O playboy





Poucos dias atrás aconteceu mais um encontro dos “playboys da praça”, um grupo de amigos que, nos anos 60 e 70, reunia-se na Praça da Matriz quase que diariamente, para bater papo, combinar brincadeiras e até mesmo malvadezas. O tempo passou, alguns faleceram, mas os remanescentes ainda mantêm uma grande amizade, motivo pelo qual criaram essa reunião anual.

Eram, ironicamente, chamados de “playboys”, definindo a turma simplesmente como se fossem uns meros vagabundos. Entretanto, a turma dos “playboys da praça” conta com médicos, engenheiros, advogados, professores, empresários e muitos outros profissionais.

Mas havia outros “playboys” na cidade. Uns verdadeiros, como foi o caso do sobrinho de Dario Meirelles, que durante alguns anos foi proprietário da Fábrica S. Martinho, conhecido pelas iniciais de seu nome: P.G. Meirelles, admirado pelos carrões com os quais aparecia na cidade.

Outros, como o Toninho Twist, ficou famoso simplesmente por ser a primeira pessoa vestindo um “blue jeans” em Tatuí, a famosa calça Lee, ainda nos anos 60. Por isso diziam que ele era “playboy lá em São Paulo”, condição que lhe deu uma grande popularidade entre a meninada da época. Todo jovem desejava ter uma calça Lee, coisa muito difícil, só existia contrabandeada.

E havia muitos desejosos de ser playboy. O mais famoso foi o Rui Lobo, conhecido na cidade como Pegê, tanto que era fã do PG original. Pegê, malandro que só ele, não gostava de trabalhar. Era um folgado, sempre escapando do trabalho, até que a vida deu tantas voltas que se viu obrigado a trabalhar. Sua ocupação? Limpar carros, utilizando um balde e pano. Seu único concorrente foi o Pirulito, que até pouco tempo atrás ainda se mantinha nesse ofício.

Pegê era o terror de médicos e dentistas da cidade, pois adorava sapatos brancos e, como não tinha dinheiro para comprá-los, pedia. O dentista João Augusto Vieira Neto, vez por outra, presenteava o Pegê com um par de sapatos usados. Serviam certinho nos pés dele e, por isso, perseguia o João, abordando-o dizendo:

– Tem um sapatinho aí? – insistia, sorrindo, meio que dançando e fazendo ar de coitadinho.

Sua lista de pedidos aos médicos e dentistas estendia-se às calças e camisas brancas. Mulato, adorava andar gingando na rua e vestir-se com calça, camisa, cinto, sapatos e chapéu brancos.

Certo dia, apareceu no consultório do dentista Jarbas Sobral Neto. Jarbinhas já foi logo dizendo que não tinha nenhum sapato branco naqueles dias. Mas Pegê explicou que o motivo de estar ali era outro: precisava extrair dois dentes.

Jarbinhas examinou e constatou que a extração era mesmo necessária.

– Pois então sente-se na cadeira, que vou extrair os dois dentes – ordenou Jarbinhas.

Pegê, acomodando-se na cadeira, perguntou quanto aquilo ia lhe custar. Jarbinhas, sabendo das condições financeiras dele, disse que não ia cobrar.

– Ah, mas não quero nada de graça! – retrucou Pegê. – Vou lhe pagar lavando e polindo seu carro! – explicou.

– Ótimo! – disse Jarbinhas, enquanto aplicava uma anestesia. Um dente ao lado do outro. Apenas uma aplicação de anestesia e, poucos instantes depois, extraiu os dois tocos de dente.

No dia seguinte, conforme prometeu, Pegê apareceu para polir o carro do Jarbinhas, um belo Corcel bege. Foram ao estacionamento onde o carro estava guardado, e a operação limpeza e polimento começou.

Jarbinhas voltou ao consultório para atender alguns pacientes e esqueceu-se do Pegê. À tardezinha foi até o estacionamento para conferir o serviço.

Chegando lá, não encontrou o Pegê. As chaves do carro estavam penduradas em um prego e a metade do carro estava brilhando, polida, enquanto que o restante, todo opaco e sujo.

Enquanto Jarbinhas tentava entender o que havia acontecido, outra pessoa que estava por ali, limpando outro carro, explicou:

– O Pegê começou a limpar seu carro, mas depois de algum tempo parou, dizendo que você trabalhou menos de um minuto para tirar os dentes dele e ele não iria ficar ali trabalhando o dia todo pra pagar seu minuto de serviço! – completou.

Fazer o quê? Jarbinhas conformou-se, mas passou muita vergonha ao rodar com o carro metade sujo e metade brilhando, até que outro profissional da limpeza de automóveis, o Pirulito, completasse o serviço, recebendo por isso, claro.

Apesar de não ter preocupações e de viver folgadamente, infelizmente Pegê sofreu um enfarte e faleceu, ainda jovem.