Ode à alegria

Aqui, Ali, Acolá

José Ortiz de Camargo Neto *

Frase do dia: “Alegria, formosa centelha divina… Tua magia volta a unir o que o costume rigorosamente dividiu” (“Ode à Alegria”, Schelling, na “Nona Sinfonia” de Beethoven)

Caros amigos:

Houve um tempo em que o Carnaval, diferente de hoje, era mais uma festa de alegria. Convívio. Brincadeiras entre amigos e desconhecidos. Música. Dança. Povo nas ruas em blocos bonitos e organizados. Fantasias bonitas. Gente assistindo e participando. Parece que unificava as pessoas.

Carnaval era sonho, era poesia, era vontade de união. Havia arte e estética nas roupas, nos desfiles Como diz a música de Chico Buarque: “Sonho de Carnaval”: “era um só cordão, uma canção e uma vontade, de tomar a mão de cada irmão pela cidade, no Carnaval, esperança, que gente longe viva na lembrança, que gente triste possa entrar na dança, que gente grande possa ser criança”.

Havia bebedeiras? Havia. Brigas? Também. Mas no geral era festa e alegria.

As músicas eram marchinhas inocentes que até hoje nos encantam, como esta de Chiquinha Rodrigues: “Ô abre alas que eu quero passar, Peço licença pra poder desabafar, A jardineira abandonou o meu jardim, Só porque a rosa resolveu gostar de mim”.

Meu pai contava que em sua época saíam carros alegóricos muito elegantes, os homens vestidos de cadetes e as mulheres de marinheiras, havia canhões que disparavam confetes, havia os lança-perfumes e as serpentinas.

Hoje, não tenho gosto em participar. Em São Paulo saem multidões pelas ruas sem qualquer organização, sem fantasias bonitas, gente sem camisa e sem educação, e há pessoas drogadas muito perigosas, fora de si, que não sabem o que fazem – só suas vítimas sabem. Resta a opção de assistir aos desfiles de escolas, onde nos sentimos separados da alegria geral, imóveis assistentes de um espetáculo estilizado.

Na Faria Lima, em São Paulo, em1997, quando cheguei da Europa, tentaram ressuscitar os corsos e desfiles de blocos organizados. Assisti a um desses Carnavais, denominado “Folia na Faria”, e senti que estava prestes a haver um renascimento do Carnaval. Mas os moradores dos prédios vizinhos, alguns deles, começaram a reclamar do “barulho” e dos restos da festa na avenida, e a Folia na Faria foi impedida para sempre.

A verdade é que aquela festa da alegria foi pouco a pouco decaindo e se degradando, até restar hoje um simulacro de Carnaval – a alegria acabou e a união que propiciava terminou, dando lugar ao que o costume rigorosamente dividiu.

Não sei como é a festa em Tatuí, espero que a Capital da Música reedite o bom gosto e a alegria neste evento importante. Só posso falar da cidade de São Paulo, da qual hoje fujo, nessa data para mim não mais festiva.

* Jornalista e escritor tatuiano