Trovar, segundo o Houaiss, é verbo que vem do provençal, e significa compor em versos, provavelmente do latim vulgar “tropare”, fazer comparações. Para Francisco Fernandes (“Dicionário de Verbos e Regimes”, 1940), trovar seria cantar trovas, e trovar de repente, bem do jeito que soa, é falar sem refletir: “Não trove de repente, afirme a vista!” (Do terrível Mefistófoles, no “Fausto” de Goethe). Trova seria, então, uma obra poética acompanhada de música. Mais para cá, nos dias de hoje, do que na Idade Média, quadrinha seria uma espécie de trova, estrofe de quatro versos, geralmente heptassílabos, versos de sete sílabas. O grande poeta lusitano Fernando Pessoa ilustrou: “a trova é o vaso de flores que o povo põe à janela de sua alma”.
O trovador paulista Pedro Ornellas (1951) escreve seus versos com facilidade e inteligência: “O acerto, sim, amedronta / mas creio que estamos quites: / para os meus erros sem conta / Deus tem perdão sem limites”. O poeta Mário Quintana sabia usá-la com simplicidade: “Coração que bate-bate / antes deixe de bater! / Só num relógio é que as horas / vão passando sem sofrer”. Geralmente trazendo mensagens de sabedoria, as trovas são parte da cultura popular, e frequentemente anônimas: “O tal ditado é um conselho / não te mostres desolado / há sempre um chinelo velho / pra um pé doente e cansado”. Ou de troveiros conhecidos, como Débora de Castro: “Vão troteando, galopeiras / as trovas pelos caminhos; / singram águas pantaneiras / ganham asas, passarinhos”.
Chico Buarque, em “O Que Será”, fez um quadro das assombrações da ditadura, entre “profetas embriagados” e a “romaria de mutilados”: “O que será, que será / que andam suspirando pelas alcovas / que andam sussurrando em versos e trovas”, murmúrios para dizer à boca miúda o que não poderia ser dito por medo. O mineiro José Geraldo cantou suas trovas em um rock rural: “Teus olhos de brilho rouco / a tépida voz denuncia / prendas pousadas de pouco / no arco da porta de um dia” (1986).
Se temos Chico, em sua fase mais arrojada, e Zé Geraldo, rock-trovador urbano, tivemos também o ultrarromântico Altemar Dutra (O Trovador das Américas) com seu grande sucesso, na verdade modinha carioca criada este outro mineiro: ”Sonhei que eu era um dia um trovador / dos velhos tempos que não voltam mais / cantava assim a toda hora / as mais lindas modinhas / do meu Rio de outrora” (“O Trovador”). Dutra fazia tanto sucesso na comunidade latina dos EUA que para lá terminou se mudando, vindo a falecer aos 43 anos em Nova Iorque.
Já na “Aquarela do Brasil”, quase um hino pátrio, Ary Barroso canta o eterno apaixonado: “… deixa / cantar de novo o trovador / à merencória luz da lua / toda a canção do meu amor”, seguindo o espírito, mas não a forma padrão. Vinicius de Moraes também revela, em “Modinha”, o poeta apaixonado: “mulher, abre a tua janela / aqui vela o teu trovador / que em pranto soluça / os seus últimos cantos / ao nosso amor”. O “Poetinha” carioca insiste nessa comunhão homem apaixonado-trovador na letra da bela parceria com Caros Lyra (1962): “Sabe você o que é o amor?”, respondendo ele mesmo pelo seu interlocutor: “não sabe, eu sei”, e insiste nas perguntas: “sabe o que é um trovador?”, dando a si mesmo outra vez a resposta: “não sabe, eu sei”. O trovador, independentemente da forma trova, reaparece como personagem romântico, sempre a cantar e encantar sua enamorada.
Os primeiros registros datam do final do século 11. O gênero chega à Itália e Espanha e logo se espalha por toda a Europa. Dante definiu a prática como “ficção retórica, musical e poética”. Logo, criou-se uma distinção entre os criadores e os que simplesmente se apresentavam, repetindo trovas alheias: eram os “joglars”, espécies de menestréis. Entre gauleses e celtas, eles eram os bardos, que compunham e declamavam frequentemente com acompanhamento de uma lira. O personagem Assurancetourix, no Brasil Chatotorix, da maravilhosa saga em cartum “Asterix, o Gaulês” (Uderzo e Goscinny), é um bardo que deixa todos os aldeões loucos quando começa a cantar aos gritos, dedilhando sua lira. Terminava sempre amarrado para ao final dar lugar às festanças da aldeia. Na França, os “troubadours” eram músicos provençais, enquanto os “trouvères”, do norte do país, eram mais dados às elaborações poéticas.
Giuseppe Verdi (1813-1901) escreveu “Il Trovatore”, uma de suas mais encenadas óperas, inspirado em peça do espanhol García Gutiérrez passada na província de Aragão, início do século 15. Leonora, já prometida em casamento para o conde de Luna, diz à criada, em segredo, que estava apaixonada por um trovador de nome Manrico. Os rivais duelam sem saber que são irmãos. Sucesso absoluto.
Gilberto Gil fez uma conclamação aos bardos em “Lunik 9”: “poetas, seresteiros, namorados / é chegada a hora de escrever e cantar / talvez as derradeiras noites de luar”. A gravação foi em 1967, mostrava a decepção do poeta ao saber da tão decantada lua dos namorados “invadida” por uma espaçonave soviética de meros cem quilos que pousou no satélite. Gerou controvérsias até no Carnaval: “lua, ó lua, querem te passar pra trás”, para enfim decidir que “todos eles / estão errados / a lua é / dos namorados” (marchinha de Armando Cavalcanti). A guerra fria em seu “coté” espacial foi vencida pelos americanos, em 1969, com o primeiro homem pisando na lua. Mas o brilho lunar permanecerá (“eterno, enquanto dure”, diria Vinicius) dos namorados, bardos, poetas, menestréis, seresteiros e trovadores.