Tatuí­ tem 10% de bebês com abstinência





Amanda Mageste

Recém-nascidos que sofrem sintomas de abstinência recebem tratamentos em berçário até que tenham destino decidido pela Justiça

 

 

Irritabilidade, movimentos involuntários e problemas neurológicos estão entre os “efeitos” provocados pela falta do uso de entorpecentes. Esses são, também, sintomas cada vez mais presentes em bebês que nascem na Maternidade “Maria Odete Campos Azevedo”, da Santa Casa de Misericórdia.

As estatísticas apuradas pela reportagem de O Progresso são preocupantes. De cada dez recém-nascidos vivos no município, pelo menos um apresenta crises de abstinência.

Esse é um fator que motivou a Vara da Infância e da Juventude a adotar providências. O Judiciário cuida desses tipos de casos com “mais agilidade”. A situação também mobiliza equipes de profissionais do hospital, da Secretaria Municipal da Saúde e do Conselho Tutelar.

Conforme dados da responsável técnica da maternidade, a enfermeira Sueli Aparecida Silva Matos, a maioria dos bebês que nasce com síndrome de abstinência é gerada por mães viciadas em crack. A droga apresenta o maior potencial de vício e, na mesma proporção, o maior efeito nocivo ao organismo.

Entretanto, esse tipo de “ocorrência” não é novidade em Tatuí. “Eu vi pela primeira vez uma criança apresentar crise pela falta de droga – porque a mãe era viciada – há 15 anos”, relatou a provedora da Santa Casa, Nanete Walti de Lima.

Segundo ela, os bebês podem apresentar sintomas pelo uso que as mães fazem durante a gestão tanto de bebidas alcoólicas quanto de entorpecentes. “Tudo que gere dependência química tem um efeito, porque o bebê é alimentado exclusivamente pelo organismo das gestantes”, citou a provedora.

Nanete disse que, quando a mãe faz uso com frequência de droga ou álcool durante a gravidez, a substância passa a “integrar a alimentação da criança”.

“É parte do que o bebê recebe quando está na placenta. Quando ele nasce, o fornecimento é ‘cortado’, daí, vêm os sintomas da abstinência”, descreveu.

Os sintomas que a dependência da mãe gera nos bebês variam. Conforme a responsável técnica da maternidade, eles dependem do tipo de droga ingerida e do período pelo qual a criança ficou exposta à substância. Informações que, atualmente, são mais acessíveis, segundo a provedora.

Em 1999, ano em que Nanete viu pela primeira vez um recém-nascido com esse problema, ela disse que não havia orientações. “Quando eu soube que isso existia, não sabia o que fazer. Eu corri no pediatra, num posto de saúde, para ver o que estava acontecendo. Ele me explicou o que era”.

A provedora teve o primeiro contato com os chamados “filhos do crack” dentro do Grev (Grupo de Estímulo à Vida), entidade que ela ajudou a fundar.

“A criança era uma menina, filha de uma usuária de crack. Então, há 15 anos, já havia bebês com síndrome, mas muito menos que nos dias atuais”, contou.

Para a enfermeira da maternidade, trata-se de um “fenômeno” provocado por dois fatores: um deles é o acesso fácil aos entorpecentes; o outro, a prostituição.

Segundo Sueli, mulheres que “vendem o corpo” são as que mais têm envolvimento com drogas. Consequentemente, não se previnem, engravidam, e, durante o período da gestação, fazem uso de drogas por conta do vício.

Os casos são diagnosticados de modo “rápido”, em função de protocolo estabelecido pela maternidade. Já no primeiro contato, a equipe de profissionais tem condições de detectar se há, ou não, algum tipo de problema.

“Todas as grávidas vêm com carteirinha (concedida a quem faz o pré-natal nos postos de saúde). Quando ela não é entregue, temos um indício”, relatou Sueli.

Há, também, casos em que as grávidas são levadas ao hospital – e à maternidade – pelo Conselho Tutelar, já com orientação de que a gravidez é de risco.

A enfermeira alertou que o uso de entorpecente por mulheres grávidas tem se tornado comum em Tatuí. Disse, também, que o “fenômeno” estende-se à região, uma vez que a maternidade atende pacientes grávidas encaminhadas das cidades de Capela do Alto, Cesário Lange, Quadra, Itapetininga, Iperó e Porangaba.

Os 10% envolvem todos os nascimentos registrados na maternidade. Em janeiro deste ano, eles somaram 180, sendo 110 por meio de cesariana, 65 de parto natural e cinco com uso de fórceps.

As informações são de levantamento apresentado pela responsável técnica da maternidade e incluem o peso dos bebês, o tempo de gestação, a idade das mães, o sexo das crianças e o número de exames (teste do olhinho, da orelhinha e do coração).

Também constam: o total de óbitos e de natimortos (fetos que morreram dentro do útero, ou durante o trabalho de parto). No primeiro mês do ano, houve um óbito.

Segundo a enfermeira, os riscos de morte durante o nascimento podem aumentar por conta das condições físicas das gestantes viciadas.

Sueli afirmou que não são raras as situações em que as gestantes entram em trabalho de parto sob efeito de droga. “O que fazemos é uma bateria de exames e, na sequência, comunicamos os conselheiros tutelares”, comentou.

Todas as grávidas, quando detectado o vício em drogas, são submetidas a cesariana. Conforme a responsável técnica da maternidade, o procedimento é escolhido porque evita riscos durante o trabalho de parto, tanto para a mãe como para o bebê.

“Como não se tem exames anteriores das condições da criança, a equipe faz o possível. Providencia testes e faz a coleta do líquido amniótico (fluído da placenta que envolve o embrião), para ver se ele está ‘maduro’”, explicou Sueli.

Ainda assim, há outros complicadores que podem afetar a saúde dos “RNs”, como são chamados os recém-nascidos pela equipe profissional. Conforme a enfermeira, bebês de gestantes viciadas costumam nascer prematuros.

Também apresentam comportamento diferente dos demais recém-nascidos. Além da agitação, algumas crianças podem ter “movimentos involuntários” e tremores. “Os bebês com síndrome de abstinência são mais agitados, chorosos. Alguns dão ‘pulos’ que são bem característicos”, descreveu a enfermeira.

Problema social

Apesar de as drogas estarem “disseminadas” na sociedade – de maneira geral –, a responsável técnica da maternidade afirmou que os casos registrados em Tatuí envolvem mulheres pobres. “São pessoas que têm condição financeira inferior, a maioria sem escolaridade, desempregada, e muitas, mas muitas, garotas de programa que não veem luz no fim do túnel”, argumentou.

Também por conta disso, a maternidade segue protocolo que tem sequência com o Conselho Tutelar. O órgão fica encarregado de levar os casos à Justiça.

Segundo Sueli, os conselheiros são acionados a qualquer indício de risco ao recém-nascido. “Nós acionamos a qualquer comportamento estranho, porque nem sempre dá para saber se a mãe é usuária ou não”, disse a enfermeira.

Durante o período de internação, o conselho verifica os antecedentes da mãe. O objetivo é apurar se ela escondeu alguma informação relevante que possa comprometer a saúde dela e do feto e, em caso de constatação de vício, permitir que a Justiça dê destino rápido do recém-nascido.

A maioria é retirada do convívio da mãe e encaminhada para uma casa de abrigo. “Quando a criança é internada (em uma casa de abrigo), nós sabemos que, dificilmente, volta para a mãe. Na maioria das vezes, ela vai para adoção”.

De acordo com a responsável técnica da maternidade, o trabalho do Judiciário é fundamental em função de que muitas mães não querem ficar com os bebês.

“Quando ela (a mãe) é usuária, o filho nunca fica com ela. Geralmente, ficam com os avós. Então, o Conselho Tutelar nos dá um suporte e ajuda a Justiça a ‘dar um destino rápido’ para o recém-nascido”, afirmou.

O futuro das crianças depende de diversos fatores, segundo a enfermeira. Entre eles, se há algum familiar que queira cuidar delas. No entanto, as equipes do hospital e do conselho realizam uma série de procedimentos para saber se a pessoa que se mostrou “parente” tem ligação com a criança.

“Muitas pessoas vêm aqui e falam que são da família. Às vezes, alguns homens se ‘mostram’ pai da criança, mas não são. Então, nessas situações, a maternidade aciona a nossa assistente social, que fará essa verificação”, disse Sueli.

Até o período em que durar a internação, os bebês que apresentam síndrome de abstinência passam por tratamento. Eles são avaliados por pediatras e neurologistas.

“Quando a criança nasce, é possível verificar se ela é filha de uma usuária, ou não, somente pela sucção do leite”, contou a enfermeira.

De acordo com ela, essa verificação é possível porque “os filhos do crack” são, em geral, rejeitados pelas mães. “Como elas não querem as crianças, elas não dão de mamar no peito. Querem cortar o vínculo.Então, precisamos dar mamadeira e, com ela, já dá para observar os sintomas”, relatou.

A enfermeira descreveu que, na amamentação, os bebês apresentam irritabilidade, choro forte, dores no corpo, agitação e tremores.

Apesar da quantidade de crianças acometidas pela síndrome (10% do total de nascidos), Sueli afirmou que o número de bebês nessa situação caiu. “Antes, era de 20%, mas diminuiu em função do trabalho feito com as mães”.

A pasta municipal da Saúde, por exemplo, realiza busca ativa dentro do programa de redução da mortalidade infantil. O trabalho consiste num levantamento das gestantes por profissionais das UBSs (unidades básicas de saúde).

Os funcionários vão até as casas das mulheres quando há notificação de gravidez e fazem orientações para que elas realizem o pré-natal.

“Estamos fazendo bastante parceria. Na primeira menção que há alguma mulher grávida, a secretaria faz um acompanhamento e nos mantém informados”, disse Sueli.

Para a enfermeira, esse tipo de ação é fundamental para garantir a vida do feto. Contudo, Sueli afirmou que as condições de vida do bebê estão sujeitas ao comprometimento da mãe.

“Dificilmente, uma viciada deixa de consumir droga, principalmente o crack, por causa da gravidez. Isso ocorre porque o entorpecente ‘quebra’ aquele vínculo afetivo da mãe com o feto”, destacou.