Da reportagem
As denúncias de violência doméstica registraram recorde entre os meses de janeiro e dezembro de 2020. O número de inquéritos instaurados por agressões contra mulheres subiu 23,7% na comparação com 2019.
De acordo com estatísticas divulgadas pela SSP (Secretaria de Segurança Pública do estado de São Paulo), a DDM (Delegacia de Defesa da Mulher) local instaurou 460 procedimentos policiais por violência doméstica em 2019. Já em 2020, foram 109 denúncias a mais, totalizando 569 inquéritos.
O número do ano passado representa média de 1,5 ocorrência de violência doméstica a cada 24 horas e é o maior registrado desde 2014, quando a DDM instaurou 601 investigações por agressões contra mulheres.
Em contrapartida, o número de flagrantes caiu 8,33%, passando de 72, em 2019, para 66, no ano passado. Já as prisões efetuadas reduziram 22,97%, com queda de 74 para 57 pessoas presas no período.
O aumento nas ocorrências de violência doméstica também é apontado pelos relatórios da Patrulha da Paz, programa especializado no atendimento e proteção de mulheres vítimas de violência, mantido pela Guarda Civil Municipal, em parceria com o Núcleo de Justiça Restaurativa, por meio de convênio com a prefeitura.
Conforme levantamento da GCM, nos 12 meses, houve aumento de 1,92% no registro de atendimento aos casos de agressão contra mulheres em relação ao mesmo período de 2019, passando de 52 para 53 ocorrências.
Já na comparação com os dados de 2018, o aumento chega a 130,43%. Na ocasião, a GCM atendeu 23 casos de violência doméstica. Os números consideram apenas os atendimentos que geraram boletim de ocorrência.
O secretário da Segurança Pública e Mobilidade Urbana, coronel Miguel Ângelo de Campos, apontou o isolamento social – iniciado em março de 2020, como medida de prevenção à Covid-19 -como um dos fatores que contribuíram para o aumento dos índices.
O estado de São Paulo vive desde 24 de março sob o isolamento social, regulamentado por decreto do governador João Doria. As regras da quarentena são válidas para todos os municípios.
Ele também acentuou ter ocorrido aumento mais significativo de registros a partir do segundo semestre,quando ocorreu o início do cadastramento das mulheres vítimas de violência pelo programa Patrulha da Paz.
“O fato de ter um programa com foco na questão da violência doméstica acaba fazendo com que mais pessoas denunciem os agressores. Com o programa, elas estão sob a proteção da Justiça”, argumentou o secretário.
O programa foi lançado em fevereiro de 2020, contudo, também devido à pandemia, o início do cadastro das vítimas atrasou e a GCM precisou replanejar as ações do programa junto com a Justiça Restaurativa, começando os cadastros no mês de junho.
De 26 de junho de 2020 até janeiro deste ano, 53 mulheres se cadastraram no programa de proteção às vítimas de violência – a maioria com medidas protetivas expedidas pela Justiça.
“Com o início do programa, nós passamos a ser um braço de apoio para as medidas protetivas que a Justiça concede para as mulheres, fazendo com que sejam cumpridas as ordens judiciais e dando proteção às vítimas”, frisou o secretário.
A Patrulha da Paz conta com rondas específicas, além de suporte aos programas sociais já existentes no Creas (Centro de Referência Especializado de Assistência Social), Justiça Restaurativa, Polícia Civil e CMDM (Conselho Municipal dos Direitos da Mulher).
Conforme o secretário, todas as famílias cadastradas no programa estão recebendo visita da viatura da Patrulha da Paz e são assistidas por uma equipe especializada, por meio do Núcleo de Justiça Restaurativa.
Com o programa, a partir das notificações de violência junto ao Judiciário e da emissão das medidas protetivas, é feito um cadastro da vítima e do agressor, e os guardas que atuam na patrulha passam a fiscalizar eventuais descumprimentos das ordens expedidas.
Entre as principais medidas protetivas urgentes estabelecidas pela Lei Maria da Penha, estão o afastamento do agressor do lar ou local de convivência com a vítima e as proibições de contato e aproximação entre vítima e agressor.
A legislação prevê até a prisão preventiva como meio de assegurar o cumprimento da ordem judicial.
As mulheres atendidas pelo programa ainda contam com o auxílio de um aplicativo chamado “Botão de Pânico” – ferramenta desenvolvida pela GCM Érica Renata Vieira da Rocha em parceria com o GCM Darci Corrêa Júnior.
O aplicativo é instalado no celular da vítima e, caso o agressor não mantenha distância mínima garantida pela Lei Maria da Penha, ou a mulher se sinta ameaçada, ela pode acionar a GCM por meio do dispositivo.
Para usá-lo, a interessada deve fazer cadastro por meio do atendimento da Justiça Restaurativa. A GCM é responsável pela instalação do aplicativo no dispositivo da vítima e, com isso, a ferramenta passa a fornecer informações à Patrulha da Paz.
Todas as mulheres cadastradas pediram a instalação do “botão do pânico”. Segundo Campos, tanto a visita do programa quanto o uso do aplicativo devem ser consentidos pelas vítimas para que a GCM possa atuar.
Campos enfatizou que o aplicativo serve para que a GCM tenha mais rapidez e passe a priorizar o atendimento das vítimas, deslocando as equipes mais próximas ao local da ocorrência.
“A mulher que já está cadastrada aperta o botão do aplicativo e, imediatamente, aciona a GCM. Como os agentes já terão todos os dados em mãos por meio do sistema, a viatura logo estará no local indicado. A própria ferramenta dará a localização da vítima”, explicou o secretário.
O botão de pânico gera, automaticamente, uma ocorrência de risco à integridade física, pelos centros de operações da GCM. O atendimento é priorizado e a viatura utiliza as coordenadas geográficas da pessoa – entre outros dados do cadastro – para encaminhar a equipe policial mais próxima.
Com os cadastros, foram realizadas, em média, 20 visitas e atendimentos diários, além de 15 acionamentos do botão do pânico no segundo semestre do ano, os quais resultaram em sete prisões por descumprimento de medida protetiva.
“Além destas prisões, ocorreram outras dez, realizadas por equipes da GCM que não fazem parte da Patrulha da Paz, totalizando 17 homens presos por agressão contra a mulher”, acrescentou o secretário.
Com o lançamento do programa Patrulha da Paz, as atividades do Núcleo de Justiça Restaurativa de Tatuí foram realinhadas e as mulheres vítimas de violência também passaram a ser encaminhadas ao Centro de Apoio à Vítima de Violência.
Tanto a vítima que recebe a medida protetiva quanto aquela que tem um processo sem a medida serão intimadas e comunicadas pelo Ministério Público e pelas varas criminais para que compareçam no Núcleo de Justiça Restaurativa em dois dias específicos.
Nessas datas, um membro da Patrulha da Paz estará na sede do serviço judicial para fazer o acolhimento da vítima, explicar como funciona o botão do pânico e acertar como serão realizadas as visitas do programa.
Campos ainda enfatizou que, para o atendimento, as equipes realizam treinamento específico. Antes do lançamento do programa, o NJR promoveu capacitação para todos os GCMs (mais de 150 homens e mulheres) com um curso de qualificação que abordou os temas “Justiça Restaurativa”, “cultura de paz” e “violência doméstica”.
Mesmo na pandemia, órgãos como a GCM, Justiça Restaurativa, DDM, Polícia Civil e Polícia Militar, além de outros serviços sociais que prestam atendimento às mulheres vítimas de violência, continuam em funcionamento. Há, ainda, o atendimento pela delegacia eletrônica.
Para ser atendida pelo programa, existem dois caminhos: o formal, por meio de encaminhamento da Justiça, e o informal, das mulheres vítimas que se sentem ameaçadas ou foram agredidas e querem a proteção, mas não a denúncia formal.
Para ser cadastrada no programa, basta entrar em contato com a Justiça Restaurativa pelo (15) 99629-8316. O número é exclusivo ao atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica. Ou, ainda, pelos telefones da GCM: 199 e 153.
Também é possível procurar o Núcleo de Justiça Restaurativa às quartas-feiras e sextas-feiras, das 9h às 17h, para atendimento presencial, à praça Paulo Setúbal, 71, centro, preferencialmente com atendimento agendado.
Para finalizar, Campos frisa a importância da denúncia e classifica o serviço da Patrulha da Paz como “fundamental” para o enfrentamento à violência doméstica no município, salientando que poucas cidades contam com programas desse tipo.
“O programa acaba incentivando a denúncia e essas visitas acabam inibindo outras violências. Acredito que, se não fossem essas visitas, os números da violência poderiam ter sido ainda maiores durante a pandemia”, concluiu Campos.