Nova matriz catatônica

Em meio à política econômica do país, notabilizou-se o termo “nova matriz econômica”, a qual pautou – desastrosamente, ressalte-se – as diretrizes dessa área durante o segundo mandato do governo Dilma Rousseff.

Basicamente, implicava em investimentos do estado como os maiores responsáveis pela dinâmica da economia – algo como “mais governo e menos iniciativa privada”. A ideia era que, ao se distribuir crédito de maneira facilitada, o dinheiro circularia em fartura, assim mantendo a economia aquecida.

Não deu certo, tanto que o Brasil afundou em sua maior crise econômica da história, perdeu praticamente todas as conquistas sociais das últimas décadas e, por derradeiro, abriu espaço a extremismos de rancor e ódio que acabaram por contaminar a política e a própria população.

Essa tal nova matriz econômica já era! Foi apagada do cenário nacional mesmo antes do impeachment da ex-“presidenta”. Embora sem um claro reconhecimento público pelo PT – tampouco com qualquer mea-culpa -, o modelo mais intervencionista deu lugar ao “liberal” já no instante em que fora chamado a assumir a então Fazenda o engenheiro, diretor de banco privado e economista Joaquim Levy, em 2015.

Também não deu certo – pelo menos para a “presidenta”, já completamente desmoralizada pelo caos na economia e por não conseguir mais esconder aquilo que, também à época, convencionou-se chamar de “estelionato eleitoral”.

Em que pese a lambança jurídica para se justificar o afastamento da “posta” do Lula por conta de “pedaladas fiscais” (outro termo popular da época), a verdade é que essa prática de remanejamento de verbas, embora não legal, era algo corriqueiro na magnitude das administrações brasileiras, da federal às municipais.

A “presidenta” foi cassada porque, na prática, perdera apoio parlamentar (que quase nunca tivera) e pela insatisfação popular, externada de maneiras diversas, mas, em especial, a partir de manifestações de rua.

Em paralelo ao descontentamento com a imperícia governamental na economia, cresceu a cobrança pelo combate à corrupção, como se fosse esta – além do PT em particular – a grande causa dos problemas brasileiros.

E dá-lhe apoio – até histérico, convenhamos – à Operação Lava Jato, em geral, e ao ex-juiz e agora ex-ministro Sérgio Moro, em particular.

Esfacelado o mandato da “posta” (suposto feminino de poste, tal “presidenta” a presidente), assim como o próprio PT, a liberdade de Lula e o que restava de esperança na recuperação econômica, ganharam oportunidade as opções extremistas.

É preciso entender opções extremistas – francamente tão perigosas quanto insensatas – como as do tipo que jamais teriam espaço em um ambiente harmonioso, equilibrado, próspero, maduro…

Um bom e simples exemplo: Adolf Hitler jamais teria ascendido à chancelaria alemã – e, por consequência, aterrorizado o mundo com o genocídio nazista – não fosse a situação caótica em que se encontrava a Alemanha nos anos 30 do século passado.

A derrocada econômica – com seus efeitos imediatos e intrínsecos na condição social e até moral de qualquer comunidade – sempre deu e continuará a dar passagem a aventureiros oportunistas – mormente aos populistas sectários, que conseguem enganar melhor com mensagens de “grandeza”, “patriotismo”, “prosperidade” e – acreditem se quiser! – até “paz”!

Hitler prometeu reerguer a Alemanha das cinzas, que ainda afogava os germânicos desde o fim da Primeira Guerra Mundial, resgatando-lhe, inclusive, as antigas glórias de um novo “reich” – no caso, o Terceiro. A conclusão todos conhecem – ou pelo menos deveriam.

Há bem menos tempo, Donald Trump prometeu reviver as melhores épocas do império norte-americano, a partir de uma segregação maior em relação ao resto do mundo – e de um grande muro para afastar mexicanos. Não obstante, a China segue acelerada ao topo das maiores potências.

Para o alcance da “grandeza”, por sua vez, os líderes populistas exacerbam outras qualidades em comum: são invariavelmente incapazes de sentir empatia (não se importam com a dor alheia, nem mesmo com a vida dos outros), são totalitários (candidatos a ditadores) e não demonstram qualquer apreço pela verdade (fazem uso de fake news sem cerimônia) – além de menosprezarem a liberdade em todos os seus sentidos, claro!

Ainda, defendem “mudar tudo” (como se nada prestasse), a solução de qualquer problema por meio da violência (“sem acordo”) e “aniquilar os inimigos da pátria” (os “do momento”, sejam quais forem: judeus, mexicanos, STF, Congresso Nacional…). E, muito importante:  tudo “em nome do povo” e, não raro, até de “Deus”!

Muito bem (ou muito mal?), a “posta” caiu porque, apesar dos votos obtidos em 2014, perdera a confiança do povo logo em seguida – devido ao estelionato eleitoral, que se resume à mentira de que a crise não seria maior que “uma marolinha”.

Dilma perdeu a Presidência, portanto, porque a legitimidade de um mandato não se resume à contagem dos votos em determinado momento. Em uma democracia, o mandato carece de uma espécie de confirmação constante, percebida pelas reações populares.

Não seria por outra razão que os líderes populistas, na verdade, ainda que eleitos democraticamente, odeiam a democracia. O que eles buscam, feito um fetiche despudorado, é não terem de conviver com essa cobrança diária, com essa “reconfirmação” do mandato.

Óbvio, vai daí, também, o mesmo ódio aos demais contrapesos políticos – Legislativo e Judiciário em especial -, com os quais tem de dividir o “Poder” de mando.

Sim, também não há outra explicação ao furor contra a imprensa, dado ser ela a responsável por levar a público tanto as informações indesejadas ao populista quanto os reclamos da população. É esperado e natural ouvir de figuras desse naipe, por exemplo, a expressão: “Cala a boca, jornalista!”.

Eles a dizem com a boca cheia, prazerosamente, e tendo como eco sempre uma claque eternamente disposta a cuspir ofensas e lamber botas – seja dos nazistas, dos trotskistas, dos integralistas ou, meramente, dos falsos moralistas (também denominados boçais).

Lamentavelmente, ainda que em meio à maior crise sanitária, de (falta) de saúde pública da história moderna mundial, o que se testemunha é a crescente insensibilidade e o oportunismo indisfarçado.

A saúde do povo – que também depende de emprego, claro – não tem no populista a maior preocupação, em cujo escopo encontra-se a busca pelo poder ilimitado – de preferência, com a aniquilação de quem ousa questionar, de quem “abre a boca”.

A realidade do país, neste triste momento, apresenta uma nova matriz – uma que, pela profusão diária de absurdos, está ganhando ares de “normalidade”. O Brasil vive, de maneira trágica, o que se pode chamar de “nova matriz catatônica”.