5G, Alexa e Pasárgada

Henrique Autran Dourado

No dia 6 de julho estreou finalmente no Brasil a quinta geração de internet móvel, conhecida por 5G, inicialmente em Brasília – no Plano Piloto e no Lago Sul, a fina-flor. Em seguida, Belo Horizonte, Porto Alegre e São Paulo; as demais cidades aguardarão “sine die” pela bênção da nova tecnologia. (Como diriam os americanos, um sutil “não nos ligue, nós ligaremos”, ou os ingleses, mais irônicos, “não prenda a respiração”). Enquanto esperamos essa maravilha que 08vai encolher o chamado tempo de latência nas redes e as informações trafegarem dez vezes mais rápido, quais serão as reais vantagens oferecidas à população, dos veículos sem motoristas a intricadas cirurgias feitas remotamente? Ah, por dever de ofício, acrescento a parte que me cabe, a maravilha dos sons: músicos de diversas partes do mundo poderão aprender e tocar juntos em tempo quase real, com latência imperceptível. (Quando visitei a Manhattan School of Music, em 2016, vi que as escolas de música em NY já trabalhavam com um sistema de cabos subterrâneos, interligando-as a partir da Universidade de Columbia, como se fosse uma enorme rede direta interna de uma empresa).

Como tudo o que é bom, ainda mais tratando-se do Brasil, o 5G não será para todos: os celulares mais simplesinhos continuarão a operar em faixas mais lerdas; os preços dos novos aparelhos começam, os mais chinfrins, em R$ 1.500, até os que ultrapassam os R$ 10 mil. Dos 67 novos modelos, a Samsung sai na frente com 25 para todos os gostos; logo atrás vêm a Motorola, com 14, Apple e Xiaomi, com 9 e 6, respectivamente, e 13 de outras marcas. Cidadãos mais pobres que lograram ter um celular vão continuar ligados em 2 e 3, no máximo 4G, vendo a banda 5G passar.

Para o novo sistema funcionar, as redes parabólicas, da banda C, irão de escanteio para outra, a KU, abrindo alas para o 5G. Divulga-se que no novo sistema chegaremos a trafegar até 20 vezes mais rápido do que no 4G. “É o progresso em nossa mão / viva a civilização”, cantou Gonzaguinha com ironia. O 5G parece o sonho dos preguiçosos: apaga a luz, liga a TV, o ar-condicionado… (Meu pai dizia, lembrando Mário Quintana: a preguiça é a mãe da invenção). Chegamos à era dos Jetsons!

Há alguns anos ganhei da minha filha mais velha uma engenhoca chamada Alexa, aparelhinho de 8,5 cm de diâmetro por 3 cm de altura. Conectada à Internet, ela, que poderia chamar-se “Amélia”, obedece: “Alexa” (palavra-chave), “que horas são”, “acorde-me às 7”, “quais as notícias” (CBN ou BBC de Londres), mais previsão do tempo e hora certa de qualquer lugar do mundo – ah, e toca as músicas que você pedir. Minha Alexa só entende inglês, não conheço a versão em português, bem mais recente. Ela já pode fazer, há mais de dez anos, algumas das tarefas do 5G, como ligar ou desligar a luz, a TV, o ar-condicionado, se ligados à rede. Claro que a nova geração de banda larga da Internet será milhões de vezes mais poderosa do que minha ajudante doméstica, mas no momento ainda há sobre o 5G mais dúvidas do que certezas. Ora, senão vejamos:

O novo sistema lembra uma criação de cavalos de raça: há o autônomo, “puro”, “Standalone” (no jargão, ao pé da letra, algo como o bebê que já fica em pé sozinho), não precisa do apoio da já existente rede 4G). É rápido, estável e seguro. Essa raça, digo, esse tipo, é o que está sendo lançado em Brasília, pioneira na rede. Nas demais capitais será implantado, inicialmente, o tipo 5G DSS, que “rouba” parte do sinal 4G, é mais lento e menos estável. Daí, será natural surgirem ciumeiras e disputas pelo “puro sangue” em outras cidades e estados.

Que o novo sistema será de imensa utilidade para a negligenciada pesquisa científica, a medicina, o ensino escolar (quando e se for disponibilizado), a comunicação e a automação de um sem-número de serviços, além do EAD e o ensino e performance musicais, não há dúvida. Mas não será a quintessência de uma nova civilização, a arca perdida do santo Graal, a panaceia para todos os males, a pedra filosofal: não extinguirá a fome, não impedirá que o ser humano se lance a guerras e conquistas estúpidas – pelo contrário, acirrará os ânimos, a espionagem e a competição armamentista; tal qual nas revoluções industriais, o desemprego aumentará a olhos vistos e os deserdados sentirão na pele; ajudará os mais fortes a sobrepujar os mais fracos, doença da índole humana. A tecnologia depende do homem, e, fora dos livros e filmes de ficção científica, não nos dominará – “o cérebro eletrônico comanda / manda e desmanda / (…) mas ele não anda”, compôs Gilberto Gil em 1969. Tomara que saibamos conviver com a novidade, tirar dela o melhor proveito e evitar seus efeitos adversos e maléficos. É da natureza humana sonhar alto, conquistar. Porém, há o lado negativo, dos que desejam o mal, têm volúpia pelo poder.

Em 1930, em “Libertinagem”, o poeta modernista Manuel Bandeira (1886-1968) deu asas e voos aos seus desejos, sonhos e utopias, tentando conjugá-las com o que o vislumbrava para seu futuro, tal como desejava que ele fosse. Assim nasceu um histórico poema: “Vou-me embora pra Pasárgada / lá sou amigo do rei / lá tenho a mulher que eu quero / na cama que escolherei”. Primeiro seus instintos e luxúria, em seguida as utopias: em Pasárgada tem de tudo, um processo seguro de evitar a concepção, telefone automático, alcaloide (N.: cloridato de cocaína) à vontade e, finalmente, prostitutas “pra gente namorar”, o lado onírico que compensaria as conquistas materiais. Navegar é preciso, disse Pessoa.