O fim dos banhos





A estiagem deste ano pegou todo mundo desprevenido. Em mais de um século de medição, os recordes de temperatura e baixa pluviosidade em nossa região foram todos batidos. Com a campanha política versada em acusações, a falta d’água também entrou na dança, eximindo São Pedro pela escassez de chuvas e culpando este ou aquele, desde que seja um adversário político.

Mas o lado positivo da escassez é que as pessoas sentem na pele o que os arautos das mudanças planetárias têm apregoado nos quatro cantos do mundo. O desperdício de água é muito grande e deve ser contido. No mínimo, a atual falta de água tem de servir como exemplo para o futuro próximo.

Há alguns anos, a falta de água era uma constante em Tatuí. O serviço municipal de água e esgoto captava água no tanque do Maria Tuca, que, canalizada, vinha até a cidade. Foi a primeira adutora de Tatuí, com a vantagem de contar com a ajuda da força da gravidade, pois o tanque do Maria Tuca está em um nível um pouco mais alto que a cidade.

Mas a cidade cresceu e a capacidade de captação e armazenamento do Maria Tuca não dava mais conta da demanda. Isso foi motivo de briga política no tempo em que a cidade estava dividida, pela segunda vez, entre partidários do Junqueira e do João Lisboa.

A falta de água na cidade continuava, até que João Lisboa, quando eleito prefeito, mudou a captação para o rio Tatuí, formando uma lagoa logo depois deste receber ajuda das águas do Pederneiras. Ah, a cidade não tinha mais problemas de falta d’água, a não ser nas inúmeras vezes em que o bombeamento parava devido a defeitos nas bombas.

Mas havia um homem que resolvia isso tudo: Aldo Orsi. Era em sua oficina, localizada no bairro 400, que, durante muitos anos, o Serviço Autônomo de Água e Esgoto municipal consertava todos os seus equipamentos.

Mas o tempo passou, o Saae acabou, entrou a Sabesp, a cidade aumentou e a água represada na lagoa parecia insuficiente. Bombas colocadas no rio Sarapuí resolveram a parada, dando uma alimentação extra à lagoa que armazena água destinada à cidade, pois os rios Tatuí e Pederneiras já não têm água suficiente.

Porém, com esta estiagem, o nível do Sarapuí está baixo e a lagoa da Sabesp também. Por isso, é necessário economizar água, acabar com o desperdício, tomar consciência da atual crise hídrica que assola a região Sudeste. Vai passar, mas não se sabe quando. Enquanto isso, ainda tomamos banhos demorados.

Um pouco é culpa de São Pedro, que não manda chuva, e outro tanto dos indígenas que, desde antes de Cabral, já habitavam o Brasil. Eles tomavam banho diversas vezes por dia. Não podiam ver um riacho que já se banhavam, ao contrário dos portugueses, completamente avessos ao banho. Os religiosos dessa época também abominavam o banho, pois entendiam que tomar banho era um culto ao corpo, um pecado inominável. Ninguém mais se lavava.

Para se ter uma ideia da higiene de outros tempos, Luís XIV, rei da França, viveu 77 anos sem sequer molhar os pés. Seu sucessor, Luís XV, só toma o primeiro banho antes de morrer, quando contraiu varíola. Luís XVI e Maria Antonieta são decapitados na guilhotina sem jamais se lavarem. Napoleão Bonaparte, em suas cartas a Josephine, suplicava que a amada nunca se banhasse, pois ele adorava sentir o seu “perfume natural”. Éca!

Se esses eram os hábitos de higiene dos nobres, melhor nem imaginar como eram daqueles considerados como a ralé. Quando muito, passava-se um pano úmido sobre a pele para remover o cascão e o tecido morto. Só isso.

Porém, se na França, que era o “centro do mundo” nessa época, a coisa funcionava assim, em Portugal o hábito de tomar banho era de, no máximo, quatro vezes por ano, na mudança de cada estação.

No caso de que persistissem os hábitos de higiene da corte de D. João VI, por exemplo, não haveria problemas maiores com a falta de água. O Rio de Janeiro, nos últimos tempos do período colonial, era uma fedentina. As pessoas faziam suas necessidades em baldes, que eram esvaziados na janela. As casas não tinham banheiros nem equipamentos sanitários.

Havia o risco de, ao passar pela rua, sob uma janela, levar na cara um despejo desses baldes. Foi estipulada até uma lei que obrigava todo cidadão que arremessasse “águas servidas” pela janela, que gritasse antes: “Água vai!”

D. João VI não era chegado a banhos. Adorava comer uns franguinhos gordurosos, limpando os dedos na roupa puída ou na carapinha dos escravos. Como se alimentava de maneira muito errada, tinha problemas com hemorroidas e constante flatulência. Arrotava e peidava o tempo todo, perto de qualquer pessoa, e ninguém podia rir.

O único hábito de higiene conhecido de D. João VI era lavar suas mãos com lavanda antes de comer seus franguinhos.

Aos 51 anos, achava que se mantinha puro, pois nunca havia tomado um banho, grande pecado de culto ao corpo. Mas como ficou muito doente, viu-se obrigado a tomar um banho como receita de seu médico. Foi curado, mas a experiência nunca mais se repetiu.

Conta a história que o hábito da higiene pessoal passa a ser semanal a partir das primeiras epidemias de febre amarela, em 1855. Com os surtos da gripe espanhola, já no século 20, o banho diário passa a ser um hábito dos brasileiros. Da maioria, pelo menos.

Agora, se persistir a estiagem e os mananciais diminuírem ainda mais, talvez seja preciso adotar a moda dos reis da França e do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves. Haja perfume!

Mas o melhor é economizar água! Racionalizar seu uso e acabar com o desperdício. Ficar sem banho não dá mesmo!!!