O barbeiro negociante





João José foi um barbeiro afamado em Tatuí. Sua barbearia estava instalada no Clube Recreativo XI de Agosto, na Praça da Matriz. Depois que esse clube juntou-se com o Club Tatuhyense e resultou no Alvorada Club, foi demolido e, por isso, João José viu-se obrigado a mudar seu salão de barbeiro. Foi parar na rua Santa Cruz, bem em frente ao Supermercado Lorenzetti, onde funcionou por muitos anos a barbearia do Paulo, outro barbeiro afamado.

Além de seu ofício, João José costumava realizar barganhas, comprando, vendendo ou trocando qualquer tipo de objeto. Relógios, joias, armas e outros objetos, sempre envolvendo um retorno de alguma importância em dinheiro.

Nessa época não havia restrição para uso de armas, como hoje. As pessoas podiam portar armas para sua defesa e não como atualmente, em que as pessoas de bem são impedidas de portar armas, enquanto que os bandidos têm um crescente arsenal. O descalabro é tão grande que, se um ladrão for flagrado em uma residência e seu morador rendê-lo com uma arma, pode ser que o bandido não seja preso, mas o dono da casa, a vítima, com toda a certeza irá para a cadeia.

Mas, voltando aos negócios do barbeiro, certo dia, à tardezinha, apareceu um homem procurando adquirir uma garrucha, dizendo que haviam lhe indicado a barbearia. João José começou a negociar.

O homem não tinha nenhum objeto para dar em troca, mas disse que pagaria em dinheiro. Mostrou-lhe a garrucha. Uma bela peça, bem lubrificada, brilhava. Não tanto quanto os olhos do João José, que pediu uma boa quantia pela arma, que o homem se propôs a pagar. Teria um bom lucro.

O homem examinava a arma com atenção. Destravando os canos, observou as raias. Perfeitas.

– Negócio fechado! – disse o homem. – O senhor também tem balas para a garrucha? – perguntou.

Entusiasmado com o negócio que crescia em valor, João José respondeu afirmativamente e abriu uma gaveta onde guardava a munição e outros objetos que negociava.

O homem pegou a munição e carregou a garrucha. No mesmo momento, apontou a arma para o João José e anunciou um assalto:

– Mãos ao alto! É um assalto! – com uma brusca mudança em sua fisionomia, ameaçou o barbeiro.

Em um primeiro momento, pensou que fosse uma brincadeira, mas o homem mandou fechar a porta da barbearia, encostando com força a arma no ventre dele. Sem outra opção, fez o que o homem mandava.

Com a porta fechada, o homem exigiu que lhe desse todo dinheiro que tinha, abriu as gavetas e “coletou” todos os objetos que tinha algum valor. Colocou tudo em uma sacola e, ameaçando, abriu um pouco a porta para sair. Advertiu o assustado barbeiro que, se ele saísse antes de meia hora, iria matá-lo. Ficou por alguns minutos fechado no salão, até que, com muito cuidado, abriu a porta e chamou uns amigos. Mas o ladrão já havia desaparecido.

Vovô Ernestino também costumava ter objetos para negociar, mas não lidava mais com armas, pois teve problemas uma ou mais vezes e achou melhor desistir desses objetos.

Apesar desse problema, além da barbearia, logo retornou aos negócios, pois sempre lhe deram lucro, deixando, porém, de negociar com armas. Logo contava com alguns objetos. Mas, apesar de tomar cuidado, não escapava das brincadeiras dos amigos.

Zinho Rosa tinha um pilão antigo, feito com enxó. Queria vender, mas lhe ofereceram apenas 50 reais. Muito pouco. Teve então uma ideia. Combinou com um conhecido seu que passava por Tatuí, uma estratégia. Esse homem, desconhecido do João José, apareceu na barbearia procurando um pilão antigo.

– Bom dia! Eu moro em São Paulo e comprei uma chácara em Tatuí. Quero comprar um pilão antigo. É para decorar o lugar! Ouvi falar que o senhor sempre tem objetos antigos para vender. Tem um pilão desses? – o homem, se apresentando, explicou.

– Pago bem, até uns 2 mil reais. Mas tem de ser um exemplar legítimo! – concluiu.

Lamentando não ter o pilão naquele momento, negociante nato, disse ao homem que ia procurar.

– Eu venho em Tatuí toda semana, pois estou com pedreiros na chácara. Dou uma passada aqui, dentro de cinco dias. Se o senhor encontrar um pilão, eu compro! – despedindo-se, o homem avisou ao barbeiro negociante.

No dia seguinte, como era costume, Zinho apareceu por lá, com sua caminhonete. Na carroceria, no entanto, havia um objeto displicentemente colocado e que chamou a atenção: o pilão antigo!

– Zinho, quer vender esse pilão? – perguntou ao amigo.

– Ah, esse pilão é muito antigo, era de meu avô e não vendo por dinheiro algum! – respondeu o Zinho.

João José insistiu para que ele colocasse um preço no pilão. Conversa aqui, conversa lá e o Zinho disse que venderia por mil reais. Daí começou a negociação. Um oferece tanto, outro pede mais, um cede um pouco e outro mais um pouco, até que fecharam negócio em 500 reais, pois seria vendido depois ao homem de São Paulo por 2 mil reais. Um negocião!

Zinho descarregou o pilão enquanto João José preenchia um cheque para pagar aquela aquisição. O pilão ficou colocado em um lugar bem visível, para esperar o tal freguês de São Paulo. Esperou uma semana, esperou um mês, esperou anos… mas o tal homem nunca mais voltou.