Nesta semana recente, dois dos maiores patrimônios históricos e culturais de Tatuí ganharam o noticiário por motivos distintos: um, pela queda de uma árvore que lhe danificou o muro; o outro, pelo anunciado tombamento municipal.
Embora uma notícia seja ruim e a outra, boa, ambas as situações indicaram pelo menos um aspecto muito positivo em comum: o apreço ainda presente em muitos tatuianos por algo que extrapola seus tesouros imóveis, alcançando a instância imaterial da cultura e até da riqueza afetiva por “nossa” história.
Tanto o Mercadão – como é chamado popularmente – quanto o Casarão dos Guedes e o complexo fabril da extinta Fábrica São Martinho não são apenas belas edificações – carentes de cuidados, sem dúvida – mas, acima disso, fazem parte da própria “identidade” do tatuiano.
Por este aspecto, é muito animador observar o lamento e a indignação de muitos frente ao acidente pelo qual o muro do casarão acabou danificado, tal como a evidente necessidade de manutenção de todo o complexo. Isso demonstra, afinal, que a população ainda valoriza a cidade.
Esse sentimento pode parecer obrigação, mas não necessariamente é real, presente, unânime, muito menos em momento tão conturbado quando quase todos enfrentam tantos desafios ao mesmo tempo. “Gostar de sua terra e dar valor a ela” chega a parecer um privilégio.
Portanto, o ânimo advém do fato de que, sim, muitos querem a preservação – como a devida manutenção e/ou revitalização – do Mercadão, do complexo da Fábrica São Martinho, da Santa Adélia, da capela do Bemfica e, entre outros patrimônios, até do Conservatório como sempre foi: uma instituição formadora de músicos de excelência.
Óbvio que, neste caso, são citados em conjunto por carregarem, em comum, o fato de serem todos “patrimônios” de Tatuí. Uns, contudo, são de propriedade privada; outros, da cidade, que podem ou não ser levados à iniciativa privada; enquanto o CDMCC pertence ao estado, sendo gerido por uma organização social.
Para a população, contudo, não faz a mínima diferença. Importa é que o Mercadão seja preservado e revigorado; que a São Martinho não caia de vez e venha a ser, quem sabe um dia, um dos espaços culturais e turísticos mais bonitos do estado de São Paulo; que a escola de música siga como a “maior da América Latina”.
Prova de que os tatuianos compactuam com esse desejo é evidente pela comoção gerada a partir da queda da árvore que causou estragos em parte do muro frontal do “Casarão dos Guedes” na tarde de quinta-feira da semana passada, 10, também danificando postes de iluminação e causando a interrupção da transmissão de energia na região central.
De acordo com Rogério Vianna, presidente do Condephat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico e Artístico de Tatuí) e diretor do Departamento Municipal de Cultura, a árvore acabou caindo naturalmente, devido ao desgaste do tempo.
Vianna informou que o Condephat fora notificado do ocorrido no entardecer de quinta-feira, e alguns membros estiveram no local para acompanhar o ocorrido, visto que o complexo São Martinho pertence ao conjunto de bens tombados pelo estado de São Paulo.
Segundo ele, a equipe está elaborando um relatório da ocorrência, que, posteriormente, será encaminhado ao proprietário do imóvel “para que tome as devidas providências”.
O Casarão dos Guedes faz parte do complexo da Fábrica São Martinho, tombado pelo estado desde dezembro de 2007, por meio do processo 31.877/94, do Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico) de São Paulo, e que poderá ser reconhecido como patrimônio histórico nacional.
O processo, para um possível tombamento federal do conjunto arquitetônico, está em andamento no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional). O órgão aceitou dar início à análise do procedimento em janeiro do ano passado.
O conjunto fabril soma 10 mil metros quadrados, tendo sido composto por fábrica, casarão de morada dos antigos proprietários (atualmente pertencente a um empresário), 25 casas para moradia dos operários, armazém e farmácia, além de quadra e área livre.
Já na segunda-feira, 14, a boa notícia: a prefeitura havia expedido o decreto municipal 22.068/2022, que trata do tombamento do Mercado Municipal “Nilzo Vanni”. O Executivo informou ter planos de melhorias no espaço, sem que o imóvel perca as principais características histórico-culturais.
O pedido de tombamento do prédio foi feito pelo Condephat, “em virtude de sua beleza arquitetônica imponente no centro da cidade, de sua importância como espaço de lazer, consumo e relações sociais e afetivas de toda a sociedade local, que abrange um público diverso, de diferentes idades e classes sociais”.
“É raro o tatuiano que não tenha alguma memória com o edifício, com os comerciantes que ali trabalharam ou ainda trabalham e com os produtos lá vendidos. Sendo assim, esta comissão propõe o tombamento do edifício do Mercado Municipal de Tatuí”, diz um trecho do relatório do pedido de tombamento.
A assessoria de comunicação da prefeitura, no mesmo comunicado sobre o decreto de tombamento, lembrou que, em 2021, a Câmara Municipal já havia aprovado o projeto de lei do Poder Executivo pelo qual fora solicitada a concessão do Mercadão para a iniciativa privada.
O prazo da concessão está sendo ainda estudado e pode chegar a até 30 anos. Um levantamento da situação financeira do Mercadão mostra déficit anual de aproximadamente R$ 300 mil, conforme a assessoria.
Ainda segundo a administração municipal, a prefeitura trabalha com o objetivo de passar para a iniciativa privada a administração do Mercado Municipal no modelo de concessão, exigindo, em troca, investimentos na revitalização do imóvel e a preservação do que ainda existe de relevância histórico-cultural, como a fachada do prédio.
Entre todas as ocorrências e notícias, boas e ruins, vale novamente ressaltar que patrimônio público, muito mais que pertencer ao estado, à federação, ao município ou esteja sob a iniciativa privada, “é do povo”!
Assim precisa ser cada vez mais reconhecido, não como “coisas que não têm dono”, mas, sim, como pertencentes a “todos nós”! Isso vale tanto para a calçada diante de nossas casas, que precisam ser cuidadas também pelo munícipe, quanto para os patrimônios históricos e culturais.
Tudo integra e determina a nossa identidade. E disto não podemos abrir mão, jamais! Afinal, a história e pertences da família de cada um de nós merece ser lembrada e resguardada tanto quanto precisa permanecer em pé o muro – e o complexo – de uma fábrica tão vital para uma comunidade, como a São Martinho para Tatuí.