Comissão apura ‘RH’ da ex-administração

A folha de pagamento de cerca de 10% dos funcionários públicos da Prefeitura conteria irregularidades que iam desde a concessão de benefícios considerados indevidos até horas extras irregulares.

Os apontamentos foram levados a público pelo presidente da comissão responsável por apurar possíveis irregularidades na ex-gestão municipal, o secretário Renato Pereira da Camargo (Negócios Jurídicos).

O grupo de trabalho é formado por 14 funcionários da Prefeitura, entre eles, servidores de carreira, comissionados e três secretários municipais.

Além de Camargo, compõem a comissão o secretário de Fazenda e Finanças, Walter dos Santos Júnior, e a titular de Planejamento e Gestão Pública, Juliana Rosseto Leomil Mantovani.

O trabalho do grupo está relatado em documento de 16 páginas, com documentações em anexos que superam mil folhas, nas quais constam documentos, certidões e fichas financeiras dos casos citados, somente na área de RH (recursos humanos).

Em um dos casos citados no documento, entregue à prefeita Maria José Vieira de Camargo, um servidor concursado no cargo de auxiliar de serviços gerais chegou a receber R$ 9.000, equivalente a nove vezes o valor do salário-base em gratificações e horas extras.

“Esse foi um caso que nos chamou atenção e está em um dos anexos. O servidor recebia todas as gratificações possíveis, horas extras. Por ter posição de chefia, ele não poderia receber jornada adicional. A função gratificada é um complemento justamente pela carga de trabalho maior”, explicou Camargo.

Segundo o secretário, o auxiliar de serviços gerais chegou a ganhar mais de R$ 6.000 somente em horas extras no mês de setembro de 2014.

A comprovação da irregularidade estaria na ficha financeira do servidor, anexada à documentação enviada à Procuradoria do Município para abertura de eventual ação civil pública.

O relatório apresentado pelo secretário e presidente da comissão tem outros exemplos de atos considerados irregulares pela atual administração.

Comissionados tiveram as referências salariais alteradas por meio de portaria, ao invés de projetos de lei que deveriam ter passado pelo crivo da Câmara Municipal.

Dessa forma, rendimentos teria aumentado quase nove vezes. Os vencimentos de um chefe de gabinete passaram da referência salarial G-III, no valor de R$ 1.151,12, para a I-XXI, de R$ 10.334,51, com acréscimo de 798%.

“Uma portaria não poderia alterar o que está definido em lei. Não existe essa reclassificação na tabela (salarial). Dos casos que nós averiguamos, 98% tiveram mudanças para cima, com aumentos para comissionados”, declarou.

O presidente da comissão afirmou que a alteração via portaria foi “um exemplo gritante”, realizada de maneira “escondida da sociedade e dos vereadores”. A falta do “Portal de Transparência” teria facilitado o procedimento, conforme consta no relatório de recursos humanos.

“Isso (alteração via portaria) foi para não ter desgaste político. As portarias não são publicadas em jornais. Então, a população não ficava sabendo. Não temos o cálculo correto, mas sabemos que causaram grandes danos ao erário público”, ressaltou.

De acordo com o secretário dos Negócios Jurídicos, benefícios como gratificações a servidores foram concedidos “a torto e a direito e a esmo, sem respeito à motivação e em valores díspares, sem critério isonômico”.

O documento registra que parte dos beneficiários das concessões de gratificações, funções gratificadas e complementos salariais “sequer exerceram cargos de coordenação e de chefia”. Em alguns casos, não foram localizadas portarias, o que configuraria “simples alterações no sistema de recursos humanos”.

Conforme o estatuto do servidor, a concessão de função gratificada está condicionada à atividade de coordenação e não pode ser superior a 100% do vencimento base do servidor público.

O relatório enviado à prefeita e disponibilizado à imprensa aponta outras irregularidades, como a nomeação de servidores aprovados em concurso público sem o preenchimento dos requisitos do edital.

Um dos exemplos dados pela documentação da Prefeitura é a de um servidor aprovado para o cargo de fiscal tributário que não possui registro perante o conselho de classe.

A comissão aconselhou a prefeita a abrir sindicância para apurar os preenchimentos de cargos durante a gestão do ex-prefeito José Manoel Correa Coelho, Manu. Serão cruzados os dados dos candidatos às regras dos editais dos concursos em que foram aprovados.

Sobre os concursos públicos, o grupo de trabalho relatou a abertura de concorrências para cadastro reserva. A medida, que gera gastos aos candidatos para as inscrições, foi criticada pela comissão.

De acordo com a análise da nova gestão, a empresa Persona Capacitação, Assessoria e Consultoria, responsável pelos concursos, foi alvo de operação deflagrada pelo Gaeco (Grupo de Ação Especial de Repressão ao Crime Organizado), do Ministério Público do Estado de São Paulo.

“É preciso saber qual foi o real intento da administração pública, no momento da realização do concurso, para estabelecer apenas o cadastro reserva e não as vagas existentes, ou seja, se sua motivação revestiu-se de interesse público”, registra o relatório.

Em contrapartida ao “cadastro reserva”, foi constatada a contratação, pelo regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho – carteira assinada), de funcionários em processos seletivos simplificados, em 2016.

Para a comissão, a abertura de vagas rendeu ao ex-prefeito “vantagem eleitoral” e teria constituído “abuso de poder político”.

“Contrato de urgência é para quando a Prefeitura precisa de mão de obra adicional, como em casos de riscos à saúde pública, calamidade. É para casos excepcionais”, afirmou o secretário.

Outro ato considerado ilegal pela comissão é a contratação de comissionados sem requisitos exigidos pela lei complementar 008/2010.

A nomeação de assessores pedagógicos, segundo o relatório, não estava em conformidade com a lei, que exige licenciatura em pedagogia ou pós-graduação na área de educação, mais cinco anos de exercício no magistério público.

Alguns funcionários contratados pela Prefeitura não teriam comparecido ao local de trabalho, conforme a análise da área de recursos humanos.

Os “funcionários fantasmas” atingiriam tanto os cargos em comissão como servidores de carreira. O relatório descreve fatos como a nomeação de uma mulher para o cargo de diretora municipal de áreas verdes que não teria trabalhado de fato.

As irregularidades também atingiriam o Departamento Municipal de Comunicação e Gestão Estratégica. Uma mulher foi contratada em cargo em comissão para o posto de engenheira de tráfego e estava lotada no setor responsável pelas relações públicas e de imprensa da Prefeitura.

O salário da comissionada também teria sido alterado de forma ilegal, segundo Camargo. O salário-base passou de R$ 1.151 para cerca de R$ 7.500.

“Ela nunca exerceu a profissão de engenheira de tráfego e trabalhava filmando eventos da Prefeitura. Na reforma administrativa, nós extinguimos todos esses cargos, para evitar que episódios como esses voltem a acontecer”, declarou.

Nepotismo

A concessão de função gratificada à ex-primeira-dama Ana Paula Cury Fiuza Coelho foi tema de apontamento e anexo específico. De acordo com o relatório, o incremento de R$ 1.200 no salário dela foi considerado ilegal, a partir de súmula vinculante editada pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

Conforme o entendimento da Suprema Corte, é vedada a nomeação de cônjuge de autoridades para o exercício de cargo em comissão, confiança ou função gratificada na administração pública direta ou indireta.

Mesmo Ana Paula sendo servidora pública concursada, a nomeação teria configurado “dano ao erário” de cerca de R$ 60 mil, em valores atualizados.

“Vamos pedir o ressarcimento na Justiça de todos os valores. Como era o prefeito quem assinava e tinha ciência das irregularidades, ele responderá pelos atos da administração”, declarou o secretário.

De acordo com o presidente da comissão, uma cópia do relatório foi encaminhada à Procuradoria do Município para eventual ingresso de ações civis públicas.