Henrique Autran Dourado
Em princípio, até mesmo antes de ela nascer. Mas como, alguém perguntaria. Experimentos mostram que, ao ser colocado em uma câmara com máxima vedação acústica, o indivíduo escuta dois tipos de sons: um é bem agudo, de seu próprio sistema nervoso (o “tinnitus”, som interno agudíssimo, quase sempre acompanha pessoas com perda auditiva). Os outros sons são graves: respiração, batimentos cardíacos e fluxo sanguíneo, uma espécie de sinfonia aleatória. Quando o feto estiver plenamente consolidado, são esses os sons que o futuro bebê passará a ouvir no saco amniótico. Bem antes de enxergar (quando vier “à luz”), ele já ouve e sente vibrações sonoras. Um ambiente musical, a proximidade entre o ventre materno e uma fonte sonora, tudo será vital para essa iniciação. Isso, sem falar que a música é um perfeito ansiolítico natural para a futura mamãe.
É claro que essa introdução deve começar com músicas suaves, talvez renascentistas, ou um cravo barroco – e não, claro, um heavy metal ou uma orquestra com impactos fortes de volume. Mas quando, exatamente, o feto pode começar a ouvir música? Segundo estudo supervisionado pela Dra. Debra Sullivan (PHD, Kansas Medical Center) publicado na revista americana Healthline, um feto começa a perceber sons na 18ª semana, e entre a 25ª e 26ª, por volta de sete meses de vida, ele passa a reagir a sons e ruídos. Provavelmente este é o momento ideal para a introdução da música na vida do bebê. Minha filha mais velha passou pela experiência por volta desse ponto da gestação, inclusive com headphones tocando músicas na barriga da mãe. Vem o nascimento, e o bebê já no quarto reage a um pequeno aparelho de som tocando Mozart e Bach muito suavemente, a música já não lhe era novidade. A luz, com certeza, sim.
Baseando-se na ideia dos sons internos da barriga da mãe e seus efeitos no feto e ao nascer, e partindo das pesquisas do obstetra francês Leboyer, autor de “Pour une Naissance Sans Violence” (traduzido aqui como “Nascer Sorrindo”), cientistas aperfeiçoaram um método ideal, segundo eles. Além do nascimento dentro de uma banheira com água quente, quase na penumbra, conforme preconizado pelo francês, foi incluído um acolhedor som grave que lembraria ao bebê os misteriosos sons que ele ouvia na placenta, suavizando o choque da passagem para o mundo exterior.
Pesquisa realizada em um berçário neonatal do Canadá separou os bebês em três grupos: um ouvia música rudimentar, bem simples, o segundo melodias mais elaboradas, como Mozart, e o terceiro era um grupo placebo, não ouvia música. Ao levarem os três grupos para um berçário sonoro, o de músicas básicas ficava meio apático, talvez menos com o repertório mais simples. A “turma placebo” era indiferente, mas a que ouviu Mozart reagia bastante ao compositor, preterindo o repertório básico ou o silêncio.
Pouco tempo depois a criança já fica deitada no chão com aqueles sininhos e chocalhos pendurados, tudo o que pode torná-la feliz, produzindo os próprios sons. O estímulo é sempre fundamental: música de fundo, a voz de mamãe e papai, um violão ou outro instrumento, se eles souberem tocar. Cantando sempre no mesmo tom, os pais vão se surpreender com a criança começando a repetir um ou dois sons da música, depois uma linha inteira, uma estrofe. E vão pasmar ao ver que ela é capaz de fixar a tonalidade de cada música, uma espécie de ouvido absoluto espontâneo. Coisas como a “Lullaby” de Brahms (link ao final), “Brilha, Brilha”, ao som de Mozart, “Terezinha de Jesus”, sempre nas tonalidades corretas. Detalhe: tudo isso antes de o bebê balbuciar palavras.
Quando ele conseguir ficar sentado, percussão é bom atrativo. Objetos de casa tornam-se mirlitons, instrumentos fáceis, como colher de pau, latinhas, tudo o que possa produzir sons. Com um ou dois anos, o bebê pode se interessar por instrumentos. Concertos de orquestra, choro, boa música, enfim, em bons ambientes. Do meu lado um pouco behaviorista, ligo o comportamento ao meio em que se cresceu. Se a criança for levada a ouvir o pior, o mais barulhento, é nesse meio que sua mente será desenvolvida, e ela sofrerá reflexos de uma convivência nem tão boa quanto se desejaria. A melhor música no melhor ambiente conforta, faz uma criança saudável (nada de auditórios caros, há muitas possibilidades baratas e gratuitas). Isso é educá-la para crescer feliz desenvolvendo o potencial da mente.
Hora do contato com os primeiros instrumentos. Importante que ela mesma experimente um daqueles xilofonezinhos, uma flauta doce, brinquedos que alguma hora podem ser trocados por instrumentos com alguma qualidade. E depois um pequeno violão, quem sabe um violino?
Entra em campo o professor de música. As aulas de início podem ser em grupo, um poderoso meio de socialização e percepção do indivíduo no coletivo, com regras próprias e participação comum. E nunca esquecer o canto! Os que infelizmente nasceram mudos podem tocar, e os cegos desenvolvem a audição em níveis bem acima da média. Surdos podem “ouvir” pela vibração (o fenômeno Helen Keller – cega, surda e muda – gostava de “ouvir” música com os dedos. Um dia levaram-na ao grande tenor Caruso, mito da ópera, e Keller, ao colocar o indicador nos lábios dele abriu um sorriso especial, soava-lhe tão bem! Aos que têm deficiências físicas, nada impede tocar ou cantar. Assim criaremos não necessariamente musicistas, mas com certeza adultos inteligentes e sensíveis.