Apenas 10% de internados ‘se recuperam’





Kaio Monteiro

Sede administrativa da entidade funciona no mesmo prédio que a igreja O Brasil para Cristo

 

O “Força para Viver”, entidade que mantém duas casas gratuitas de recuperação para dependentes químicos na cidade, contabiliza que apenas 10% das pessoas viciadas em álcool e drogas conseguem abandonar a prática.

A taxa, de acordo com o presidente da entidade, pastor Gétero Augusto de Campos, é o resultado apresentado nas casas de recuperação da entidade, que possui um plano de noves meses de acompanhamento direto com os viciados. Esse período é considerado um “renascimento” do dependente.

“Os números são baixos, mas, se comparados a outros métodos de trabalho, as casas de recuperação são os melhores lugares para uma pessoa sair das drogas”, observou.

O principal problema para quem pretende acabar com a dependência química, segundo o pastor, não acontece dentro da casa de recuperação, mas fora dela.

“A taxa de reincidência é alta porque, em pelo menos 50% dos casos, a família do dependente está destruída e a pessoa encontra na droga uma fuga para escapar da situação”.

Além disso, contou Campos, quando o dependente sai da casa de recuperação, ele volta para o “círculo vicioso” no qual vivia, com os mesmos amigos, e passa a frequentar os mesmos lugares da época em que utilizava drogas.

“Por isso, é importante sair daquele local social. O Força para Viver, por exemplo, é um lugar onde todo mundo passa pelo mesmo problema, e cada um sabe as fraquezas de quem está em recuperação. Todo mundo fala a mesma língua”, argumentou Campos.

O presidente da entidade ainda afirma que o dependente está numa “prisão” da qual é quase impossível sair. Esse sentimento, diz, “apenas quem já passou por este momento sabe como é complicado”.

“Você pode até falar que não vai usar, mas as crises de abstinência são muito fortes e a pessoa não aguenta. A compulsão fala mais alto. Nessa hora, se pedirem para ele escolher entre a mãe e a droga, a pessoa fica com a segunda opção”.

De acordo com Campos, durante os 24 anos de trabalho no Força para Viver, foi possível perceber que a maioria dos dependentes são os homens. Ele está convencido, pelas histórias que presenciou, que eles têm mais “coragem” que as mulheres, “as quais pensam um pouco mais antes de usar entorpecente”.

“No entanto, a mulher é mais complicada de se trabalhar nas casas de recuperação. Prefiro lidar com 100 homens a 10 internas, pois elas são mais violentas e traiçoeiras”, revelou o pastor.

O Força para Viver é uma entidade que completa 25 anos de fundação no dia 2 de janeiro de 2014 e atende, gratuitamente, a dependentes químicos (álcool e drogas) maiores de 18 anos. A casa de recuperação não trabalha com a contenção dos viciados, por meio de mandado judicial.

De acordo com o pastor, o primeiro passo para a internação no “Força para Viver” é realizado pelo dependente. O viciado precisa aceitar a condição de estar numa casa de recuperação.

“Após ele querer receber o tratamento, nós vamos fazer uma triagem. Se a família não tiver condições de ajudar, não precisa pagar, pois o Força para Viver é um trabalho filantrópico”, disse Campos.

O presidente da entidade revelou que mais de 50% dos internados não contribuem com “mensalidades”. Também há o teto de um salário mínimo para os parentes que têm “mais condições financeiras”.

“A gente conversa com a família. Não é necessário apresentar nenhum documento. Se a pessoa disser que não pode contribuir, sem problemas. Aqui, temos internos que eu dou leite para os filhos dele”, contou.

Uma das áreas de atuação do Força para Viver é a contemplação da espiritualidade, até mesmo pela ligação que a entidade tem com a igreja O Brasil para Cristo. Nas casas de repousos, os internos, além de trabalhos manuais, fazem orações.

A assistência médica no Força para Viver é realizada via SUS. Em casos mais urgentes, o paciente é levado ao Pronto-Socorro “Erasmo Peixoto”.

Campos informou que os internos realizam exames, caso seja necessário. A entidade oferece condução, junto com um monitor, para o paciente ir até a unidade hospitalar.

Atualmente, a entidade abriga 30 dependentes químicos, apenas na chácara do bairro Dos Fragas, onde são atendidos os internos do sexo masculino. No Guarapó, o Força para Viver mantém as viciadas em drogas. Atualmente, mantém seis internas, mas o espaço comporta mais oito.

Campos ressaltou que a entidade também possui uma clínica de recuperação na cidade de Cerquilho, a qual possui 17 internos. Ele disse que, após os dependentes realizarem a triagem no escritório do Força para Viver, eles são encaminhados diretamente para uma das três opções.

“Quando eles chegam na chácara, os monitores acomodam os novos moradores em um quarto de triagem, que não tem beliche. Isso acontece porque, caso alguém venha a ter um mal súbito, por qualquer efeito de droga, não caia de muito alto”.

O presidente do Força para Viver garantiu que a entidade é contra qualquer tipo de invasão aos direitos dos dependentes químicos, que todos os internos podem escolher não participar mais do tratamento.

“Quero deixar bem claro que, ali, é totalmente aberto. A pessoa tem a liberdade de entrar e sair das dependências das chácaras. Do mesmo jeito que o portão está aberto para entrar, também está para sair”, relatou.

Porém, caso o interno queira deixar a clínica por causa da síndrome de abstinência, Campos explicou que os funcionários o aconselham, junto com a família.

Os pacientes que apresentam depressão por conta da falta de drogas são encaminhados a um médico para a prescrição de remédios, ressaltou Campos.

“E se o interno persistir em não querer ficar, ele vai embora. Se não, será o primeiro a atrapalhar o processo para aqueles realmente preocupados em se recuperar”, destacou.

Por isso, o presidente ressalta que, até o momento, a entidade não sofreu nenhum processo e nenhum suicídio aconteceu nas casas de recuperação. “Temos casos de morte natural por consequência da droga ou de uma vida promíscua”, lembrou.

Logo que o interno chega na casa de recuperação, detalhou Campos, ele é colocado em atividades de terapia ocupacional e trabalhos relativos à limpeza e no cultivo da horta mantida pelos internos.

Campos contou que deixa o dependente nas várias funções da casa, mas, nessa etapa do tratamento, ele não é forçado a trabalhar. O presidente reforça que poucas pessoas chegam muito debilitadas no Força para Viver. Além disso, a alimentação do local também é realizada à base de frutas e verduras.

Campos informou que as atividades dos internos são regradas. Eles acordam às 6h e fazem a higiene pessoal. Das 6h30 às 7h30, o período é deixado para que cada dependente faça meditação ou as preces. Às 8h, começa o café da manhã. Após a refeição, os pacientes fazem terapia ocupacional até às 11h.

A atividade permanece até às 13h, quando começa o almoço. No período da tarde, os internos possuem horário disponível para banho, meditação e tempo livre até às 16h30. A janta é servida às 18h.

De acordo com Campos, em toda noite acontece um culto, “quando os internos realizam orações, testemunhos e, nesse momento, ouvem as histórias de vida dos outros. Isto é muito importante, pois ‘abre a mente’ dos mais jovens”, disse Campos.

“A disciplina é fundamental para os internos, porque eles vêm de um mundo desregrado. A maioria troca, para o uso de entorpecentes, o dia pela noite. Eles mais se drogam, na rua, quando escurece”.

Campos trabalha no Força para Viver desde o início da entidade, há 24 anos. Ele percebeu um fato curioso em duas décadas de atuação: os alcoólatras são, na maioria dos casos, mais velhos que os dependentes das drogas.

“Isso significa que o jovem, o viciado em cocaína, por exemplo, morre de overdose, pelo tráfico ou pela polícia”.

A primeira vez

Tanto pela experiência no Força para Viver, quando pela história de vida, Campos entende que, a partir dos 13 anos, os adolescentes estão mais vulneráveis a experimentar drogas. “Foi nesse momento que eu me perdi”, contou.

“É nesse momento da juventude que a pessoa quer conhecer tudo, como as drogas e as bebidas. Quando o início é cedo, fica difícil sair. Eu estive por sete anos na dependência, e achava que conseguiria sair quando eu quisesse. Mas, não foi isso o que aconteceu”, lembrou.

Campos disse que é filho de pastor e que a educação familiar foi bastante rigorosa. “Nem televisão podia ver”. Porém, quando tomou o primeiro gole de cerveja, aos 14 anos, numa pastelaria da cidade, “o mundo se abriu” para ele.

“Depois, amigos apareceram com uma substância para eu cheirar. Quando eu trabalhava de servente de pedreiro, também trouxeram maconha. Assim eu comecei a fumar”, descreveu.

Contudo, no começo da dependência, ele achava “legal” usar drogas. “Por isso, quando eu vejo a molecada na ‘Praça da Santa’, tomando uísque, vejo que eles estão naquele momento legal, da curtição. Mas, depois, é difícil sair. Eu não conseguia. A recuperação é um processo gradativo e crescente”.

O pastor lembra que só conseguiu deixar de ser dependente químico após sete anos, depois que o irmão também se “curou” do vício da cocaína. “Quando meu irmão – que já foi preso – conseguiu deixar o vício, eu já estava casado. Então, decidi que eu também deveria parar com tudo”, finalizou.