A palavra “etarismo” lamentavelmente ecoa pelo país neste momento (cuja explicação pode ser encontrada no artigo do professor Henrique Autran Dourado nesta edição, como sempre, de maneira didática e elegante). A causa é o “bullying” cometido por jovens contra uma colega universitária mais “velha”.
Muito se tem debatido, escrito e falado a respeito, evidenciando o quanto há de preconceito, “também”, nessa área no país – além do racismo, xenofobia, homofobia e outros tantos fetiches do fascismo tupiniquim – ainda muito forte, resistindo bravamente a não voltar ao armário da obscuridade.
A manifestação dessas meninas – que podem até não ter percebido a dor que causariam – deve ser advinda justamente do processo de dessensibilização oportunamente estimulado pela política do “bem” contra o “mal” – por mais incoerente isso possa parecer.
A própria ideia do “bem” acabou severamente “pervertida” a partir da desinformação (a favor da ignorância sem pudor, por compartilhamento de rebanho) e de uma perversidade impressionante, em meio à qual as soluções de todos os problemas precisa passar pela violência.
Trata-se de uma espécie de vírus que contaminou significativa parte da população, levada a pensar que a “Educação” (em amplo sentido) é algo do “mal”, senão “socialista”, meramente, exemplificando, por ter Paulo Freire como um de seus teóricos mais respeitados (no mundo, pelo menos).
O fenômeno da “maldade” (ou “bondade”, para os libertos do armário das carnificinas) é contagioso, como se observa facilmente – pior até que o novo coronavírus por certo aspecto, não poupando jovens em universidades e nem crianças no ensino fundamental…
Sim, também não é incomum se ouvir crianças defendendo uso de armas, esculachando os coleguinhas “diferentes” e acusando outros tantos de pequenos comunistas…
E de onde viria isso senão dos pais, cujas estantes, é de se suspeitar, inclusive, não devem guardar nenhum exemplar de “O Capital” para dar-lhes mínimo cabedal à discussão sobre ideologias políticas?
Entre tantas dúvidas, vale observar artigo de João Fortunato, jornalista e coordenador da Brand Security – Comunicação Estratégica de Crise, professor e mestre em comunicação e cultura midiática.
“A infeliz brincadeira, baseada em preconceitos e ignorância, de três jovens estudantes do curso de biomedicina da UniSagrado, da cidade de Bauru, que teve como alvo de suas chacotas – postadas em redes sociais – uma colega de classe na faixa dos 40 anos de idade, apesar de tudo de ruim que possa embalar esta estupidez, teve sim um mérito: o de ampliar a discussão sobre o etarismo.
O preconceito com os ‘jovens veteranos de cabelos brancos’ começa mesmo nesta faixa de idade, aos 40 anos. Não é novo e nem foi inaugurado por estas garotas recém-saídas da adolescência.
Existe há tempos e é praticado rotineiramente em diferentes setores da sociedade, porém, é acentuado no mercado de trabalho. Nele, o etarismo, como é denominado este tipo de preconceito, é driblado de forma tão sutil que fica até difícil de ser comprovado.
Interessante observar que, após o caso das ‘meninas da UniSagrado’ vir à tona, uma corrente de indignação e solidariedade se formou nas redes sociais. Parece até que foi um susto, um achado, algo inusitado, que a sociedade até então desconhecia.
Nem uma coisa nem outra. O que essa indignação revela, em boa parte, é a hipocrisia, pois a estupefação foi manifestada também por aqueles que praticam o etarismo em suas empresas, porém, lá o fazem de maneira sutil, sem que possa ser tipificado. Nas plataformas profissionais, ele salta aos olhos!
A postura das empresas merece ser avaliada. Muitas dizem acompanhar os avanços da sociedade, que são apoiadoras e praticantes do ESG, porém, esquecem de acrescentar que tanto este apoio como a sua prática, em muitos casos, se restringem aos discursos públicos. Intramuros, a realidade é distinta: vale a máxima das meninas da UniSagrado.
O sistema de previdência social no Brasil foi recentemente alterado para aliviar o caixa do governo porque aumentou a expectativa de vida dos brasileiros. Eles agora vivem mais, por isso podem e devem seguir trabalhando. Ou seja, para se aposentar, devem trabalhar por mais tempo.
E como isso pode acontecer se o início do seu final de labuta começa aos 40 anos? Quando o universo corporativo vai se adequar de fato, não somente no discurso, a esta nova realidade?
Contratar um indivíduo com 40 anos ou mais é levar dois em um. Nele, estão incorporadas a experiência profissional e de vida. Imaginem o que ele pode oferecer para qualquer empresa, orientar e ensinar atalhos mais eficazes para os mais jovens, por exemplo. Quem contrata um jovem ‘de cabeça branca’ nunca se arrepende”.
Por outro lado, o Brasil não está dominado totalmente pelas feras desgarradas do armário obscuro e não se tornou, portanto, uma imensa zumbilândia devoradora de cérebros pensantes (não conseguindo tornar a todos vítimas incautas de “influencers” extremistas) – e há de não se tornar!
Belo exemplo disto, de esperança, pode ser notado por um entusiasta da arte e grande colaborador deste jornal, o espanhol mais tatuiano da Cidade Ternura: Rafael Sangrador.
Depois de muitos anos atuando como projetista, com toda a competência, experiência e talento que a profissão exige na prática, Sangrador partiu para a busca pelo “direito” de exercer a função formalmente, com “diploma na mão” – o qual pegou exatamente nesta semana.
Para tanto, já com os (fartos) cabelos prateados, entrou na faculdade de arquitetura e urbanismo em 2017, formando-se em 2022, com efetivos louvores. No momento, para se ter ideia, inscreve seu TCC no concurso dos melhores trabalhos do estado de São Paulo.
Contudo, melhor diz ele como foi a experiência, se sentiu o tal “etarismo”, ou não: “No início, foi mais estranho que difícil, pensavam que seria professor e não aluno.
Superado esse curto tempo, em seguida, confraternizamos; a coordenação abriu espaço para dar aulas de ‘visão espacial’ – pena, acabaram, com a pandemia.
Tive experiências que acrescentaram e atualizaram meus conhecimentos com eles, tanto quanto, com meus conhecimentos, ajudei colegas, e formamos grupos de trabalho muito interessantes; tivemos muita troca de conhecimento e experiências.
Passaram os semestres e alguns professores me permitiram participar como ‘auxiliar na sala de aula’ informalmente.
A troca de informações e conhecimento entre gerações tão distantes foi o melhor que aconteceu… Dá para pensar que o presente abriu um futuro mais longo, o que permite sonhar e fazer novos projetos de vida. Grande experiência, se manter ocupado e útil… Vida!”.
Dizer mais o quê? Senão que a ignorância, “feia e má”, tem em seu extremo, a Educação, algo tão belo e profundamente “bom”. Tocante!
E parabéns aos formandos de arquitetura e urbanismo do Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, de Itu, que não apenas tiveram a sensibilidade de acolher tão bem nosso espanhol, quanto dele souberam extrair o que de melhor a pessoa realmente madura pode oferecer: experiência de vida e Educação por excelência!