Fatec aplica plano ‘B’ para abrir estúdio





Cristiano Mota

Alunos acompanham gravação de viola de gamba em estúdio em funcionamento desde o ano passado

 

Desde o ano passado, o som ecoa de maneira diferente para alunos do curso de produção fonográfica da Fatec (Faculdade de Tecnologia) “Professor Wilson Ribeiro de Camargo”. Da metade de 2014 em diante, eles passaram a complementar o aprendizado teórico com o prático, a partir da abertura de estúdio próprio.

Planejado para atender aos estudantes desde o início do curso tecnológico, em 2012, o estúdio precisou passar por uma série de adequações até ser aberto.

De modo a não prejudicar a formação dos alunos, a direção da faculdade optou por colocar em prática o “plano B”, que incluiu a compra emergencial de equipamentos não previstos no projeto original – de qualidade inferior.

As compras autorizadas e realizadas pelo Ceeteps (Centro Estadual de Educação Tecnológica “Paula Souza”) resultaram em um investimento menor.

Viabilizaram a utilização do espaço que tem capacidade para receber uma orquestra inteira e conta com equipamentos de “fazer inveja” a muitas instituições.

No estúdio, os alunos frequentam as disciplinas de técnicas de gravação e acústico de instrumento. Elas são ministradas por José Carlos Pires Júnior, um dos vários docentes que transmitem conhecimento musical dentro e fora das salas de aula.

Júnior, como é conhecido, também leciona matéria que envolve o laboratório de mixagem, outro espaço do complexo fonográfico.

Atualmente, o estúdio é utilizado pelos estudantes de segunda a sexta, no período da tarde. Ele também possibilitou o nascimento do núcleo de técnicas de gravação, projeto que funciona em mais cinco turnos, além das aulas.

Junior disse que os alunos – num total de 40 – começam a frequentar o estúdio a partir do terceiro semestre. “Até o final do curso, eles o utilizarão”, comentou.

O espaço é utilizado para práticas de quatro disciplinas e já possibilita “gravações de primeira”, mas com exceção. Por falta de tratamento acústico – uma das duas últimas pendências a serem resolvidas pela direção da instituição –, as gravações são realizadas sem prejuízos no caso de grupos de música de câmara (instrumentos acústicos) e formados por quatro a seis pessoas.

Também é possível fazer gravação de voz, para serem aplicados em “playback” (base gravada anteriormente) de bandas. “Já estamos prontos para fazer isso e conseguimos realizar, mas temos outros projetos”, disse Júnior.

Dentro do núcleo de técnicas de gravação, o professor trabalha projeto para captação com Daniel Barden Quarteto. A intenção é viabilizar a gravação dentro do estúdio.

“O problema é a bateria, porque ela precisa de uma sonoridade mais contida. E chega a quase cem decibéis (unidades que medem a intensidade do som). Como a sala (de gravação) é muito viva, ao fazermos a gravação, o som das peças (dos instrumentos) se espalha e perde qualidade”, disse Junior.

A distorção só poderá ser corrigida a partir do tratamento acústico, cujo projeto recebeu aprovação do Ceeteps, mas não será realizado por um entrave jurídico. É esse tratamento que vai viabilizar o “uso total” do estúdio.

“Sem isso acontecer, não conseguimos atender os combos que têm baixo, guitarra e bateria, pelo fato de o estúdio não estar completo”, explicou o professor. O mesmo problema da questão do som estende-se para gravação de bandas.

No caso de grupos sinfônicos, orquestrais e de música de câmara, não há distorções. “Eles estão adorando. Inclusive, o Duo Siqueira Lima (de violão), esteve no estúdio no dia 23 para gravar um projeto do Geraldo Ribeiro, que se chama “Antologia”, e adorou o som do jeito que está”, disse Júnior.

A ideia dos professores que participaram do projeto do estúdio – entre eles, Davison Pinheiro e Luis Antonio Galhego Fernandes (coordenador do curso) – é de que o som produzido dentro do estudo fique “mais contido”, após a conclusão do tratamento acústico. Em outras palavras, em “menor volume”.

Conforme Júnior, mesmo antes da chegada dos equipamentos que integram o “plano B”, o estúdio começou a ser utilizado em 2013. O recurso que ele possibilita é considerado fundamental para o aprendizado dos alunos.

O professor afirmou que o estúdio faz “toda a diferença” na vida acadêmica do estudante por dar a ele a possibilidade de “mapear todas as variáveis do mercado”.

“Quando ele for para fora, vai se deparar com os equipamentos que temos aqui. E o aluno precisa saber lidar com eles. Com a situação de captar em uma sala e levar para outra, para fazer mixagem, em espaços separados”, comentou.

Júnior afirmou que, a partir do estúdio, os alunos têm uma formação “mais sólida”. Também enfatizou que o conhecimento é necessário para todos os estudantes, mesmo para os que não trabalharão diretamente dentro dos estúdios.

“Na verdade, o produtor fonográfico precisa, ao menos, saber orientar o operador. Ele precisa conhecer o que existe de recurso de captação de som, para conseguir interferir. Essa seria a função ideal do produtor”, adicionou o professor.

Potencialidade

A Fatec enxerga, para o estúdio, possibilidades que vão além do atendimento ao alunado. Júnior, por exemplo, disse que, se terminado, o estúdio será um dos mais importantes da América Latina. O motivo é a gama de recursos (em termos de equipamentos) adquiridos pelo Ceeteps e que atendem ao curso.

No momento, o estúdio pode atender a “qualquer tipo de gravação existente no mercado fonográfico”. Só por isso, já é considerado um grande feito, uma vez que possibilita gravação de grupos sinfônicos. “Não tem nenhum estúdio de gravação no Brasil, no momento, com essa capacidade”, declarou.

Após o tratamento acústico, Júnior projeta que o estúdio seja capaz de receber uma “orquestra e meia”, para gravação com canais “totalmente independentes”. “Ainda assim, se fosse necessário, nós teríamos ‘backups’”, disse.

Outra possibilidade é a abertura de “um campo de conhecimento” inexistente no país. Júnior disse que o Brasil não tem como tradição a viabilização de espaços apropriados para receber e realizar gravação com “grupos grandes”, como orquestras, bandas sinfônicas e demais corpos musicais.

Tatuí quebraria esse paradigma com a Fatec. No estúdio da escola, o professor diz que seria possível atender a uma das principais instituições musicais do país: a Osesp (Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo).

“Coloco minha cabeça na guilhotina se não conseguirmos fazer uma gravação com altíssimo desempenho dentro desse estúdio (terminado)”, desafiou.

Além de equipado, ele conta com 180 metros quadrados de sala de gravação e 170 metros quadrados de sala de mixagem. O complexo fonográfico agrega a sala de controle com capacidade para 40 cadeiras para ouvintes, uma de masterização, uma de edição e duas salas de aula de práticas musicais.

Todas elas recebem alunos para atividades como a registrada no dia 26 de março. Na data, parte dos estudantes acompanhou gravação de viola de gambá.

Para a captação, o professor utilizou sete tipos diferentes de microfones, dos 200 que a instituição tem à disposição para uso no estúdio e diversos.

“Sei que vamos preferir o som de dois, mas essa é a variedade que nós estamos mostrando no curso. Os alunos têm sete tipos, sete modelos, sete posições diferentes para um único músico. Isso vai permitir que eles consigam ouvir a diferença detalhada e mapear as possibilidades de uso”, disse Júnior.

De acordo com ele, em geral, os estúdios particulares e de gravadoras utilizam de dois a três tipos de microfones. Ao trabalhar com variedade maior, os estudantes têm mais recursos e mais conhecimento musical.

Mesmo com os recursos atuais, o estúdio não está dentro do ideal programado pela instituição. Restam, apenas, dois pontos a serem verificados: o primeiro é o tratamento acústico e o segundo, o software para gravação e mixagem.

Atualmente, as gravações acontecem sem uso de mesa apropriada, mas são mixadas com deficiência. O motivo é que, por não dispor de software, os alunos precisam recorrer a programas de computador similares ou simuladores.

“Mesmo assim, as gravações que fazemos aqui têm um desempenho internacional”, disse Júnior. De acordo com ele, a Fatec é, no país, a entidade melhor equipada em termos de recursos, destacando-se dos estúdios particulares.

“Atualmente, estamos correndo sozinhos. Tem um lugar escrito para os melhores, para nós, e que precisamos alcançar, mas o lugar está reservado”, afirmou.

O maior entrave para a conclusão do estúdio –prevista para maio deste ano – é, justamente, uma preocupação acadêmica. A Fatec optou por incluir no projeto equipamentos e desenhar um espaço multiuso.

“Nós planejamos que o curso tivesse uma intersecção, na qual, no meio, prejudica-se um pouco do som de grupos sinfônicos e de música erudita e de combos e bandas, mas que salva os dois. E esse ponto vai se concluir quando o estúdio tiver com a parte do tratamento finalizada”, concluiu o professor.