A TV brasileira foi inaugurada no final de 1950 em SP, e quatro meses depois em 1951, no Rio, pelo nosso “Cidadão Kane”, nosso “Tycoon” Assis Chateaubriand. Era a TV Tupi abrindo caminho para o futuro. Antes disso, nas rádios, na ausência de luzes de efeito, gestos e danças para glamorizar as apresentações, como na TV, a clareza da voz, a dicção e a impostação eram cruciais. Mas os ídolos radiofônicos surgidos nesse período até 1950 eram mitos que só se poderia ver ao vivo nos Teatros de Revista da Praça Tiradentes, em algumas boates de Copacabana ou do Bixiga paulistano, ou em grande estilo nos elegantes cassinos: Urca, Quitandinha, Pampulha, e todos a preços bem salgados.
Assim como as notícias, que vinham pelo rádio, às músicas era imposta a necessidade de uma dicção perfeita, irrepreensível. Irradiavam até cantores com orquestras inteiras, mas não havia mesas digitais com dezenas de canais, como as de hoje, mas um único canalzinho, sendo os participantes distribuídos nos comprimidos espaços das emissoras, cantora ou cantor à frente de um solitário microfone. A orquestra era disposta no estúdio, logo depois da voz, em ordem crescente de volume: violinos, acordeão e assim por diante, até chegar na bateria, no fundo do ambiente. Assim, com criatividade, eram feitos os programas. (Há um documentário de Gil Baroni, de 2009, chamado “Cantoras do Rádio”, que bem retrata a chamada “era de ouro”, disputada pelas cantoras). Isso, por causa de uma marchinha chamada “Cantores de Rádio”, do trio Lamartine Babo, João de Barro e Alberto Ribeiro, que estourou na voz das irmãs Carmen e Aurora Miranda: “Nós somos as cantoras do rádio / levamos a vida a cantar / de noite embalamos teu sono / de manhã nós vamos te acordar”.
Até o final de 1950, ano em que a TV viria para ocupar seu espaço no Brasil, ainda surgiram sucessos do rádio como a marchinha “Balzaqueana”, da dupla Nássara e Wilson Batista, referência à “Mulher de 30 Anos”, do escritor francês Honoré de Balzac. Quem sabe um afago nas mulheres mais vividas após o sucesso de “Normalista”, da mesma dupla, que cantava “Vestida de azul e branco / trazendo um sorriso franco / no rostinho encantador / minha linda normalista / rapidamente conquista / meu coração sem amor”. Do mesmo ano é “Antonico”, de Ismael Silva, grande sucesso na voz de Gal Costa, longos anos depois: “Ó Antonico / vou lhe pedir um favor / que só depende / da sua boa vontade”.
A curiosidade é que o rádio no Brasil só veio a surgir no centenário da Independência, no mesmo 1922 da Semana de Arte Moderna, inaugurado com pompa pela transmissão de um discurso do então presidente Epitácio Pessoa! Desde antes das rádios, as músicas eram registradas em “bolachões” de 78 r.p.m., tendo sido “Pelo Telefone”, de Ernesto dos Santos, o Donga – um samba nascido em um terreiro de candomblé -, o primeiro do gênero gravado, há exatos cem anos, em 1917! Os “bolachões” traziam apenas uma música por lado e fizeram a alegria de gerações de brasileiros. Mas o grande conforto de se poder ouvir músicas sem comprar discos veio apenas com a maravilha chamada rádio, depois de popularizado. Essas gravações coexistiram com as rádios, e, no final dos anos 1940, passaram a ser gravadas em HI-FI (de “high fidelity”, alta fidelidade), em vinil. Conseguiam comprimir 12 ou mais músicas em um simples álbum, o LP (“long playing”). Depois vieram os discos estereofônicos, até que recentemente a tecnologia trouxe o CD e o DVD, MP3, MP4 e outros formatos.
Voltemos a 1949, ano do choro “Brasileirinho”. Segundo o pesquisador Zuza Homem de Mello, em 1947 Valdir Azevedo já havia composto um trecho da primeira parte. Um dos maiores sucessos de nossa música popular, “Brasileirinho”, que se tornou famoso nos gorjeios virtuosísticos de Ademilde Fonseca, já foi tocado e gravado por uma infinidade de intérpretes até hoje: Baby Consuelo com Os Novos Baianos, Armandinho e o trio de Dodô e Osmar, Altamiro Carrilho, Yamandú Costa, e o Grupo de Choro do Conservatório de Tatuí (bis de sucesso nos finais de show), entre tantos outros. De 1947, “Nervos de Aço”, de Lupicínio Rodrigues, é um samba-canção amargurado, de fossa mesmo: “Você sabe o que é ter um amor, meu senhor? / Ter loucura por uma mulher / e depois encontrar esse amor, meu senhor / nos braços de um tipo qualquer”. Do mesmo ano é um clássico da música brasileira, “Asa Branca”, toada de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, um lamento candente sobre a seca no Nordeste brasileiro: “Que braseiro, que fornalha / nem um pé de plantação / por falta d’água perdi meu gado / morreu de sede / meu alazão”. Pior: ainda perdeu seu amor Rosinha, fugindo da praga da seca nordestina.
Em 1944, o lindo samba carnavalesco “Atire a Primeira Pedra”, de autoria do Ataulfo Alves e o versátil Mário Lago, virou sensação, e as primeiras quatro palavras da frase inspirada no Evangelho de João tornaram-se de domínio popular: “Atire a primeira pedra, ai, ai, ai / aquele que não sofreu por amor”. Os filmes musicais já estavam em plena voga, e a eterna Emilinha Borba emplacou na fita “Tristezas não Pagam Dívidas”. O cinema também fez Carmen Miranda, a “Pequena Notável”, chegar aos EUA, onde fez um sucesso tremendo, chegando a amealhar, por 13 anos a partir de 1940, a fortuna de 35 milhões de dólares, em dinheiro de hoje, e ainda foi coroada com o apelido de Brazilian Bombshell (brasileira explosiva, atordoante). Pois salve os cantores do rádio! Vivamos a vida a cantar!