No Estado de Mato Grosso do Sul, o rio Taquari, afluente do rio Paraguai, encontra-se ameaçado pelo desmatamento desenfreado na região e pela poluição. Em um grande trecho, enormes bancos de areia soterraram o rio, formando pequenas ilhas e impedindo a reprodução dos peixes, que necessitam subir as corredeiras para a piracema. Infelizmente, esse desastre tem sido comum no país, como preço pelo progresso.
Mas, até a década de 1980, esse rio era famoso pela quantidade de peixes, fazendo com que turistas de todo o país fossem até suas margens, para pescar. Peixes enormes, e em grande quantidade. Dourados, jaús, pacus, tambaquis, pintados… aos pescadores amadores era difícil identificar o peixe, pois eram tantos.
Aqui em Tatuí já houve um tempo em que a pescaria era abundante. Ali mesmo no distrito de Americana, cujo início foi uma vila de pescadores. A poluição das águas do rio Sorocaba impediu, por muitos anos, a existência de peixes. Os poucos que sobreviviam não eram próprios para o consumo, pois, praticamente, estavam envenenados.
Mas sempre teve pescadores na cidade. Amadores, claro. Com a fama dos peixes enormes do rio Taquari, muitos tatuianos iam até o Mato Grosso do Sul pescar. Um belo passeio, mas que demandava muitos preparativos. Era necessário acampar às margens do rio, em locais devidamente preparados e nas áreas mais piscosas.
Certa ocasião, um grupo especial de tatuianos resolveu ir até lá. Descansar, conversar, beber, churrasquear e, quem sabe, até pescar. Eram todos frequentadores do bairro 400, e reuniam-se no bar do Darci, local onde hoje há uma papelaria, e no Celso do Óleo.
O bairro 400 sempre foi movimentado, mas, nessa ocasião, era uma espécie de centro comercial, principalmente devido à Casa Machado, do seu Juca Machado, uma loja de materiais de construção, ferragens e outros artigos, que era movimentadíssima o dia todo. Além dessa loja, havia armazéns, farmácias, pequenas lojas e a famosa Troca de Óleo do Celso do Óleo, um estabelecimento que até hoje está presente no bairro, com serviços para automóveis.
A principal característica dessa empresa prestadora de serviços automotivos é o convívio entre amigos. Quando não está atendendo clientes, o Celso está preparando algum tipo de comida, apreciada pelos amigos, que desde cedo ficam rodeando as panelas. A troca de óleo do Celso do Óleo é um patrimônio do bairro 400.
Pois em 1980, foi quando estavam reunidos no bar do Darci e na troca de óleo do Celso, que alguns tatuianos combinaram ir ao rio Taquari. Quem? Formigão Soares, Dinho Mecânico, Gentil Mota, Toninho Soares, Zinho Rosa, Noi, Lajota e Marcos Violino. Se colocar os nomes dessas pessoas ninguém saberá quem são, pois apelidos são comuns em Tatuí.
Pois bem, depois dos preparativos, viajaram ao Mato Grosso do Sul, levando o equipamento de pesca e as barracas em uma camionete, distribuindo os viajantes em três veículos. Chegando lá, acamparam em um local apropriado, onde havia alguma infraestrutura que permitia um conforto relativo, com água e energia elétrica, além de sanitários e banheiros.
Conversas mil, brincadeiras, gozações e pouca pescaria. E tudo acompanhado de muita cerveja. Os peixes que esperassem, pois a cerveja era mais importante. Ninguém ligava, mesmo sendo a vítima das gozações, pois em poucos minutos já estaria caçoando de outro, em um rodizio interminável de bullying. Bullying e cerveja. Latinhas e mais latinhas.
Como o descarte das latinhas era intenso, logo surgiu um catador. Um homem alto, já um tanto combalido, mas que mostrava traços de uma constituição física forte. Com esse físico, logo dominou o local, despachando para longe outros catadores que por lá surgiram.
Para dar mais autoridade em sua pessoa, principalmente diante dos resmungos dos outros catadores, o homem afirmava que era militar.
– Sou militar do Exército! – papeava constantemente.
E continuou papeando o tempo todo junto aos tatuianos, com a mesma ladainha de que era militar. Pois então, se o bullying corria solto entre os amigos, a coisa não ia ficar assim.
O Formigão chamou o homem e disse:
– O senhor também é militar? Aqui todos nós somos! – mentiu, deixando o sujeito com um ar de admiração.
E começou com as apresentações:
– Eu sou o coronel Lúcio Seabra, este aqui à direita é o coronel Bento Pires, este outro, o capitão Lisboa, aquele é o coronel Aureliano… e prosseguiu dando nomes a cada um dos amigos com os nomes de fazendeiros e políticos tatuianos que adquiriram patentes da antiga Guarda Nacional, como era praxe no passado, e que hoje denominam algumas ruas em Tatuí.
Formigão deu nome para quase todos, mas não se lembrava de mais uma rua de Tatuí para “batizar” o Marcos Violino. O homem, então, perguntou:
– E esse careca? Não é do Exército? – curioso, indagou.
– Ah, esse é o mais importante da turma. Ele é filho do padre Anchieta! – comentou o Formigão.
Pronto, foi o que bastou. Impressionado, o homem saiu dali e voltou com algumas cordas. Fincou estacas, colocou as cordas e fechou o local, colocando uma placa com os dizeres: “Área Militar – Proibido Entrar”.
As risadas não cessaram. Agora, eles estavam protegidos por uma barreira de cordas e o homem ficou “fazendo a guarda” do local. E os peixes? Ah, pelo que parece, ficaram por lá mesmo, pois a pescaria perdeu para a concorrência da cerveja, do churrasco e das gozações.