Com o passar dos anos, inexoravelmente chegamos à conclusão de que, numa sociedade, quer do ponto de vista pessoal, quer do ponto de vista coletivo, a liberdade se configura como a grande redentora das tensões entre grupos sociais e políticos. Fica evidente que, numa democracia plena, deve existir um limite ao exercício dessa liberdade, pois o excesso pode promover ideologias perigosas, assim como apregoar ódio e racismo. A democracia, portanto, no seu bojo, contempla um limite na proteção das minorias, sejam elas quais forem.
Infelizmente o que temos observado no mundo pós-moderno é o crescimento da intolerância religiosa por parte de grupos extremistas, o estado islâmico fazendo uso de vídeos para provar até que ponto eles estão dispostos a agir para atingir seus desideratos, causando imensa preocupação principalmente nos Estados Unidos e na Europa. No Brasil, isso se dá de forma branda, até porque somos um país laico. De algum modo, grupos religiosos sempre participaram da nossa política, ainda que discretamente. Na época do regime militar quem dava as diretrizes era uma ala da Igreja Católica; atualmente temos a bancada evangélica que, com muita força, direciona setores da política no Brasil. É bem verdade que isso ocorre em todas as democracias, mas podemos afirmar que tal fato não significa um ganho para as minorias religiosas, que têm de se valer cada vez mais dos chamados “diálogos inter-religiosos”, que abrigam representantes de vários países, na tentativa de promover um respeitoso convívio entre todos os credos.
Essa experiência, do envolvimento religioso na política de forma mais ostensiva, não considero saudável, pois a meu ver acaba discriminando ou intimidando as minorias religiosas. Hoje, no Brasil, temos a candidata Marina Silva que traz certa mística evangélica, por vezes discreta, mas que, em alguma medida, poderia apontar um caminho de viés religioso para o Brasil, embora ela jamais tenha mencionado tal intenção. E, como já sabemos, misturar religião com o Estado não é a forma mais saudável de exercer uma democracia. O mais interessante é que há 30 anos não poderíamos imaginar que conceitos religiosos pudessem dar o ritmo de algumas democracias, e que o avanço dessa participação poderia se tornar perigoso – como já se observa no Oriente Médio. É importante salientar que talvez o único país que se esforça para conter o fundamentalismo religioso ortodoxo e insiste nas políticas afirmativas na aceitação da diversidade religiosa é Israel, uma verdadeira democracia, onde as minorias religiosas são efetivamente cada vez mais respeitadas.
Espero que o Brasil não trilhe esse caminho de ameaça às minorias, como se vê na Europa e no Oriente Médio. É um processo que pode ocorrer sem que se perceba. Aliás, a intolerância legitimada através de qualquer religião é uma das formas mais perigosas de chegarmos perto das tragédias que já assolaram a humanidade, pois a crueldade justificada, quer por religião, quer por racismo, se torna purificada, insensível e violenta.
* Advogado, jornalista, mestre em “direitos fundamentais”, membro efetivo da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP