Eleição, de Cacareco a WhatsApp





Conhecer a lei não é apenas um direito do cidadão de qualquer país, objetivo e agente dos rumos de sua vida e do papel que representa em sua nação. Mais do que direito, é um dever: reza uma máxima latina que “não se pode alegar ignorância da lei”. Esta humilde contribuição visa a refletir sobre o grande momento político de todos os municípios do país, tanto para o Legislativo quanto para o Executivo, ou seja, prefeitos e vice-prefeitos.

Estamos a menos de um mês do exercício do voto livre, direito consagrado pelo nosso estado democrático sob o manto da Constituição Federal de 1988, grande marco da democracia no país. Competirão – após homologação pelo Tribunal Superior Eleitoral – nada menos do que 16.313 candidatos a prefeito e 16.396 a vice-prefeitos, além dos 456.006 que disputarão vagas em todas as casas legislativas dos 5.570 municípios do Brasil.

Esses números mostram a magnitude do sufrágio do dia 2 de outubro, que indicará de uma única vez os eleitos nos municípios com menos de 200 mil habitantes (os que têm mais população irão enfrentar um segundo turno para a disputa das vagas dos cargos executivos).

O marco legal das eleições é a lei 9.504/97, que define o calendário dos anos eleitorais. As regras compreendem os prazos que permitem a liberdade de ampla divulgação de publicidade oficial, de 1º de janeiro até o início de julho, mais precisamente até 90 dias antes do pleito. A partir de então, é absolutamente vedada a publicidade dos atos, programas, obras e serviços de todas as entidades públicas federais, estaduais ou municipais, e mesmo da chamada administração indireta. Atos eleitorais e partidários, contudo, são peremptoriamente proibidos nas instituições públicas. As restrições institucionais se encerram no momento da proclamação dos resultados pelo TSE, após o que todos os atos suspensos poderão ser retomados.

Marcas que identificam gestões, como logos, deverão ser suspensas no prazo estabelecido para as esferas federal, estadual e municipal, sendo permitidos apenas os símbolos e brasões históricos. As restrições se estendem a fotografias, filmes e análogos, e são bastante amplas.

Aos contrastes: a novidade de hoje é que há veículos muito mais poderosos do que os velhos programas publicitários, “outdoors” e os monótonos programas do “horário eleitoral gratuito”, que não atraem mais do que a apatia do telespectador. Refiro-me às ferramentas de informática, conquistas definitivas dos novos tempos. Sim, a lei impõe restrições aos sítios institucionais na Internet e redes sociais, mas há liberdade de informação e debates em nível informal.

Desses instrumentos, o mais recente e difícil de ser regulado por lei – e que espero nunca seja – é o mais veloz, o mais propagador, o mais dinâmico de todos, caso do programinha WhatsApp, que não pode ser violado sem risco de ser ferida de morte nossa liberdade individual. Não pode haver controle da comunicação entre as pessoas, pois daí a se resvalar para invasão à telefonia como um todo seria um passo.

Eventos são permitidos, desde que não configurem publicidade eleitoral. Na realização de atos públicos é vedada por lei a contratação de artistas por meio de verbas públicas nos três meses de resguardo (art. 77 da lei). Eventos como feiras e exposições, que congregam grande número de pessoas, devem ter autorização prévia dos TREs.

O art. 73 veda a cessão de bens móveis e imóveis, assim como quaisquer materiais e serviços da administração pública que possam vir a beneficiar candidatos, partidos ou coligações, seja em nível federal, estadual ou municipal. Titulares de cargos em comissão, de confiança, não podem ser nomeados ou exonerados, assim como é vetada a posse de candidatos em cargos efetivos aprovados em concurso. Agregam-se as punições impostas pela lei 8.429/92 (a chamada LIA), que são severas, especialmente tratando-se do que dispõe o art. 12.

A modernidade trouxe uma nova dinâmica; foi-se o tempo dos eloquentes discursos e oradores e do protesto nas urnas, que o antigo voto escrito permitia. Talvez o episódio mais exótico tenha sido o de Cacareco, nacionalmente famoso rinoceronte do Zoo paulistano, que recebeu cem mil votos para vereador – um número monumental para a época – nas eleições municipais de 1959, enquanto o partido mais votado não chegou a 95 mil votos. O folclórico cronista e humorista Stanislaw Ponte Preta publicou no jornal “Última Hora” que a cúpula do PSP (Partido Social Progressista) foi vista perto da jaula do Cacareco indo buscá-lo para entroniza-lo na vaga de Ademar de Barros, então prefeito de SP em pleno exercício. Cacareco foi notícia até no exterior. No Rio, o macaco Tião teve mais de 400 mil votos em 1988, e ficou entre os mais votados para prefeito.

Hoje, a velocidade de comunicação via “apps” é impressionante: supondo que determinada mensagem política seja repassada para um modesto grupo de cem de seus eleitores, e cada uma delas replique para uma média de dez amigos, e cada uma das 1.100 desse total ainda alcance outros tantos, chegaremos direto, fora a expansão dessa verdadeira corrente ao longo de horas ou dias, a uma cifra impressionante: 11.100. O efeito desse número em uma pequena cidade de 30 mil eleitores não pode ser negligenciado.

A modernidade impõe novos métodos e táticas, tudo isso escapa ao controle mais pífio. E quem há de ser contra a liberdade de se comunicar como pessoa? Há que se acatar os novos tempos e deles usufruir ou morrer! A política não escapa à modernidade.