Bill Haley e o balanço das urnas





“One, two, three o’clock, four o’clock rock / five, six, seven o’clock, eight o’clock rock / nine, ten, eleven o’clock, twelve o’clock rock / we’re gonna rock around the clock tonight”. Em 1955, quais de nossos pais ou avós não dançaram ou curtiram Bill Haley (pronuncia-se “rêilei”) e seus Cometas, o “rock” da classe média branca, destilado das ricas origens afro-americanas, ritmo que mudou o mundo? Devem a ele Elvis Presley, The Beatles e uma legião de outros artistas. “Vista seu belo vestido, docinho, nós vamos nos divertir quando o relógio bater” (Trad. livre do autor). “Nós vamos dançar ao rodar do relógio esta noite / vamos dançar, dançar, dançar até raiar forte a luz do dia / nós vamos dançar, vamos ao rodar do relógio esta noite” (T. do A.).

O balanço de Haley chegou à classe média brasileira, inspirou a Jovem Guarda e influenciou toda a nossa música popular, notadamente via Tropicalismo, e foi tema de novelas e inúmeros filmes. “Rock” não quer dizer “pedra”, é um verbo que significa balançar, na dança às vezes plena de estripulias, saltos, malabarismos com as mocinhas de vestidinhos pregueados e pernas para o ar. E “Rock’a’by baby / on the tree top / when the wind blows / the cradle will rock…” é letra de uma cantiga de ninar tradicional dos EUA, que eu cantava para meus filhos, segredo do bom embalar: “Balança, bebê / sobre o topo da árvore / quando o vento sopra o bercinho balança / se o galho se quebra o bercinho cai / com ele o bebê, e tudo se vai” (T. do A.).

Haley e sua dança de números vieram-me à mente na semana que se passou, ao assistir na TV a uma reportagem sobre uma pesquisa eleitoral brasileira. Onde será que 2.000 pessoas foram entrevistadas? A pesquisa aconteceu via telefone ou nas ruas? Mais: a listagem dos candidatos estava em um círculo a ser girado e entregue à livre escolha do paciente (em duplo sentido) da entrevista? Ou estava em ordem alfabética ou trocada, favorecendo algum nome? Mais importante: o método atende proporcionalmente ao universo de eleitores segundo sua distribuição pelo país? (Cada estado da União, classes sociais, a formação escolar e outros parâmetros fundamentais?).

Muitos perguntam: “Você, por acaso, já foi entrevistado? Pois eu nunca.” Eu tive a infelicidade de ter sido, em uma eleição para prefeito de São Paulo. Perto de casa, uma senhora me parou, e com o famoso “disco aleatório”, sem girá-lo, o dedo em cima do nome de um candidato, então tido como  favorito, ao invés de me mandar escolher, perguntou-me: “O senhor votaria neste candidato?”. A pesquisa estava viciada. Disse apenas adeus.

Naquele ano, o nome que foi apontado era favorito na pesquisa, a boa distância da segunda colocada, mas perdeu por uma “súbita mudança” (sic) nos últimos três dias, um passe de mágica. Ungida, a prefeita tomou posse ante a surpresa da enorme reversão das expectativas.

Ainda nesta semana que passou, um importante instituto de pesquisas eleitorais, por encomenda de um grande jornal brasileiro e uma das maiores empresas de televisão aberta, interpretaram os mesmos números de formas diferentes: de acordo com o jornal, uma candidata “amplia vantagem” (manchete de primeira página) sobre sua concorrente, em vista de um “acréscimo” duvidoso em qualquer estatística: coisa da ordem de 2% a mais para uma e 1% a menos para outra. Por sua vez, a emissora noticiou que as posições das duas supostamente mais bem colocadas se mantiveram, e ressaltou o mais importante, o virtual empate no segundo turno, coisa que não mereceu destaque na manchete do jornal. E nada de outros candidatos na chamada!

Nação de primeiríssimo mundo, o Reino Unido realizou recentemente um referendo sobre a independência da Escócia. As pesquisas, feitas por órgãos independentes e confiáveis em um país tido como absolutamente sério, mostravam uma constante: 4% de diferença em favor do “não”. Mas o resultado final passou ao largo das duas maiores pesquisas: a diferença entre o “sim” e o “não” foi de 10% – um “erro” de 6%, um enorme desvio estatístico às vésperas do pleito! Isso, em um país tão sério que o líder do voto pelo “não” no parlamento escocês, Alex Salmond, imediatamente reconheceu a derrota e pediu aos compatriotas que a acatassem, e apoiassem a permanência do país no Reino Unido.

Em breve paralelo com a economia, ciência econômica por definição, que interpreta números. Pois números são sujeitos a visões e visões, tanto que há escolas como a de Cambridge, do MIT, de Harvard ou de Chicago, que de certa forma utilizam suas formas de pensar os números de forma bem particular, sob óticas e ideologias diferentes, até rivalizando-se. Voltando às nossas pesquisas, não vou fazer ilações (por falta confessa de elementos) sobre métodos, confiabilidade, margens de erro e menos ainda a lisura dessas pesquisas, encomendadas por órgãos de imprensa, confederações e outros. Se na economia há números voláteis, cifras que se reportam a situações reais, na política, mesmo que ouvindo apenas 2.000 pessoas de uma população de mais 142 milhões de eleitores (0,0014%, ou uma opinião para cada 17 mil votantes!), os resultados carregam o discreto charme da profecia. O melhor a fazer, portanto, é esquecer a “Lei de Gérson” (“o brasileiro gosta de levar vantagem em tudo”) pensar e usar o coração na hora de votar, deixando o resultado à decisão do povo, entre todos os candidatos. Do balanço do Bill Haley, fiquemos com a música que o elegeu estrela, com seu ministério de incríveis “Cometas”.