Projeto eleva autoestima entre estudantes





Arquivo pessoal

Professora trabalha cultura africana por meio de histórias e utiliza murais, bonecos e livros como recursos

 

De modo simples, mas com resultado abrangente, a professora de educação infantil Elaine Cristina Almeida Pires tem aplicado uma lição em favor da raça negra. Ela é a precursora em Tatuí de um trabalho que visa elevar a autoestima de crianças – sejam elas negras, ou não – e estimular o fim das diferenças étnicas.

O projeto envolve “contação de histórias” que priorizam o folclore africano e incrementam o conhecimento de alunos da rede municipal de ensino.

Elaine começou a formular a iniciativa por duas razões. A principal delas é motivar a filha, de 9 anos, a gostar mais da própria cor e se autovalorizar.

A outra, também significativa, é um convite feito pela coordenadora do MHPS (Museu Histórico “Paulo Setúbal”), Raquel Fayad. A artista plástica abriu as portas do espaço de cultura para a professora colocar em prática as ideias dela.

Elaine leciona no Cepem (Centro de Educação Pré-Escolar Municipal) “Lúcia Almeida Rocha”, que funciona anexo à Creche Municipal “Maria Araújo”, na vila Angélica. Com 20 anos de trabalho – ela começou a carreira em escola particular – a educadora nunca havia pensado em militar em causa própria.

Mesmo tendo sofrido preconceito desde pequena, Elaine revelou que não via necessidade de realizar algo nesse sentido em função do exemplo familiar.

Por influência dos parentes, em especial das tias, ela enfrentou as dificuldades da infância, da adolescência e as atuais aplicando o conceito de igualdade.

Também, porque a família trabalhou, junto aos membros, que, “para superar as diversidades, eles deveriam ser melhores”. “Minhas tias colocavam nas nossas cabeças (dela e dos irmãos) que nós tínhamos de nos valorizar. Elas diziam que, porque nós somos negros, temos de fazer as coisas dez vezes melhor”, disse.

Daí a razão de a professora não ter aderido, até bem pouco tempo, a movimentos em prol da causa negra. Elaine começou a rever os conceitos também por conta da família.

“Sempre trabalhei a autoestima da minha filha, mas, quando ela cresceu, começou a se perceber e me disse que queria ter outra cor”, contou.

Para a professora, esse tipo de comportamento está mais ligado à aceitação social do que à rejeição do próprio corpo. Para incentivar a criança, Elaine precisou parar de alisar os cabelos. “Ela me disse que não gostava do cabelo dela, que queria que fosse liso como o meu. Na época, eu fazia escova”.

Percebendo que esse tipo de situação poderia ocorrer com outras crianças negras, ou discriminadas, independentemente da cor, Elaine pensou numa ação de valorização.

O projeto de contação de histórias é uma consequência da participação dela em grupos e fóruns sobre promoção da igualdade racial. Desde 2013, ela vai a eventos que abordam o tema em Tietê, Salto e São Paulo.

Como complemento, a professora concluiu um curso de contação de histórias. A partir dos fóruns e da capacitação, Elaine viu uma oportunidade de contribuir para elevar a autoestima de mais crianças, criando uma iniciativa única.

“Eu tinha essa necessidade e via que, realmente, isso precisava ser feito nas escolas. É uma ação que melhora o reconhecimento da criança negra. Ela precisa ser feita porque nós não temos nenhuma referência nesse sentido”, disse.

No ensino infantil, em especial, a professora afirmou que há um “abismo” com relação à representação do negro. Exemplos seriam os livros adotados para trabalho junto à grade curricular que não dispõem de histórias sobre negros.

Com apoio da coordenação da educação infantil, a professora começou a dar formato à iniciativa. Ela iniciou o preparo e formulou o conceito com base em pesquisas e fez o primeiro ensaio no museu. A segunda experiência aconteceu na Emef “Eugênio Santos”.

No museu, Elaine conversou com mulheres na véspera do Dia das Mães, comemorado em maio. A professora viu, na oportunidade, uma brecha para incluir lendas africanas. A ideia era avaliar a reação do público e aprimorar o conteúdo.

Todas as histórias incluídas no projeto têm, no enredo, personagens negros que registraram conquistas ou grandes feitos por meio do conhecimento.

Também agrega figuras africanas consideradas importantes, ou seus descendentes que tiveram papel fundamental em determinados momentos do país.

“Junto a isso, eu tento levar informações que permitam que as crianças saibam quais as influências da África na formação do Brasil”, comentou.

Elaine explicou que o projeto não está completamente formatado. Isso porque, a cada sessão, ela faz uma intervenção, dependendo do retorno das crianças.

Na “Eugênio Santos”, a título de exemplo, os alunos perguntaram o que significava inhame (um tubérculo consumido na África e no Brasil). A informação deve ser acrescida em um painel que compõe mural preparado pela educadora.

O projeto pioneiro na cidade está contemplado na lei 10.639, de 9 de janeiro de 2003. A legislação estabelece diretrizes e bases da educação nacional, incluindo no currículo oficial da rede de ensino a obrigatoriedade da temática “história e cultura afro-brasileira”.

Com o retorno das mães, a professora adaptou o conteúdo e agregou novas histórias. O projeto com os estudantes é composto só de contos africanos, tendo sido apresentado, pela primeira vez nesse formato, na cidade de Boituva.

Elaine fez contação com estudantes do município vizinho a convite de representantes de uma unidade. “Minha irmã trabalha lá e mostrou para o diretor. Como eles tinham tido uma experiência ruim de contação, ele me pediu para apresentar o projeto junto aos estudantes da escola”, descreveu.

O retorno veio na forma de relatos dos professores. Elaine disse que uma das crianças chegou a comentar, com uma educadora de Boituva, que tinha a mesma cor da garota da história “Meninas de Laços de Fita”. “O menino já se percebeu e viu que a cor dele é bonita e que não precisa ser igual aos outros”.

As sessões de contação têm entre duas e três histórias e são limitadas a uma hora. O tempo é dimensionado para não atrapalhar as atividades curriculares e o conteúdo programático. Também para evitar que as crianças se dispersem.

Para manter a atenção dos alunos, Elaine usa recursos como bonecos feitos de feltro. Os personagens são confeccionados por uma tia e pela própria educadora.

Os alunos também têm contato com livros, que ficam expostos no ambiente onde as histórias são contadas. A professora considera esse recurso fundamental para o aprendizado e a ampliação do conhecimento entre os alunos.

“Eu coloco os livros dispostos como uma exposição, até porque é um incentivo à leitura. Eu tiro as histórias dos livros e os apresento para as crianças para que elas possam ler e ver que, na África, também existem histórias muito bonitas e lendas maravilhosas”, disse a professora.

“Isso enriquece o conhecimento e ajuda as crianças a verem que elas conseguem superar as dificuldades independentemente dos acontecimentos”, complementou.

As crianças interagem com a educadora ao final das contações. Elaine abre espaço para que professores e alunos possam fazer perguntas a respeito das histórias.

“O que eu percebo é que o conhecimento que as crianças têm ainda é pequeno. Em especial, porque contos africanos não são populares. É diferente de Chapeuzinho Vermelho, porque não está no cotidiano delas”, afirmou.

Atualmente, o projeto é apresentado a convite. Elaine leva a atividade para as escolas nas quais os professores querem mostrar a novidade e trabalhar a temática. Os convites podem ser feitos por meio de rede social (www.facebook.com/elaine.pires).

Em função da carga horária de trabalho, a educadora dispõe apenas do horário da tarde para realizar a atividade. Também nesse período, Elaine faz novas pesquisas para aprimorar o projeto. Conforme ela, a meta é não incentivar o preconceito inverso, mas, sim, estimular a promoção da igualdade racial.

“Estou vendo que é algo positivo. Estou muito feliz por estar desenvolvendo esse projeto. Percebi que já estou tendo um resultado, pequeno, mas estou tendo”.

O próximo passo é a produção dos próprios contos. No momento, a educadora apenas faz adaptações nos textos que são tirados de livros e da internet.

“Eu modifico as histórias sem tirar o essencial, para adequá-las ao universo infantil, mas, quem sabe, futuramente, possa criar algo. Até porque as coisas que acontecem entre mim e minha filha, na nossa relação, dariam um livro”, concluiu.