Da reportagem
A Câmara Municipal encaminhará ao Ministério Público o relatório final da CEI (comissão especial de inquérito) aberta para apuração de supostas irregularidades na administração da Santa Casa de Misericórdia, referente ao período de 2005 a 2019.
O documento da investigação, denominada “CEI da Santa da Casa”, foi lido pelo relator Alexandre de Jesus Bossolan (PSDB) durante a sessão ordinária da noite de segunda-feira, 21, e aprovado pelos vereadores.
O relatório tem como base os levantamentos realizados pela empresa A. L. Carli Auditoria, contratada pelo Legislativo, no mês passado, para auditar o hospital tatuiano.
No período de 2005 a 2008, a auditoria apontou que “os registros contábeis e de controles não representam adequadamente a posição patrimonial e financeira da instituição, com saldos ‘fabricados’ com possível registro contábil em duplicidade de recibo de prestação de serviços”.
O estudo indica “inadequações” em registros de cheques, depósitos bancários, receitas de internações e emissões de notas fiscais e ainda afirma ter constatado que, em 2006, não houve controle de estoque, compra e conferência de materiais médicos e hospitalares.
Conforme o levantamento da auditoria, não houve pagamento mensal e anual dos valores do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) patronal com base na folha de salários, referente aos anos 2006, 2007 e 2008.
Ainda durante esse período, o relatório alega que a Santa Casa acumulou dívidas com fornecedores, serviços médicos e de terceiros, com a Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo) e a Elektro, culminando em déficit de cerca de R$ 10 milhões.
No período de 2008 a 2011, o estudo da auditoria registra a “conquista da dispensa da cota patronal – em 2010 e 2011 – como reflexo da obtenção da Cebas (Certificação de Entidades Beneficentes de Assistência Social) com isenção, possibilitando a regularização de algumas pendências administrativas e financeiras”.
A auditoria indica ter ocorrido superávit de 2009 a 2011, após a adoção de medidas administrativas, fiscais e financeiras, equalizando as dívidas existentes, obtenções de certidões, junto aos órgãos competentes, e autorizações para recebimento de verbas públicas.
Contudo, os trabalhos alcançados durante o período, de acordo com a auditoria, não tiveram continuidade. Segundo o documento, “a gestão esteve fragilizada por interferência política administrativa na realização de atendimento médico hospitalar e a inexistência de metas de gerenciamento e de recuperação”.
Entre 2012 e 2015, o relatório indica ter ocorrido o maior número de demissões, em total de 483, e admissões, somando 616 pessoas, “tendo como consequência o aumento no custo de despesa de pessoal e de gastos com rescisões trabalhistas, gerando processos e encargos à instituição”.
O levantamento da auditoria afirma ter verificado que a elevação da dívida trabalhista aconteceu a partir do ano de 2013, no valor de R$ 205 mil, o qual atingiu cerca de R$ 2 milhões no ano passado.
De acordo com a empresa de auditoria, por conta de a Santa Casa não possuir certidões negativas, ainda tem dificuldade para a obtenção de recursos por convênios e emendas parlamentares, desde 2010.
Contudo, por estar atualmente em intervenção municipal, o hospital pode receber recursos e emendas, desde que, em um primeiro momento, sejam enviadas para contas da prefeitura e, posteriormente, repassadas.
Além disso, aponta que o hospital “possui um alto custo para manter as atividades, apresentando insolvência e déficits em todo o período de 2004 a 2008, com melhora de 2009 a 2011 e após 2012.
“Especialmente no período de 2013 a 2016, a situação financeira e administrativa de gestão da entidade ficou insuportável e gravíssima”, acrescenta o estudo.
Conforme a auditoria, um dos principais problemas enfrentados pela entidade são os preços da Tabela SUS (Sistema Único de Saúde), a qual repassa cerca de 40% dos custos reais de atendimento, “causando desgaste financeiro e dívidas a serem pagas mensalmente”.
“Este fato fez com que a Santa Casa precisasse de recursos de outras fontes, como doações e empréstimos bancários, comprometendo boa parte das receitas, resultando em prejuízo nos exercícios contábeis”, reforça o documento.
O relatório demonstra os valores anuais da dívida do hospital. O déficit de 2008 era de R$ 10.187.680, sendo reduzido para R$ 9.062.428 em 2009, mas com aumentos gradativos a partir do ano seguinte.
Conforme a auditoria, as dívidas foram aumentando ano a ano, conforme a seguinte ordem: R$ 9.120.834 em 2010, R$ 9.990.009 em 2011, R$ 10.016.036 em 2012, R$ 14.698.809 em 2013, R$ 18,953 245 em 2014, R$ 22.346.777 em 2015, RS 24.345.117 em 2016, R$ 26.444.364 em 2017, R$ 29.625 817 em 2018 e RS 32.594.916 em 2019.
O estudo ainda apresenta recomendações para atuação nos setores contábil, financeiro, de compras e pessoal, além de uma revisão da contratualização entre a Santa Casa e a prefeitura.
Ainda sugere investimentos para construções de um poço artesiano e de uma usina de oxigênio medicinal, além da instalação de energia solar fotovoltaica.
Os investimentos demandariam cerca de R$ 1,2 milhão, mas poderiam resultar economia mensal de 20% a 30% nos gastos dessas áreas e retorno de cerca de R$ 2,5 milhões em um ano, segundo a auditoria.
Do período analisado pela CEI, a Santa Casa foi administrada por oito gestores: Wilson Roberto Ribeiro, em 2005; Humberto Fanganiello Filho, de 2006 a 2007; o atual presidente da Câmara Municipal, Antonio Marcos de Abreu (PSDB), de 2008 a 2011; Nanete Walti de Lima, de 2011 a 2016; Vera Lúcia das Dores, em 2016; Ana Aparecida de Melo Sá Azevedo Vieira, em 2017; e Márcia Aparecida Giriboni de Souza, de 2017 a 2020.
Ex-prefeito comenta
A reportagem de O Progresso entrou em contato com o ex-prefeito José Manoel Correa Coelho (Manu) a respeito dos apontamentos relacionados ao período de 2013 a 2016.
Manu afirmou que, quando exerceu o caro de prefeito, “sempre tentou manter os atendimentos condizentes e fez diversos ajustes”.
Conforme o ex-prefeito, durante o período de intervenção municipal, em 2016, enviou “equipes para cuidar, porém, os passivos de interferências de outras gestões atrapalharam e, até hoje, atrapalham a Santa Casa”.
“Dentro dos esforços diários, conseguimos verbas, modernizamos atendimentos e cortamos gastos, que, estranhamente, não constaram do relatório”, declarou Manu, em nota enviado ao jornal.
O ex-prefeito ainda criticou a atuação da comissão formada pelo presidente Rodnei Rocha (PSL), o relator Bossolan e o membro Jairo Martins (PSD), afirmando não ter sido chamado para prestar esclarecimentos.
“Aliás, grande equipe dessa CEI da Santa Casa. Eu não fui ouvido e nem o meu secretário da Saúde da época. Uma CEI fajuta dessa”, declarou Manu.
A reportagem ainda tentou contato com Márcia Aparecida Giriboni de Souza, interventora no hospital tatuiano no período mais recente apurado pela comissão, contudo, não foi atendida.
Com a aprovação, o relatório será encaminhado ao Ministério Público local, ao Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, à prefeitura e à Santa Casa, com a solicitação da comissão de “necessidade de uma investigação mais profunda, referente à origem de determinados débitos”.