Na Inglaterra, tal qual os ingleses





Parte IV – Transporte, renda e qualidade de vida

O preço da gasolina no Reino Unido é exorbitante: por volta de R$ 5,20, quase o dobro do que é praticado no Brasil. Já o diesel custa perto de R$ 6, e com ele um carro econômico faz 25 quilômetros por litro. Há um efetivo controle da poluição e, paralelamente, estímulos sem precedentes para aquisição de autos com reduzidíssima emissão de ruídos e poluentes: isenção do imposto equivalente ao nosso IPVA, desconto para pedágio eletrônico na região central de Londres e estacionamentos. Estimulam essa renovação da frota, paralelamente, um crédito pessoal de 3,9 a 4% ao ano (isso mesmo, ao ano) e juros de 1% ao mês nos cartões de crédito – taxa que lá é considerada escorchante. E anda-se muito a pé ou no enorme complexo de metrô, ônibus e trens disponível na capital.

São 417 quilômetros (igual à distância entre Guarulhos e Rio de Janeiro de carro) de linhas de metrô distribuídas entre 270 estações, a rede mais extensa do mundo. A malha metroviária de São Paulo tem 75,5 Km e 73 estações. Há interligações com as linhas de trens e com o sistema de ônibus, como os chamados “duplo decks”, com um andar superior para passageiros. São veículos bastante agradáveis e atrativos aos turistas, que podem ver a movimentação nas lojas e ruas por uma perspectiva de cima. Não há, em geral, qualquer sistema de acessibilidade para deficientes e carrinhos de bebês, já que os ônibus param nos pontos a uma altura ligeiramente acima do meio-fio: levantar um pouco as rodas dianteiras ou traseiras de cadeiras e carrinhos é suficiente. Colabora especialmente um asfalto quase sempre absolutamente liso e sem desníveis. Com tudo isso, um sistema chamado “oister” faculta ao usuário usar um cartão que permite o uso ilimitado do transporte integrado, por prazos variáveis.

Tudo o que se faculta ao cidadão, em especial esses descontos de impostos nos automóveis, pedágios, estacionamentos, e especialmente a impressionante rede pública de saúde é, claro, custeado pelo imposto de renda. Não há mágica nem proselitismo político: desde a implantação do Serviço Nacional de Saúde, em 1948, a página de abertura do ato que criou o projeto diz claramente: “não é caridade, tudo é pago com os impostos de todos”. O cidadão tem sua renda taxada por faixas, sendo a máxima de 45%, para quem recebe acima de R$ 50 mil mensais, os mais altos salários. Há ainda bonificações por faixa etária e outros, e o sistema de saúde gratuito e previdência são mantidos exclusivamente pelos impostos, que não correm por conta de uma entidade própria e uma máquina monumental à parte, como é o caso do INSS brasileiro, dono de uma população enorme de servidores. O cidadão que no Brasil ganha de R$ 3.743, 19 ou acima disso mensais, é taxado em 27,5%, mais o desconto do INSS de 11%, o que perfaz um total de 38,5%, perto dos descontos dos maiores salários da Inglaterra, valores acima de R$ 50 mil. Existe uma taxação básica de 10% até o salário de R$ 11,5 mil mensais e daí em valores crescentes.

Há flexibilidade na contratação de trabalhadores, como acordos temporários de duração variável com remuneração horária geralmente mais alta do que a dos contratos fixos. O salário mínimo é de R$ 25,50 por hora, o que proporciona ao trabalhador perto de R$ 5.000 ao mês. Por R$ 1.200 mensais pode-se alugar um apartamento razoável de um ou dois dormitórios em bairros tranquilos. Uma refeição simples não é cara, e o custo de roupas e objetos de uso é razoavelmente baixo para o padrão salarial.

Pensando já em introduzir o assunto do próximo e último artigo desta série, que versará sobre monarquia, constituição e todo o pensamento britânico, penso em encerrar com o valor da palavra, que é presumida verdadeira assim como a presunção de inocência e honestidade existem de fato (e não apenas de formalmente, como no Brasil – perdoe-me o leitor pela ironia, aquelas coisa “pra inglês ver”). Há caixas eletrônicos para saques de dinheiro nas esquinas, nas estações, nos hotéis e em lojas que podem ser usados a qualquer hora. Em drogarias ou supermercados é comum ver uma placa sobre um caixa especial informando que, se você não tem dúvidas e sua compra está escolhida, basta passar os produtos no “scanner”, o cartão de crédito ou débito no leitor, ensacar as compras e ir embora.

Eu,  ao fazer o “check-out” no hotel, perguntei se estava tudo certo, e a atendente disse “sim, boa viagem”. Curioso, quis saber se o quarto estava em ordem, pensando nas usuais vistorias dos hotéis brasileiros feitas nas toalhas, fronhas e frigobar enquanto você paga a conta da estadia. A inglesinha pareceu surpresa e me perguntou se havia alguma coisa errada no quarto, sem entender minha preocupação, e ante minha negativa despediu-se e desejou-me novamente boa viagem.

A tradição dos EUA vem da inglesa: para obter meu visto permanente, fui ao Serviço de Imigração em Washington. Ante uma agente da Polícia Federal, levantei a mão sobre uma bíblia, em juramento, e respondi a uma série de perguntas, advertido de que minha palavra era expressão da verdade, e que falsas informações são crime. Como na Inglaterra, a palavra, antes de tudo, ela é a verdade. Sem as firmas reconhecidas e carimbos que fazem nossa nação ser conhecida como o país das “red tapes” (“fitinhas vermelhas”), se no exterior requeremos documentos para aqui serem registrados. Talvez sejam esses dois últimos parágrafos uma boa introdução para a próxima e última parte desta série.