‘Tragicomédia’ de tatuiano estreia em SP

Jacques Lagôa dirige texto de Ivan Camargo com produção de Francisco Pinto

Encenação no Teatro Ruth Escobar (Foto: Daniel Trabanca)
Da reportagem

Na quinta-feira da semana passada, 4, estreou no Teatro Ruth Escobar, em São Paulo, a peça teatral “Até que a Morte nos Enlace”. Com texto escrito pelo editor do jornal O Progresso de Tatuí, jornalista e escritor Ivan Camargo, o espetáculo lotou os 390 lugares da Sala “Dina Sfat”.

Na plateia, o público, dividido entre pessoas que viveram os aspectos sombrios da ditadura militar e jovens, os quais conhecem o período apenas por meio da história, riram e se emocionaram.

A atriz e intérprete da primeira vilã da TV brasileira e dubladora, Arlete Montenegro, elogiou o espetáculo e se emocionou ao relembrar, pelos diálogos entre as personagens, o período vivido durante o regime de exceção.

“Isso jamais poderá ser esquecido. Precisamos de mais peças teatrais como esta, para que os mais jovens saibam o que nós sofremos naquela época”, afirmou.

Embora a história se baseie no período da ditadura, ela contou ter sido conduzida a rir da mesma forma com a qual se emocionou.

“Adorei o texto e os atores. Já trabalhei com a Marta (Volpiani) na peça ‘Descalços no Parque’ e vim à estreia por saber que seria um ótimo espetáculo, como realmente foi”, acentuou.

Ao final do espetáculo, Vilma Eboli, na plateia, comentou que “a peça poderia ter durado mais de duas horas”. “Quantos assuntos a mais poderiam ser encaixados na história. É um texto difícil, mas que os atores conseguiram interpretá-lo com perfeição. A dicção deles é perfeita”, observou.

De acordo com ela, a história lembra a peça “Entre Quatro Paredes”, de Jean-Paul Sartre, tido como o maior filósofo da corrente “existencialista” da história. “É como se uma história complementasse a outra”, emendou.

No elenco, quatro renomados nomes do teatro e da televisão brasileira deram vida às personagens, as quais, de maneira bem-humorada, relembraram os aspectos antidemocráticos da época – embora, a história busque conduzir o público a uma “reflexão sobre a vida”.

Ernando Tiago – que deu vida ao apresentador de TV e deputado Pedro Otávio – avaliou a peça como uma forma de resgatar, por meio da história vivida entre as personagens, o período da ditadura.

Para ele, a trama também convida o público a avaliar a forma com a qual levam a vida, “como se fosse uma revisão e um acerto de contas com os erros já cometidos”.

“Desta forma, percebi que o público abraçou essa ideia na estreia em São Paulo. A maioria das pessoas que veio conversar com a gente falou muito a respeito disso, desse resgate da história, dessa tentativa de resgate do amor”, observou.

“De querer deixar para a última hora o perdão, as desculpas, principalmente para as pessoas que nos cercam, que são as mais importantes de nossa vida, que é a nossa família e os nossos amigos mais próximos”, acrescentou.

Para ele, a peça é “muito humana”, tendo a sensibilidade de repassar isso ao público e fazê-lo entender esse lado do texto, que fala sobre relações humanas e correções de erros, os quais, assim como na cabeça das personagens, seriam imperdoáveis.

“A vida é muito rápida, não é? Em um piscar de olhos, tudo passou, tudo mudou. Pessoas que eram muito importantes para a gente não estão mais perto. Saber valorizar quem nos cerca e entender que exercitar o pedido de perdão e o perdoar é a grande missão que nós temos como seres humanos”, emendou.

De acordo com o ator, desde a estreia, o elenco tem buscado se aperfeiçoar a cada nova apresentação. “Eu comparo muito o elenco como um jogo de futebol: o time começa de um jeito e vai se adaptando conforme as partidas vão surgindo. E com a gente é igual. Vamos tentando melhorar cada vez mais o nosso desempenho em cena”, explicou.

Ricardo Monastero – que interpreta o advogado Tarso Cabral – avaliou como “surpreendente” a estreia. Para ele, somente após a reação da plateia é que o texto se completa e os atores se reajustam em cena.

“Acredito que, desde então, crescemos muito. Já descobrimos juntos, nesse jogo de cena, novos meandros e preciosidades no texto, principalmente com a chegada da plateia. Porque o teatro só acontece com o público”, acentuou.

Marta Volpiani disse ter voltado aos palcos para interpretar “Estela” após 25 anos longe do teatro. E ter regressado na dramaturgia a convite de Jacques Lagôa foi, segundo a atriz, um privilégio.

Ela contou ter recebido o convite por meio de uma ligação do diretor, dizendo que teria para ela “um texto incrível, o qual interpretaria muito bem”.

“E decidi aceitar a produção com esse texto fantástico do Ivan Camargo, produção impecável do Francisco Pinto e direção igualmente de Lagôa”, afirmou.

“E dividir o palco com esse elenco foi, sem dúvida nenhuma, o maior presente neste ano de 2024”, acentuou.

Vanessa Goulartt, intérprete da “Entidade” que media as discussões entre Estela, Tarso e Pedro Otávio, comemorou a estreia dizendo ter ficado grata pela recepção e críticas recebidas do público.

Ela, que traz na bagagem os fortes sobrenomes “Bruno” e “Goulart”, comentou que a arte está “no sangue” e que os trabalhos como atriz começaram quando ela tinha nove anos, sem a influência dos avós Nicette Bruno e Paulo Goulart. “Não por acaso, nasci nessa família. Só estou seguindo aquilo que entendo ser uma missão”, declarou.

Dirigido por Jacques Lagôa, um dos mais conceituados e premiados diretores de teatro e TV do Brasil, o texto dramatúrgico de Camargo já havia vencido o Prêmio “Dias Gomes”, do Concurso Internacional de Literatura, promovido pela União Brasileira de Escritores (UBE).

Em 2011, foi premiado na categoria peça teatral inédita entre 1.109 trabalhos inscritos no Programa de Ação Cultural (Proac), da Secretaria de Cultura, Economia e Indústrias Criativas do estado de São Paulo.

Lagôa comentou sobre a estreia do espetáculo dizendo ter ficado surpreso com a reação do público. De acordo com ele, embora o espetáculo seja mais comprometido com a realidade, contando a história da democracia, “o público sorriu muito”.

Para ele, é fundamental relembrar a época do regime militar por meio de intervenções que incentivem as novas gerações a não compactuarem com atos antidemocráticos. “Acho importante, para que elas saibam sobre a ditadura que vivemos, e para que isso não se repita”, salientou.

O diretor ainda explicou que a peça terá sessões voltadas somente a estudantes e que, após as apresentações, eles se reunirão com o elenco para discutirem o contexto da história. “Assim, eles poderão falar sobre o que acreditam e nós, também”, explicou.

Ele avaliou como “muito bom” a qualidade do texto escrito por Camargo. E elogiou o talento do elenco, o qual, segundo ele, não precisou ser substituído no decorrer dos ensaios.

Com um currículo extenso na direção de telenovelas e espetáculos teatrais, Lagôa revelou que a cada nova estreia “é como se fosse o primeiro trabalho”. “Fiquei bem nervoso. Não esperava que desse alguma coisa errada, como não deu. Mas, a cada novo trabalho, sinto um frio na barriga”, acrescentou.

À frente da encenação, está a Kino School Produções, sediada em Boituva, que tem como gestor Francisco Pinto, produtor cultural, roteirista e fotógrafo.

Ele comentou que, apesar de uma estreia ser sempre uma grande responsabilidade para os atores, o elenco interpretou bem suas personagens. E salientou que “os diálogos mantiveram um bom ritmo, em razão de o texto ser enxuto e objetivo”.

Desta forma, segundo ele, o público pode perceber os conflitos existentes e objetivos das personagens desde o início do espetáculo. “Isso prendeu o interesse da plateia e gerou uma boa sintonia dela com o elenco”, concluiu.

As apresentações acontecem até o dia 27 de abril, às quintas-feiras e sextas-feiras, às 21h, e aos sábados, às 18h30, no Teatro Ruth Escobar.


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