgação de informações cientificamente sólidas para “não dar brecha para a SAF”.
“Fica a dica: se ama, não beba. Seu bebê será saudável e teremos novas gerações mais felizes”, conclui.