Fraudes, drogas e rock’n’roll
Usa-se de quaisquer artifícios para se conquistar um lugar ao sol. Até mesmo fraudes. Há mais de 25 anos um obscuro violinista de São Paulo, cujo nome prefiro não mencionar, foi alvo de notícias em vários órgãos de imprensa quando se descobriu que ele recorrera a expedientes nada canônicos, como diria meu pai, para sua pré-classificação em concurso no exterior. Fez passar como gravação sua um disco antigo e raro de um velho mestre do instrumento. Em âmbito internacional, ele foi denunciado por algo como um “estelionato musical”. Mas o assunto morreu.
Não sabia ele que existem pessoas tão expertas nesse tipo de gravações históricas que nem mesmo uma frase musical, sequer, lhes passa despercebida quando se trata de um artista de primeira grandeza. Consta até que existia uma espécie de “clube” em NY, em que alguém colocavaum disco na vitrola e os contendores duelavam apostando qual regente conduzia a abertura de ópera ou sinfonia tocada. Tipos de amantes inveterados da música. Falando de outro brasileiro, para ingressar em uma grande universidade americana usou seu instrumento um tom abaixo, mas,com habilidade, “puxou” a velocidade da gravação para a tonalidade correta;parecendo tocar mais rápido, mostrou uma destreza que não tinha. A partir desse incidente, obviamente percebido, passaram a exigir que o candidato repetisse lá, ao vivo, o que havia gravado. E, com o advento da tecnologia, passaram a aceitar somente vídeos: imagens com sons não mentem, não há mímica a se fazer, nem dublagem que escape.
Existem inúmeros casos de expedientes escusos para conquistas e autopromoção. Um deles, certamente, é o de uma pianista brasileira que há décadas, anualmente, enviava seu currículo pedindo datas em concertos como solista de grandes orquestras. Os administradores usavam como polida desculpa a temporada seguinte estar fechada, e que o candidato deveria aguardar outra oportunidade – quem sabe, “no outro ano”. De posse das cartas, a artista as incluía em seu currículo e portfolio, informando que havia sido convidada para ser solista com tal e tal orquestra no ano seguinte.
Houve também casos de recortes de críticas escritas para performances de notórios solistas no exterior, habilmente montadas como se fossem do caprichoso artista. Com rara virtuosidade em outros instrumentos – fotocópia, tesoura ecola -, juntava essas críticas às suas diminutas, como se os comentários tivessem realmente sido escritos para ele. E há o caso também de um cantor lírico semiprofissional, um homem de negócios, que em viagem comercial inscreveu-se em concurso de seleção para vagas em grandes casas de óperas, como o famoso MET (Metropolitan Opera, de NY). Recebeu ofícios com as datas de suas provas – que, claro, nem chegou a realizar. Nos EUA, os testes de seleção para músicos são chamados “auditions”, mas em uma tradução ao pé da letra,no Brasil, a palavra significa audições, apresentações. Daí, não foi difícil para o esperto “artista” incluir essas performances, que nunca aconteceram, em seu currículo, dizendo que havia sido convidado para apresentar-se nessas grandes casas de ópera.
Fora das fraudes, o exótico sempre foi uma vitoriosa estratégia, como os ex-rebeldes, hoje arrumadinhose pra lá de setentõesPaule Ringo, que juntamente com George e Lennon formavam o maior conjunto de música pop de todos os tempos.Chegaram a ser malditos como os possíveis quatro cavaleiros do apocalipse, e souberam explorar todas as possibilidades que a “macaquice de auditório” lhes poderia oferecer. Ficaram tão famosos que certo dia, talvez meio surtado, Lennon disse que eles eram mais populares do que Jesus Cristo, blasfêmia quecausou o maior reboliço. Se, por um lado, contavam com essas espertezas e inteligência de Lennon, por outro havia Ringo Starr. Saído da classe portuária de Liverpool, perguntado se gostava de Beethoven respondeu que… amava os poemas dele.
Após os Beatles receberem uma condecoração da rainha da Inglaterra, Lennon mais uma vez extrapolou, e contou que os quatro novos cavaleiros naquele dia fumaram maconha em um dos banheiros do palácio. Queimaram escondidos, claro, mas a revelação, tempos depois, não abalaria o mundo e menos ainda a incólume rainha britânica – sua majestade já havia colhido os dividendos que o conjunto tinha levado à Grã-Bretanha. Os “fab four” acenderam, com essa revelação, mais do que um mero baseado, um estopim para renovar seu conceito entre os jovens rebeldes de todo o mundo. É que os quatro rapazes já estavam sendo considerados um tanto quanto comportados para seus fãs, cujos olhos já se dividiam entre outros cabeludos da ilha, os Rolling Stones.
A quebra da imagem de “bonzinhos” caiu muito bem aos Beatles naquela época. Mas, pecando pelo exagero, uma das tentativas de gravarem “Getting Better”, do álbum “Sgt. Pepper’s”, foi interrompida pelos ataques incontroláveis de riso e total impossibilidade de tocar de Lennon, que estaria “viajando” de ácido lisérgico, o LSD, coisa em voga naquela época.Todos seduzidos pelas experiências do professor, psicanalista e guru californiano Thimothy Leary, que apelidou a droga com as iniciais de sua seita particular, “League of Spiritual Discovery”(Liga de Descoberta Espiritual). As mesmas iniciais, diga-se de passagem, do título “Lucy in the Sky with Diamonds”, de Lennon e McCartney, obra-prima que é uma apologia nada discreta sobre o alucinógeno. (Cont.)