Preibói da praça

 

Certo dia, no início da década de 1970, quando trabalhava na autoescola Barros, Gerson “Jacaré” Sperândio foi interpelado por um rapaz nas proximidades da Praça da Matriz, que lhe perguntou:

 

– De onde mesmo que eu conheço você?

 

– Ah, eu sou o Gerson, amigo do Nautílio, “preibói” aí da praça! – foi a resposta dele.

 

Pronto, foi o que bastou. A partir desse fato, tanto o Nautílio Ferreira da Silva quanto todos os demais frequentadores dos bancos da praça passaram a ser conhecidos como “playboys da praça”.

 

Bons tempos. Todos os tempos são bons, mas a época da juventude é, certamente, a melhor. Por quê? Porque há muitos sonhos, muitos caminhos, muitas dúvidas e é a vida que acaba conduzindo a todos.

 

O arranjo dos bancos na praça era bastante diferente do atual, pois estavam colocados em uma circunferência que abrangia toda a área intermediaria, com uma fonte sonora luminosa ao centro. A disposição dos bancos deixava uma “estrada” circular, interminável, onde, nas noites dos finais de semana, os tatuianos andavam, incessantemente, desde o anoitecer até às 22 horas; homens em um lado e mulheres de outro, fazendo com que todos se encontrassem duas vezes em cada uma dessas voltas.

 

Assim funcionavam os flertes, as paqueras. Olhares, sorrisos, caras enfezadas… Conforme havia ou não simpatia neste ou naquele flerte.

 

Com isso, todos se conheciam. Nem sempre por nome, mas todo mundo se conhecia ali, do “footing” dos finais de semana.

 

Os preibóis da praça, no entanto, desprezavam o footing noturno. A coisa era o dia todo, sentados, conversando bobagens, planejando traquinagens e uns caçoando dos outros. O “bullying” acontecia o tempo todo. Só se mantinham por ali aqueles que suportavam as gozações e passavam a ser os gozadores. Não era fácil passar por aquele “teste” sem data para terminar.

 

Mas o que fazia um preibói da praça?

 

Nada! Bem, aqui há um pouco de exagero. Nada produtivo, mas muita diversão. Nisso o Gerson estava certo. Aquela molecada queria mesmo brincar, sem se preocupar com a vida, verdadeiramente uns playboys ou, de acordo com a pronúncia corrente em Tatuí, uns preibóis mesmo.

 

O que mais interessava aos preibóis eram as gatinhas. Não aquelas que fazem miau, mas as meninas. Nessa época já não chamavam as meninas bonitas de broto ou brotinho. Mas sim de gatinhas.

 

E as gatinhas sempre davam um jeito de passar pela Praça da Matriz, como todos os tatuianos. Ao passar, desfilavam. Cada uma tinha seu jeitinho de caminhar, mas por ali, era quase um desfile. E os preibóis, sentados, ocupando diversos bancos, estavam atentos.

 

Um olhar, um sorriso, uma conversa. Pronto, pelo menos um encontro na primeira sessão do Cine São Martinho estava garantido. Daí em diante, um namoro passava a ser possível.

 

Outros, mais afoitos, já imaginavam dar umas voltas com o Simca Chambord, com o Aero-Willys, com o Volks Sedan ou o Renault Gordini do pai com uma dessas gatinhas. O Fusca ainda não tinha esse nome, todos chamavam de sedan ou, simplesmente, de Volks. Ah, e os pais de alguns tinham DKW que, apesar de barulhento, era um dos melhores automóveis da época. Poucos eram os preibóis que tinham carro próprio. E só alguns tinham carro do pai.

 

Ah, o DKW também proporcionava um entretenimento extra aos preibóis, pois sua porta dianteira abria-se para frente. Em uma época em que a maioria das mulheres usava saia ou vestido, sua saída desse carro, muitas vezes, gerava um pequeno show de pernas, ainda mais quando vestiam minissaia, que por essa ocasião foi moda.

 

O tempo foi passando, cada um tomou seu rumo. Muitos se casaram, alguns já faleceram – a maioria de acidentes automobilísticos. Mas, os preibóis que sobraram são muitos e, anualmente, se reúnem para comer, beber e conversar. Muita conversa e as mesmas gozações de antes. O “bullying” continua firme, mas ninguém mais liga para isso.

 

E as conversas? Ah, até parece que o tempo não passou, pois são as mesmas conversas de 20, 30 ou 40 anos, sobre os mesmos assuntos, as mesmas gozações, relembrando episódios que este ou aquele passou.

 

Hoje, nem todos os sonhos dos preibóis se realizaram. Mas ainda estamos todos sonhando, vivendo e aprendendo como todo mundo. Aqueles que estão vivos, é claro. E, neste nosso novo encontro, ainda neste mês de agosto, as mesmas conversas, os mesmos assuntos, as mesmas histórias com os mesmos personagens serão lembradas. Recordar é viver!