Ainda dúvidas sobre o Conservatório de Tatuí

A partir de entrevista do maestro Edson Beltrami publicada no jornal O Progresso de Tatuí no final de semana passado, deu-se mais um impulso às discussões e questionamentos envolvendo o Conservatório Dramático e Musical “Dr. Carlos de Campos”, de Tatuí.

A situação na cidade já era de amplo domínio público e, antes, também ganhara a imprensa nacional, embora mais por conta de entrevero ocorrido entre o vereador Eduardo Dade Sallum e o secretário da Cultura e Economia Criativa de São Paulo, Sérgio Sá Leitão, durante a visita do gestor estadual a Tatuí.

Naquela oportunidade, a discordância partiu de apontamento sobre os orçamentos destinados à escola de música, teatro e luteria pelo estado, os quais, segundo o vereador, deveriam ter redundado na casa de R$ 48 milhões em 2021, se houvesse reajuste pelo IPCA desde 2010. Neste ano, está sendo concluído em R$ 26 milhões.

Também em razão disso, o jornal O Progresso de Tatuí apresentou, junto à entrevista com Beltrami, um estudo considerando os orçamentos dos últimos dez anos, tomando como base de reajuste para 2021, contudo, a inflação do período, o que resultou em R$ 40 milhões – segundo a calculadora disponibilizada pelo Banco Central do Brasil.

Nesta semana, por sua vez, o governo do estado confirmou oficialmente o que Sá Leitão já havia antecipado quanto ao repasse para o Conservatório em 2022, estimado em R$ 27,5 milhões.

Desta forma, ressaltou ser o maior aporte levado à escola recentemente, o que numericamente é fato (o maior de todos somou R$ 28,476 milhões em 2015). Porém, o número absoluto não leva em conta a dilapidação financeira ocorrida na última década.

Pela mesma lógica, seria de se reconhecer, por exemplo, que o salário-mínimo de 2022 será o maior da história. E será mesmo, porém, também com uma das maiores perdas de poder de compra dos anos 2000 – a se colocar na conta a inflação de preços a mais afetar exatamente os que ganham menos.

Sim, é correto e necessário reconhecer que tamanha perda não se deve a este governo estadual em particular – e nem mesmo à atual gestora do CDMCC, a Sustenidos Organização Social de Cultura – dado o desprestígio orçamentário do Conservatório estar ocorrendo bem antes das atuais mudanças administrativas.

Mais até: nestes anos recentes, em meio à crise financeira nacional profunda e, em seguida, à pandemia de Covid-19, os orçamentos do Conservatório mantiveram-se estáveis, previstos em torno de R$ 23,5 milhões em 2020, R$ 23,9 milhões em 2021 (chegando aos 26 milhões com aporte posterior) e, agora, subindo para os R$ 27,5 milhões no próximo ano.

De resto, a menor relevância reservada à cultura não é chaga exclusiva de São Paulo, senão do Brasil todo nestes últimos anos. E enquanto não se acordar para a importância da cultura – que tem tudo a ver com educação! –, a tendência é só de piora…

Certo, não obstante, é que a entrevista com Beltrami acabou repercutindo também muito além das fronteiras locais, embora com foco mais oportuno pela grande imprensa, a observar aspectos muito práticos concernentes às mudanças propostas para o Conservatório.

O maestro, inclusive, que aguardava a demissão para o final de ano, teve-a antecipada, sendo desligado do Conservatório quatro dias depois da entrevista veiculada em O Progresso de Tatuí e ainda em meio à repercussão em outros veículos nacionais.

A perda desse profissional para a escola francamente não parece ser positiva.  Entretanto, as questões levantadas por ele têm sido positivas quanto à ampla divulgação, não necessariamente porque seriam capazes de impor retrocessos profundos no plano administrativo da OS e do estado, mas simplesmente porque, sendo o Conservatório um importantíssimo patrimônio público – tatuiano, paulista e brasileiro –, tudo a ele relativo deve ter a atenção e, se possível, participação da comunidade local, estadual e nacional, sobretudo em suas mudanças didáticas.

Por este prisma, os orçamentos correspondem ao “menor dos maiores” questionamentos.  Afinal, já não havendo novas perdas em meio a tantos desafios nacionais, todos alheios à pasta da Cultura paulista, é de se reconhecer o significativo reajuste deste ano para 2022. Muito bom por este aspecto.

Contudo, a própria sustentação de um orçamento razoável a ser percebido pelo Conservatório acaba dando ênfase, então, a um dos dois maiores questionamentos a manter a polêmica: a dispensa dos professores bolsistas.

Os argumentos em contrário são claros: se não falta dinheiro, por que as demissões? Cumprindo com sua obrigação – até para se contrapor às supostas “fake news” a envolver a escola -, o jornal O Progresso de Tatuí procurou a Secretaria de Cultura e Economia Criativa.

Conforme a Secec, basicamente, as demissões são passíveis de ocorrer em qualquer órgão público e privado e, no caso de Tatuí, não devem implicar em menos postos de trabalho, apenas em substituições de profissionais.

Há expectativa neste sentido, de que realmente não aconteçam demissões em grande número. O próprio maestro acentua que “tudo pode mudar”, e assim se espera.

No entanto, ainda segundo a Secec, menos monitores, por sua vez, abririam espaço a maior protagonismo dos alunos nos grupos pedagógicos da escola, inclusive com mais estudantes recebendo bolsas de estudo.

Este, finalmente, é o maior ponto de discórdia não entre este jornal (que jamais usou o termo “desmonte” sobre o Conservatório, tampouco repercutiu “fake news”), mas, sim, entre a secretaria e a Sustenidos, de um lado, e diversos profissionais ligados à escola, de outro – cujo mais significativo a se expor até agora é o maestro Edson Beltrami.

Não cabe a este veículo, que é de comunicação e não de ensino musical, firmar juízo de valor sobre as aparentemente profundas mudanças na didática propostas para o CDMCC, mas ignorar os apontamentos dos profissionais também não é opção.

Sustenta a OS e a secretaria que mudanças são necessárias para corrigir falhas e impor “modernidade” ao ensino proporcionado pelo Conservatório, com “uma atualização da proposta pedagógica, em sintonia com os mais modernos métodos de ensino no mundo”.

Complicado de os leigos sobre música – os tatuianos em geral, por conseguinte – entenderem o que havia de equívoco e “antigo” na didática para se implementar alterações aparentemente tão robustas. Esta coloca-se como a maior dúvida.

E a incógnita ganha ainda mais estofo quando se observam as ponderações do maestro Edson Beltrami na entrevista em O Progresso de Tatuí, na qual aponta que mais preocupa os professores e funcionários da escola a “descaracterização” do método de ensino, principalmente em consideração ao modelo de “monitoria” – ameaçado pelas demissões.

Beltrami argumenta que esse modelo, seguido até então pelo Conservatório de Tatuí, tem a finalidade de preparar o estudante de música para a “realidade do mercado de trabalho, oferecendo a prática em grupos artísticos, ao lado de profissionais e solistas de alto nível”.

“Toquei dez anos na Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo) e posso garantir que o que me fez tocar e ter sucesso foi ter entrado na Orquestra Sinfônica do CDMCC e tocado ao lado do meu professor”, acentua o maestro, apontando que ele e muitos outros ex-estudantes, hoje em orquestras do Brasil e do exterior, passaram pela experiência de tocar com profissionais durante o processo de aprendizagem.

Para Beltrami, nenhum modelo sem os monitores poderia substituir o que existe atualmente no Conservatório de Tatuí. Ele afirma que modificar o método também pode prejudicar a carreira do estudante de música, enfatizando que, com as mudanças propostas, haverá uma consequente limitação do repertório dos grupos artísticos.

“Isso tudo é só uma forma de ‘acabar’ com o Conservatório. Eu não gosto muito deste termo, mas, de fato, se mudarem todo este esqueleto que temos desde que o Conservatório foi criado, reduzirão o nível da instituição. Ou seja, o ensino vai ter o estágio final um degrau abaixo do que é hoje”, reforça o maestro.

Como se nota, as preocupações são plenamente justificáveis, merecendo um grande debate e participação a mais ampla possível – evidentemente em espaço muito mais sério, equilibrado e maduro que as redes sociais, sob a banalizada expressão “fato ou fake”.